RE - 26413 - Sessão: 09/05/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela Coligação AS PESSOAS MERECEM MUITO MAIS (PRB-PDT-PMDB-PSB) contra sentença do Juízo da 115ª Zona Eleitoral – Panambi (fls. 26-27) –, que julgou improcedente representação por propaganda irregular proposta em desfavor da Coligação O POVO SEMPRE EM PRIMEIRO LUGAR (PP-DEM-PSDB-PSD-PR) e aplicou à representante multa por litigância de má-fé no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais).

Em suas razões recursais (fls. 30-32), a recorrente postula a reforma da sentença no ponto em que a condenou por litigância de má-fé, aduzindo que a) desconhecia que o panfleto em questão continha, em seu verso, as informações impostas pela lei, pois não teve acesso à íntegra do material que foi recebido via aplicativo WhatsApp; b) jamais pretendeu alterar a verdade dos fatos; c) limitou-se a exercer seu direito de ação, traduzido no acesso à Justiça e no devido processo legal; d) a constatação da regularidade da propaganda implicaria apenas improcedência da representação, e não condenação por litigância de má-fé; e) não houve prejuízo à coligação representada.

Apresentadas contrarrazões (fls. 36-37), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 41-43v.).

É o breve relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de 24 horas insculpido no art. 35 da Resolução TSE n. 23.462/15.

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Mérito

A Coligação As Pessoas Merecem Muito Mais (PRB-PDT-PMDB-PSB) ajuizou representação por propaganda supostamente irregular em face da Coligação O Povo Sempre Em Primeiro Lugar (PP-DEM-PSDB-PSD-PR), atribuindo-lhe a distribuição de panfletos divulgando candidatura ao cargo de vereador confeccionados em desacordo com o disposto pelos arts. 38, §1º, da Lei das Eleições e 16, §1º, da Resolução TSE n. 23.457/15, abaixo transcritos:

Art. 38. [...]

§ 1º Todo material impresso de campanha eleitoral deverá conter o número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ ou o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF do responsável pela confecção, bem como de quem a contratou, e a respectiva tiragem.

Art. 16

[...]

§ 1º Todo material impresso de campanha eleitoral deverá conter o número de inscrição no CNPJ ou o número de inscrição no CPF do responsável pela confecção, bem como de quem a contratou, e a respectiva tiragem, respondendo o infrator pelo emprego de processo de propaganda vedada e, se for o caso, pelo abuso do poder.

O juízo eleitoral de piso julgou improcedente a representação por entender que a prova produzida demonstrou inexistir a irregularidade apontada na inicial. Condenou, ainda, o representante à pena de multa no valor de R$ 800,00 por litigância de má-fé, forte nos arts. 80, inc. VII, e 81, ambos do Código de Processo Civil - CPC, considerando que a parte autora alterou a verdade dos fatos, fazendo crer a existência de irregularidade onde não existia.

Inconformada, recorreu a parte autora, pugnando unicamente pelo afastamento da condenação.

Examinados os autos, tenho que o recurso não merece prosperar.

Com efeito, objetivando demonstrar a regularidade da propaganda, a representada trouxe aos autos exemplares da publicidade em questão (fl. 20). Analisando o material, não se constata irregularidade na propaganda da candidata ao pleito proporcional.

Ao cotejar esse material com as fotografias juntadas pela representante às fls. 05-06, infere-se que a inicial veio instruída com reproduções parciais dos originais, fotos essas que não contemplam justamente a face que traz as informações elencadas nos dispositivos legais acima transcritos – CNPJ/CPF do responsável pela confecção, bem como de quem a contratou, e a respectiva tiragem.

No meu entender, o agir da representante amolda-se às condutas contempladas pelos incs. II, III e VI do art. 80 do CPC:

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI - provocar incidente manifestamente infundado;

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

No ponto, reproduzo o seguinte excerto da bem-lançada sentença, que adoto como razões de decidir, verbis:

In casu, analisando a prova dos autos, verifica-se que não existe a irregularidade apontada. Com efeito, em que pese o documento de fls. 06 – mera reprodução xerográfica do panfleto/folheto de propaganda distribuído pela coligação adversa-, verifica-se dos documentos de fls. 20 – original da propaganda eleitoral impressa impugnada -, que foram atendidas todas as exigências legais acima destacadas.

Assim, não prospera a alegação da representante.

E mais, conforme exposto pelo Ministério Público Eleitoral no D. Parecer de fls. 23/25, “ao que se observa dos autos, a representante acostou documento parcial, cópia do interior do folheto, o que, de forma tendenciosa, buscou obstar o pleno exercício do direito de propaganda eleitoral pelo candidato, assim alterando a verdade dos fatos com o escopo de conseguir com esta ação eleitoral objetivo ilegal”.

Nesse contexto, quanto à litigância de má-fé, cabe referir que o art. 80, inciso VII, do Código de Processo Civil, aplicável ao caso por analogia, pune aquele que provoca incidente manifestamente infundado, tal como ocorreu no presente caso em que a parte autora alterou a verdade dos fatos, fazendo crer a existência de irregularidade onde não existia.

Assim, tomando por base o proveito econômico da causa, que seria a imposição de multa ao adversário político de até R$ 8.000,00, conforme pedido expresso nas fls. 04, entendo que este é o valor a ser considerado para aplicação do percentual previsto no Código de Processo Civil.

Assim, fixo a multa pela litigância de má-fé em 10% sobre o valor de R$ 8.000,00.

[...] .

Com a mesma conclusão o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que igualmente incorporo:

[…]

Em síntese, alega a recorrente que não teve acesso à integridade da propaganda, pois recebera a fotografia por aplicativos de comunicação, não tendo o intuito de enganar o julgador. […].

Ocorre que não há nos autos elementos que indiquem que as imagens às fls. 05-06 foram enviadas à coligação representante pelo aplicativo WhatsApp, como alegado. Trata-se, portanto, de afirmação vazia, carecendo de verossimilhança.

In casu, diante da juntada aos autos pela representada dos docs. de fls. 20, percebe-se que a representante instruiu a representação com fotografias parciais do material impugnado, cuja incompletude visava, justamente, omitir a existência de informações obrigatórias.

Desta forma, resta evidente o dolo da parte, que esconde a verdade dos fatos para obter objetivo ilegal, incorrendo nas hipóteses previstas nos incisos II, III e VI do art. 80 do CPC/2015.

Nesse sentido, a jurisprudência:

Recurso eleitoral. Representação. Eleições 2016. Propaganda eleitoral irregular.

Improcedência, com imposição de condenação por litigância de má-fé. Utilização de foto que não correspondia à realidade dos fatos. Proceder de modo temerário ao deduzir pretensão contra fato incontroverso em qualquer incidente ou ato do processo. Reconhecimento. Litigância de má-fé. Configuração. Precedentes. Sentença mantida. Recurso desprovido.

(TRE/SP – RE n. 2937 – Relatora CLAUDIA LÚCIA FONSECA FANUCCHI – Publicado em Sessão – 22/11/2016.)

Assim, ciente da inexistência de valor à causa nos feitos eleitorais, considero razoável modular a sentença para adotar como parâmetro à fixação do valor da multa imposta, analogicamente, o disposto no §2º do art. 81 do CPC, mantendo, contudo, o valor arbitrado de R$ 800,00 (oitocentos reais) – o qual está abaixo da baliza mínima correspondente a um salário mínimo:

Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.

§ 1o Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2o Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.

§ 3o O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.

Por fim, devo enfrentar alegação da recorrente de que não lhe foi dada chance de defesa da acusação de litigância de má-fé, antes da sentença.

A má-fé da parte decorre de um juízo valorativo das condutas praticadas pela parte. É constatada pelo julgador a partir de elementos contidos nos autos.

Em recente julgado deste Tribunal da lavra do Des. Paulo Afonso Brum Vaz, em caso análogo, cuja conclusão foi a de acolher preliminar recursal de cerceamento de defesa, anulando a sentença exarada para ser oportunizada a oitiva da parte interessada (RE 263-28.2016.6.21.0115 – J. Sessão de 02.5.2017).

Todavia, no julgamento atual há circunstâncias distintivas, as quais demonstram que a recorrente teve amplo conhecimento, e a possibilidade de se manifestar sobre a sucessão dos fatos da representação, justificando a conclusão que vem a ser o meu voto.

Ao apresentar sua defesa, a recorrida fez referência expressa à litigância de má-fé perpetrada pela ora recorrente, requerendo fosse condenada nos termos do Código de Processo Civil. Assim como o Ministério Público Eleitoral de origem, o qual opinou no mesmo sentido. Em ato contínuo, após a prolação da sentença, a recorrente teve a oportunidade de arrolar os argumentos pelos quais entende indevida a condenação por má-fé, como de fato o fez, devolvendo a este Tribunal o crivo sobre a matéria.

No âmbito de incidência do princípio da não surpresa oriundo da conjunção dos arts. 9º e 10º do CPC, não é o caso de evitar-se surpresa quando se trata tão somente de fatos realizados no âmbito do processo pela própria parte, especialmente quando inexiste inovação de tese jurídica em torno da matéria. A questão em si gira em torno de fatos, deixando de justificar-se a determinação da retistuição do procedimento e dos autos à primeira instância para a repetição do quanto já manifestado.

Nesse sentido, a jurisprudência do STF já entendeu que o reconhecimento da litigância de má-fé não ofende o princípio do contraditório, que subjaz o princípio da não surpresa:

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - ACESSO AO JUDICIÁRIO. A litigância de má-fé não inibe, em si, o acesso ao Judiciário. Ao reverso, pressupõe-no, sendo o meio de obstaculizar manobras extravagantes. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - CONTRADITÓRIO. A litigância de má-fé não sugere abertura de fase visando ao pronunciamento da parte, decorrendo dos elementos contidos nos autos, afigurando-se dispensável, até mesmo, a provocação do interessado. RECURSO EXTRAORDINÁRIO - APRECIAÇÃO. O recurso extraordinário, de caráter essencialmente técnico, é examinado dentro das balizas reveladas pelas razões do recorrente, mostrando-se defeso adentrar matéria nelas não contida, como é o caso da ausência de fundamentação do acórdão impugnado.

(Supremo Tribunal Federal. AI 272911 AgR, Relator Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 18.12.2000, DJ 06-04-2001 PP-00075 EMENT VOL-02026-11 PP-02356.)

Acima de tudo, o aspecto processual decisivo, ao meu ver, é o de que a parte recorrente não requereu a restituição do procedimento à origem para saneamento, nem demonstrou a ocorrência de prejuízo no exercício do seu direito de defesa ao longo do procedimento. De modo contrário, a sua alegação em torno da ausência de prévia defesa encontra-se no rol de fundamentos por ela delineados visando à reforma da decisão para afastar a condenação ou, subsidiariamente, à “redução do valor da multa fixado, para 1%, nos termos do artigo 81, do CPC/2015”, cujo exame foi acima realizado.

Portanto, dentro de todo esse contexto, justifica-se a reafirmação da sentença.

 

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pela Coligação AS PESSOAS MERECEM MUITO MAIS (PRB-PDT-PMDB-PSB) de Panambi.