RC - 3356 - Sessão: 26/04/2017 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (MPE) com atuação perante a 124ª Zona Eleitoral – Alvorada ofereceu, em 14.4.2016, denúncia contra JOÃO CARLOS BRUM e MARCOS BESTETTI OTTO, nos seguintes termos (fls. 02-9v.):

No período compreendido entre 06 de outubro a 04 de novembro do ano de 2008, no Cartório Eleitoral da 124ª Zona Eleitoral, em Alvorada, os denunciados JOÃO CARLOS BRUM e MARCOS BESTETTI OTTO, em ação conjunta e comunhão de esforços, omitiram, em diversas oportunidades (1136 vezes), em documento particular- prestação de contas de candidato a Prefeito do Município de Alvorada/RS, pleito eleitoral de 2008- declarações que nele deveriam constar (despesas diversas fls. 98/125).

O relatório de análise das fls. 98/125 elaborado pelo Departamento de Polícia Federal demonstrou que inúmeros recibos e notas fiscais apreendidos na residência do denunciado Marcos Bestetti Otto, responsável contábil/financeiro pela prestação de contas da campanha eleitoral do então candidato à Prefeito Municipal João Carlos Brum (apenso I do inquérito policial) não foram declarados na Prestação de Contas Eleitoral do candidato nas eleições do ano de 2008- Processo Eleitoral n. 2681.124.08 (apenso II do inquérito policial), conforme pagamentos abaixo demonstrados:

[…]

O valor total de despesas não declaradas pelos denunciados totaliza a quantia de R$ 98.001,791 (noventa e oito mil e um reais e setenta e nove centavos) (fls. 100/124).

ASSIM AGINDO, os denunciados JOÃO CARLOS BRUM e MARCOS BESTETTI OTTO incorreram no tipo penal previsto no art. 350, caput, do Código Eleitoral (Lei 4.737/65), 1136 vezes, na forma dos arts. 29, caput, e 71, do Código Penal, pelo que, o Ministério Público oferece a presente denúncia, requerendo que, recebida e autuada, sejam os denunciados citados para todos os termos do devido processo legal, prosseguindo-se nos demais termos, com os interrogatórios e inquirição das testemunhas adiante arroladas em audiência de instrução e julgamento a ser designada, preenchidas as demais formalidades legais, até final julgamento e condenação.

A denúncia foi recebida em 03.5.2016 (fl. 156v.).

Citados, os réus ofereceram resposta à acusação (fls. 163-171 e 172-181).

Foi realizada audiência de instrução, oportunidade em que foram ouvidas testemunhas e interrogados os réus ao final, devidamente acompanhados por seu defensor (fls. 221-222, 250-251 e 259-v).

Encerrada a instrução, os debates orais foram convertidos em prazo para o oferecimento de memoriais.

O MPE pugnou pela condenação dos réus, dada a existência de prova cabal da materialidade e da autoria (fls. 354-358).

A defesa técnica, a seu turno, insistiu no decreto de absolvição. Alegou atipicidade da conduta, bem como inexistência de provas. Postulou a rejeição da peça acusatória e, no mérito, fosse julgada totalmente improcedente a denúncia (fls. 394-395 e 396-397).

Em sentença, a ação foi julgada procedente, condenando os réus JOÃO CARLOS BRUM e MARCOS BESTETTI OTTO como incursos nas sanções do art. 350 do Código Eleitoral, na forma do art. 71 do Código Penal, aplicando-lhes, respectivamente, as penas privativas de liberdade de um ano e seis meses e de um ano de reclusão, ambas exasperadas em dois terços em razão da continuidade delitiva – substituída a aplicada a MARCOS BESTETTI OTTO por seiscentas horas de prestação de serviços à comunidade e multa pecuniária de um salário mínimo (fls. 404-468).

Inconformados, os condenados interpuseram recurso (fls. 491-528 e 530-571).

Preliminarmente, a obstaculizar a análise de mérito, ambos aduziram a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva, a atipicidade da conduta e a ausência de suficiente individuação dos fatos imputados. No mérito, alegaram a insuficiência probatória.

Apresentadas contrarrazões (fls. 576-578), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pela declaração de extinção da punibilidade dos réus, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva, com fulcro no art. 107, inc. IV, do Código Penal (fls. 582-584v.).

É o relatório.

 

VOTO

O Ministério Público Eleitoral denunciou JOÃO CARLOS BRUM e MARCOS BESTETTI OTTO pela prática do crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral (CE), por 1.136 vezes, na forma dos arts. 29, caput, e 71, ambos do Código Penal (CP), porque, no período compreendido entre 6.10.2008 e 4.11.2008, no Cartório da 124ª ZE, em Alvorada, em ação conjunta e comunhão de esforços, omitiram, em diversas oportunidades, na prestação de contas de candidato a prefeito daquele município, relativa ao pleito de 2008, declarações que nela deviam constar, consistentes em despesas efetuadas na campanha, no montante total de R$ 98.001,79 (relatório das fls. 98-125).

Contra a sentença condenatória foram interpostos os recursos, os quais são tempestivos (fls. 469, 473-490, 491, 530 e 573-575) e atendem aos demais pressupostos de admissibilidade.

Tenho que deve ser acolhido o pleito dos recorrentes de que a pretensão punitiva está prescrita, considerando a pena concretamente aplicada.

O art. 110 do CP foi alterado pela Lei n. 12.234/10, a qual extinguiu a prescrição da pretensão punitiva chamada pré-processual, que é aquela calculada entre a data do recebimento da denúncia e a data do fato, tomando-se por base a pena aplicada na sentença condenatória.

Já a alteração legislativa que suprimiu a prescrição da pretensão punitiva pré-processual prejudica os réus e, por esse motivo, não pode ser aplicada de forma retroativa, em face do comando constitucional explicitado no art. 5º, inc. XL:

CF

Art. 5º [...]

inc. XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Como o fato delituoso ora analisado ocorreu no ano de 2008 e a Lei n. 12.234 é do ano de 2010, deve ser aplicada ao presente caso a redação antiga do art. 110 do CP, vigente à época do delito:

Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

§ 1º – A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada;

§ 2º – A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.

Prossigo.

O art. 350 do CE prevê apenamento de até três anos para o caso de o documento ser particular – tal como descrito na denúncia. E a pena aplicada concretamente foi de um ano e seis meses de reclusão (para JOÃO CARLOS BRUM) e de um ano de reclusão (para MARCOS BESTETTI OTTO), em regime aberto, sendo que não houve recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral.

De outro lado, conforme a Súmula 497 do STF, “quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”.

Desconsiderando-se o acréscimo pela continuidade delitiva, as penas aplicadas aos réus não excederam a dois anos, de modo que o prazo prescricional a ser observado é de quatro anos, conforme disposto no art. 109, inc. V, do CP.

Uma vez que o fato ilícito ocorreu entre 06 de outubro e 04 de novembro de 2008, e a denúncia foi recebida somente em 03.5.2016 (fl. 156v.), forçoso reconhecer a prescrição da pretensão punitiva em relação aos recorrentes, porquanto passados mais de 7 (sete) anos entre aqueles marcos legais.

Nesse sentido é a jurisprudência deste Tribunal:

Recurso criminal. Compra de votos. Art. 299 c/c art. 29 e art. 71 do Código Eleitoral. Parcial procedência da denúncia no juízo originário. Eleições 2008.

Operada a prescrição da pretensão punitiva pré-processual em relação aos réus que tiveram aplicada a pena inferior a dois anos. Observância do prazo prescricional de quatro anos, vigente na época do fato e, portanto, anterior à edição da Lei 12.234/2010, que alterou art. 110 do Código Penal. [...]

Prejudicados os recursos dos réus aos quais reconhecida a prescrição.

Provimento parcial à irresignação remanescente.

(RC 24-63.2013.6.21.0039 – Rel. Dr. Luiz Felipe Paim Fernandes – J. Sessão de 25.4.2014.)

Igualmente o parecer do Procurador Regional Eleitoral, o qual se assenta em precedentes de casos análogos do TSE e do STF (fls. 582-4v.):

[…]

E, tratando-se de norma penal prejudicial ao réu, não pode a atual redação retroagir, em face do princípio da irretroatividade da lei penal mais grave. Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

DIREITO ELEITORAL E DIREITO PENAL. ELEIÇÕES 2008. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. AÇÃO PENAL. INSCRIÇÃO FRAUDULENTA DE ELEITOR E CORRUPÇÃO ELEITORAL. CONDENAÇÕES CRIMINAIS EM CONCURSO MATERIAL. CONVOLAÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE EM RESTRITIVAS DE DIREITOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO ÀLIBERDADE DE LOCOMOÇÃO DO PACIENTE. EXCEPCIONALIDADE NÃO DEMONSTRADA. POSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DE OFÍCIO DESTA CORTE SUPERIOR, A FIM DE RECONHECER MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA, QUAL SEJA, A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA, NA MODALIDADE RETROATIVA, EM RELAÇÃO A UM DOS CRIMES.

ORDEM CONCEDIDA PARCIALMENTE, DE OFÍCIO.

[...]

4. Em atenção ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (art. 5o., inciso XL da CF), não incide na espécie a atual regra do §1o do art. 110 do CP, que proibiu a prescrição ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa, uma vez que tal disciplina passou a vigorar a partir da Lei 12.234/2010, enquanto os fatos imputados ao paciente ocorreram em 2008.

5. Considerando que as penas aplicadas, para cada um dos delitos, foi de 1 ano e 3 meses, verifica-se que apenas o crime do art. 289 do CE -cuja consumação se deu em 7.5.2008 -encontra-se prescrito em função da extrapolação do prazo prescricional de 4 anos entre a data do fato e a data do recebimento da denúncia (7.7.2012), nos termos do art. 110, §1o do CP (com redação anterior à Lei 12.234/2010).

[...]

(TSE - Habeas Corpus nº 060093271, Acórdão de 08.11.2016, Relator Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 224, Data 25.11.2016, Página 21-22).

Nesta mesma linha:

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR. FURTO QUALIFICADO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. QUESTÃO NÃO SUSCITADA NA INICIAL DO MANDAMUS. INOVAÇÃO RECURSAL.

A prescrição da pretensão punitiva estatal não foi alegada na inicial do mandamus, e, por tal razão, sequer foi enfrentada na decisão impugnada, o que revela a impossibilidade de conhecimento do presente agravo regimental.

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA.

TRANSCURSO DO PRAZO PREVISTO NO ARTIGO 109, INCISO V, DO CÓDIGO PENAL ENTRE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E O ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. COAÇÃO ILEGAL CONFIGURADA. CONCESSÃO DE ORDEM DE OFÍCIO.

1. O paciente foi condenado à pena de 2 (dois) anos de reclusão pela prática do crime de furto qualificado, em decorrência de fatos ocorridos anteriormente à vigência da Lei 12.234/2010, o que revela que, nos termos do artigo 109, inciso V, do Código Penal, o prazo prescricional, na espécie, é de 4 (quatro) anos, lapso temporal que transcorreu entre o recebimento da denúncia, ocorrido no ano de 2007, e a prolação do acórdão condenatório, que se deu apenas no ano de 2016, o que impõe a extinção de sua punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva estatal.

2. Agravo não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente pela prescrição da pretensão punitiva estatal.

(AgRg no HC 375.548/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 01.12.2016, DJe 07.12.2016).

Assim, considerando que, entre a data dos fatos, ultimados em 4-11-2008, e o recebimento da denúncia, em 3-5-2016, transcorreram mais de 7 anos, encontra-se prescrita a pretensão punitiva estatal. Por fim, anote-se que a prescrição é matéria de ordem pública, cujo exame antecede a análise do recurso. Declarada a prescrição, resta prejudicada a análise das demais preliminares e do mérito recursal, pois tem por efeito extinguir a própria ação penal e todos os seus efeitos. Essa é a orientação do Supremo Tribunal Federal:

PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO – INSTITUTO DE DIREITO MATERIAL – QUESTÃO PRELIMINAR DE MÉRITO – CONSEQUENTE IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO PRÓPRIO FUNDO DA CONTROVÉRSIA PENAL – PRINCIPAIS CONSEQUÊNCIAS DE ORDEM JURÍDICA RESULTANTES DO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO – DOUTRINA – PRECEDENTES (STF) – JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS – EXTINÇÃO, NO CASO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, DO PROCESSO EM QUE RECONHECIDA A PRESCRIÇÃO PENAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

- A extinção da punibilidade motivada pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado prejudica o exame do mérito da causa penal, pois a prescrição – que constitui instituto de direito material – qualifica-se como questão preliminar de mérito. Doutrina. Precedentes.

- O reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado provoca inúmeras consequências de ordem jurídica, destacando-se, entre outras, aquelas que importam em:

(a) extinguir a punibilidade do agente (CP, art. 107, IV);

(b) legitimar a absolvição sumária do imputado (CPP, art. 397, IV);

(c) não permitir que se formule contra o acusado juízo de desvalor quanto à sua conduta pessoal e social;

(d) assegurar ao réu a possibilidade de obtenção de certidão negativa de antecedentes penais, ressalvadas as exceções legais (LEP, art. 202; Resolução STF nº 356/2008, v.g.);

(e) obstar o prosseguimento do processo penal de conhecimento em razão da perda de seu objeto; (f) manter íntegro o estado de primariedade do réu; e

(g) vedar a instauração, contra o acusado, de novo processo penal pelo mesmo fato. Doutrina. Precedentes.

(AI 859704 AgR, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 07.10.2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO Dje- 201 DIVULG 14-10-2014 PUBLIC 15.10.2014.)

Portanto, deve ser declarada a prescrição da pretensão punitiva em relação aos recorrentes, com prejuízo, por conseguinte, dos demais requerimentos dos recursos interpostos.

Diante do exposto, VOTO pelo reconhecimento da prescrição em relação ao delito previsto no art. 350, caput, do Código Eleitoral, objeto da descrição fática da denúncia, imputado aos réus JOÃO CARLOS BRUM e MARCOS BESTETTI OTTO, em relação aos quais julgo extinta a punibilidade, com fulcro no art. 107, inc. IV, do Código Penal, e, por via de consequência, declaro prejudicados os demais requerimentos dos recursos eleitorais interpostos.