RE - 21054 - Sessão: 08/02/2017 às 17:00

(Voto-vista)

Senhora Presidente,

Eminentes Colegas:

Pedi vista dos autos para melhor analisar a prova coligida no decorrer da instrução processual, sobretudo porque, na origem, o juízo eleitoral da 145ª Zona acabou por julgar parcialmente procedente (fls. 196-208) a representação ajuizada pela COLIGAÇÃO QUERO MAIS PARA O MEU POVO (PDT - PT) contra LUIZ PAULO FONTANA, ROBERTO FACHINETTO e COLIGAÇÃO UNIDOS PARA CONTINUAR A MUDANÇA (PSDB - PP - PSB - PMDB - PSD - PV - PCdoB - PTB), por violação ao comando do art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, reconhecendo expressamente ter havido abuso do poder político e do poder econômico por parte dos candidatos LUIZ PAULO FONTANA e ROBERTO FACHINETTO, aplicando-lhes, com apoio no art. 73, § 4º, da Lei das Eleições, multa de 10.000 (dez mil) UFIR e, ainda, com espeque no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, cassou os registros de suas candidaturas.

Nesse sentido, a inicial imputou aos representados Luiz Paulo e Roberto, candidatos à reeleição no pleito de outubro de 2016 no Município de Arvorezinha/RS, juntamente com a Coligação Unidos para Continuar a Mudança, fundamentalmente, a prática das seguintes condutas vedadas: (a) uso da máquina pública, em especial a utilização de ônibus do transporte escolar do município para buscar eleitores de Arvorezinha em suas casas, levando-os no dia 07 de setembro de 2016 (feriado nacional) até o Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Jango Borges, naquela cidade, local onde se realizou encontro destinado a consolidar o lançamento da candidatura dos representados à reeleição aos cargos de prefeito e vice, visando, prioritariamente, as mulheres arvorezinhenses, conforme panfletos de fls. 12-13; (b) distribuição irregular, no evento de 07 de setembro de 2016, no CTG Jango Borges, de erva-mate e água quente ao público que lá compareceu, o que configuraria ofensa ao disposto no § 6º do art. 39 da Lei n. 9.504/97; por fim, (c) no mesmo evento acima citado, a distribuição de bolo e refrigerante aos presentes.

De início, reafirma-se a tempestividade do recurso interposto pelo representados.

Igualmente, pelos argumentos trazidos pelo eminente relator, entendo, de modo excepcional, que os documentos anexados pelos recorrentes/representados quando da interposição do recurso devem ser mantidos nos autos, sem que isso implique ofensa ao disposto no art. 266 do Código Eleitoral. Efetivamente, tais documentos destinaram-se a esclarecer diligência mencionada pelo juízo de piso, que referiu na sentença, à fl. 205, que a prestação de contas do candidato à reeleição ao cargo de vice-prefeito (Roberto) estava zerada no sítio do TRE-RS, até a data da prolação da sentença vergastada, aspecto rebatido por ocasião dos embargos de declaração interpostos (fl. 219).

No mérito, contudo, adianto que estou votando por confirmar a bem lançada sentença de 1º grau, da lavra do Dr. Enzo Carlos Di Gesu, por seus fundamentos.

Nesse sentido, principio, de plano, tal como fez a sentença à fl. 206, por afastar o reconhecimento da conduta imputada na representação – de terem os candidatos e a coligação representada distribuído bolo e refrigerante aos presentes no evento realizado no dia 07.9.2016, uma quarta-feira, feriado nacional. Com efeito, nessa órbita, a prova testemunhal produzida não trouxe mínimos elementos de convicção. Todas as testemunhas ouvidas no decorrer da instrução negaram ter havido esse fato (fls. 125-131), mais ligado à circunstância de, durante o evento, ter-se feito menção ao aniversário de um dos candidatos a vereador presente, que teria dito, em tom de brincadeira, que haveria a distribuição de bolo.

Contudo, contrariamente ao sustentado pelo insígne relator, as condutas vedadas de utilização de veículo de transporte escolar público para o deslocamento de eleitores para o evento que se realizou no CTG Jango Borges, assim  como a distribuição de erva-mate e água quente aos participantes da efeméride, restaram sobejamente demonstrados, com clara quebra ao princípio da isonomia de oportunidade entre os candidatos.

Nesse passo, como corretamente asseverado pela Procuradoria Regional Eleitoral nesta instância, a regra do art. 73 da Lei das Eleições objetiva "[...] tutelar a igualdade formal entre os candidatos, agremiações políticas e coligações partidárias, a fim de coibir condutas que afetem a isonomia do pleito." (fl. 302v.).

E como, no caso concreto, deu-se a quebra dessa isonomia nas eleições municipais de 2016 em Arvorezinha/RS?

Precisa e preponderantemente, se não pela utilização de todos os ônibus escolares supostamente contratados pelos representados e pela coligação, pelo uso de pelo menos um ônibus branco, placa JCJ0012 - VT 44 - (no vidro traseiro, contendo o brasão municipal e referências à gestão então em curso), que é da municipalidade, para o atendimento do transporte de estudantes, em dias úteis. Esse automotor foi, sim, utilizado em 07.9.2016 para levar os eleitores de Arvorezinha das suas casas até o CTG Jango Borges, onde ocorreu o evento de lançamento das candidaturas dos representados Luiz (o "Luizinho") e Roberto (o "Beto"), como deixa claro o vídeo trazido aos autos com a inicial, juntado à fl. 16. Pelo vídeo, vê-se claramente que o ônibus escolar em testilha está a circular em dia não útil, arregimentando eleitores e levando-os até as proximidades ou ao próprio CTG Jango Borges, local de lançamento da candidatura dos representados/recorrentes.

É tão flagrante isso, não apenas pelo DVD que contém vídeo trazido com a inicial da ação, mas pelo fato de que dias antes os representados e a coligação trataram de divulgar publicamente na rede social Facebook (fls. 12, 13, 175-176 e 178) de que haveria transporte gratuito para o evento – "[...] passando pelo interior e bairros do município". Isso nem sequer é negado pelos representados, pois esse o teor da propaganda pública feita por eles mesmos em rede social. 

Os representados, em sua defesa (fls. 55-63),  sustentaram que os ônibus, na ocasião, não estavam a serviço da municipalidade. A coligação demandada teria, supostamente, contratado oito empresas  para propiciar o transporte dos eleitores até o CTG e isso teria sido devidamente contabilizado na prestação de contas apresentada posteriormente à Justiça Eleitoral.

No entanto, a tese é extremamente inconsistente, visto que, liminarmente, ao despachar a inicial (fls. 18-19), o juízo de origem teve a extrema cautela e perspicácia de determinar que os tacógrafos e extratos de comprovação de deslocamento dos veículos públicos de transporte escolar do Munícipio de Arvorezinha fossem anexados aos autos. Todos os veículos, à exceção daquele cujos registros de tacógrafo se encontram à fl. 45, não registram movimentação alguma. Neste, porém, há clara indicação de movimentação e, portanto, de utilização do veículo em 07.9.2016, feriado, sem transporte de estudantes, fazendo soçobrar a tese defensiva. Curiosamente – e isso não passa despercebido – junto com os tacógrafos de fl. 45, a defesa fez juntar um "bilhetinho" apócrifo, escrito em caneta vermelha, procurando encontrar de todas as formas uma explicação para o uso do veículo público em pleno feriado. Neste documento foi consignado que (sic):

No dia 06/09 no final do Itinerário o motorista desligou a chave geral do veículo pelo fato de este estar com a bateria fraca.

Sendo que com a chave desligada o disco do tacógrafo para de girar.

Na quinta-feira, no início do itinerário, o motorista deveria ter trocado o disco do tacógrafo, e não o fez. Por isso que a marcação da folha de quarta-feira está em uso mesmo o veículo não ter sido usado.

Pois bem, se com essa pseudoexplicação poderia restar alguma dúvida e, com isso, o juízo de 1º grau inclinar-se-ia pelo julgamento de improcedência da representação, a ouvida da testemunha Moacir Antônio Fossa de Lima (fls. 125-126), funcionário público municipal, motorista experiente e ARROLADA PELOS REPRESENTADOS, espancou todas as dúvidas ao vaticinar o seguinte, in verbis:

[...] Não há qualquer atitude possível do motorista, até mesmo em relação ao veículo, para fins de alterar o conteúdo do extrato, que vem lacrado quando é feita a vistoria da empresa responsável. O tacógrafo não é interligado com a bateria do veículo e/ou chave geral. O veículo de fl. 45 é do Município. Que o tacógrafo - disco marca o dia inicial de um período de 07 dias, não havendo necessidade, portanto, de preencher os dias subsequentes, os quais são marcados automaticamente. O tacógrafo de fl. 45 teve início no dia 05. Não sabe identificar se o terceiro disco refere-se ao dia 07, porque afirma que os discos podem ter sido colocados fora de ordem. Porém, quanto ao terceiro disco, disse que teve trajeto das 5 horas da manhã e retorno às 6 horas, após iniciou às 18:15 horas até 19:30 horas. Disse que o evento terminou por volta das 16:30 horas. Não há lógica na justificativa apresentada pois à fl. 45, uma vez que, como dito antes, a bateria fraca e chave desligada não alteram o tacógrafo. (Grifei.)

 Chama a atenção, ao início do depoimento dessa testemunha, que parece ter havido tentativa de industriação da prova, visto que teve ela contato prévio com os procuradores dos representados antes da audiência. Mas essa tentativa foi malograda, pois a testemunha foi firme no sentido de desmentir que o desligamento da chave geral do veículo afeta, de alguma maneira, o funcionamento do tacógrafo.

Esse depoimento de Moacir Antônio Fossa de Lima encontra guarida em vários sítios sobre o funcionamento de tacógrafos, encontráveis na rede mundial de computadores. O signatário, por curiosidade, verificou em um dos sites como ocorre o funcionamento de um tacógrafo mecânico de registro de 7 dias, como o de fl. 45 dos autos (veja-se o vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=jU8YQcwJ-1M. Acesso em 05.02.2017.), e a explicação dada pelo expositor se coaduna integralmente com a assertiva da testemunha, sobretudo o fato de que o veículo desligado, com bateria fraca ou chave-geral desligada não afetam o funcionamento do mecanismo.

Assim, não há como refutar o argumento da sentença, pois se o tacógrafo foi inserido em 05.9.2016, o terceiro dia de funcionamento do veículo público ocorreu, efetiva e indevidamente, em 07.9.2016, entre 18 e 19h, pouco tempo depois do término do encontro de lançamento da candidatura ocorrido nas dependências do CTG Jango Borges. É evidente, pois, que o veículo transportou os eleitores ao menos no final do evento de campanha, como de modo insofismável concluiu o juízo a quo (fls. 203-204).

Sob outro ângulo, apropriadamente, o magistrado sentenciante asseverou que a "justificativa" contida no envelope de fl. 45 (o "bilhetinho" apócrifo redigido em letra vermelha) e, bem assim, o teor da ata notarial de fl. 157 não se prestaram a alterar a sua convicção. E, nesse sentido, reforça-se o questionamento não respondido do magistrado à fl. 203: "por que deveria o motorista ter trocado o tacógrafo se havia ainda outros dias disponíveis para marcação"? Ou seja, por que em relação a esse veículo, cujo tacógrafo inserido em 05.9 deveria funcionar por até 7 dias (até 12.9.2016), deveria haver uma troca após o susposto e inexplicado desligamento da chave-geral do veículo em 06.9.2016? Não há resposta para essa candente pergunta em nenhum momento do processo, a demonstrar a tentativa dos representados de desacreditar, ou, no mínimo, baralhar os fatos narrados na inicial!

Tangente à tabela de fl. 242, trazida pelos recorrentes como prova de que o veículo em testilha não teria sido utilizado em 07.9, mas somente em 05, 06, 08 e 09.9, os judiciosos argumentos da Procuradoria da República neste grau de jurisdição afastam qualquer resquício de dúvida. Com razão o Ministério Público Eleitoral quando aponta a tremenda fragilidade dos argumentos defensivos nessa direção ao vaticinar que (fl. 304v.):

Sustentam os recorrentes, inclusive através de tabela à fl. 242, que a única interpretação possível para os quatro discos riscados no tacógrafo é a de que os dias de efetiva utilização foram os dias 05/09, 06/09, 08/09 e 09/09, sob a alegação que o dia 09/09 - sexta-feira - teria sido dia útil e, por isso, deveria haver marcação de itinerário. Ocorre que, da mesma forma, sob a alegação de dia útil - dia 12/09, segunda-feira e, no entanto, não há qualquer marcação no referido dia. Logo, mais uma razão para não se entender plausível sua tese.

Por outro lado, a tese dos recorrentes de que para o comício teriam sido utilizados apenas veículos de cor amarela para o transporte de eleitores, não há prova nesse diapasão, além do que a testemunha Moacir (fls. 125-126) fez questão de ressaltar, por ocasião de seu depoimento, que existem ônibus municipais de cor amarela, "[...] havendo um branco e um prata".

Portanto, com a mais respeitosa vênia ao entendimento do ilustre relator, há provas robustas e suficientes da prática de conduta vedada, como poucas vezes se vê em feitos dessa natureza, pela utilização de veículo (ônibus) do município para o transporte de eleitores, em 07.9, até as dependências ou proximidades do CTG Jango Borges, em benefício dos representados Luiz e Roberto, candidatos à reeleição para os cargos de prefeito e vice de Arvorezinha, com ofensa ao regramento do art. 73, inc. I, da Lei das Eleições.

Outros detalhes levam-me, ainda, à convicção de que houve, sim, o uso de veículo público para o transporte de eleitores para o congraçamento partidário. Nessa esteira, observa-se que os representados aduzem que teriam sido contratadas 08 (oito) empresas de ônibus para o transporte de eleitores até o CTG Jango Borges, como fazem prova os documentos de fls. 67-75.  Cada um dos veículos (ônibus), em número total de 09 (nove) – uma empresa, a de Ivan Macedo Grando, teria prestado serviços com dois veículos, consoante tabela de fl. 56 –, teria sido contratado pela agremiação representada ao preço de R$ 100,00 (cem reais) cada um. As notas fiscais de prestação de serviços, com datas de 09.9.2016 (fls. 67-74) e 12.9.2016 (fl. 75), perfazem um valor global de R$ 900,00 (novecentos reais = 100 x 9). Estranhamente, porém, na prestação de contas de fl. 77, realizada em 12.9.2016, às 20h35 – ou seja, na mesma data em que os requeridos tomaram conhecimento formal da representação aforada (fl. 36 - 12.9.2016, às 14h55), foi lançado no item 2.5 do extrato um valor de R$ 800,00 (oitocentos reais) a título de "despesas com transporte ou deslocamento". Isto é, R$ 100,00 reais a menos do que o valor supostamente contratado, a evidenciar que a pressa não permitiu fazer uma conta convincente, sem prejuízo de que a nota fiscal de fl. 68 sequer possui data de emissão!

De outro lado, restei igualmente convencido de que houve, em contrariedade à legislação de regência (art. 39, § 6º, Lei n. 9.504/97), a indevida distribuição gratuita de erva-mate e água quente quando da realização do evento. Aliás, sobre isso não paira controvérsia alguma, até porque a prévia divulgação realizada pelos representados e pela coligação que lhes deu suporte ocorreu por meio de chamado público, com carros de som (fl. 191), convidando os munícipes/eleitores a participarem do evento de campanha, visto que a "[...] erva-mate e a quentinha" seriam por conta dos candidatos (fls. 12-13). Na rede social Facebook também houve esse tipo de confessado convite (fls. 175-176 e 178).

Nessa senda, poder-se-ia questionar e dizer que, só por isso, na "Terra da Erva-Mate e do melhor chimarrão", como se autointitula Arvorezinha no sítio oficial do município, encontrável na internet (disponível em http://www.femate.com.br/site/. Acesso em 05.02.2016), ninguém participaria ou deixaria de participar do congraçamento partidário. No entanto, assim não é. Para se ter uma ideia, em setembo de 2016 o quilograma da erva-mate girava em torno de R$ 13,00 (treze reais). Isso, para gaúchos, apreciadores do mate, por si só é um estímulo à participação em evento político público, ainda porque muitas pessoas nem sequer estão tendo acesso a esse tipo de típico alimento. Não é puro ato gracioso de preservação de tradições. Vai muito além disso! E convidar eleitores oferecendo-lhes a erva-mate e a "quentinha", representa, no contexto de um município com cerca de 8.460 eleitores, fator de desequilíbrio na disputa eleitoral, a comprovar ter havido não só o abuso do poder político, como também o do poder econômico, mormente quando cerca de 300 pessoas ou um pouco mais compareceram ao comício.

Não é nem um pouco crível, como sustentaram algumas das testemunhas arroladas pelos representados (fls. 127, 128, 130), que a erva-mate foi levada ao local do evento pelos eleitores ou que as pessoas, de alguma forma, levaram a erva-mate e ali era depositada em bacias para uso coletivo. Essa versão desmente o próprio convite público feito pelos representados e não há mínima lógica em depositar erva-mate em bacias para utilização coletiva.

 

Ante o exposto, confirmando a sentença hostilizada em todos os seus termos, inclusive quanto à cassação do registro das candidaturas dos representados Luiz e Roberto e imposição da multa, VOTO por negar provimento ao recurso.

 

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

Acompanho as razões expostas pelo relator.