RE - 33747 - Sessão: 07/03/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO JUNTOS POR MARAU contra a sentença (fls. 61-64) do Juízo da 62ª Zona Eleitoral – Marau – que julgou improcedente a representação formulada em desfavor de NORBERTO LÍRIO MOGNON, vereador eleito no pleito de 2016, ao entendimento de não haver conjunto probatório suficiente para a configuração do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, mais especificamente, promessa de oferecimento de vantagem a eleitores em troca de votos.

Resumidamente, em suas razões, sustenta haver prova da prática de captação ilícita de sufrágio pelo representado. Entende descaracterizada a prestação de serviços de cabos eleitorais. Refere que a magistrada sentenciante interpretou os atos ilícitos como meras contratações de serviços. Aponta jurisprudência e doutrina. Requer o provimento do recurso com a condenação do representado ao pagamento de multa e à cassação do diploma do recorrido (fls. 72-87).

Com contrarrazões (fls. 90-94), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 98-103v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto no prazo de três dias, conforme estabelece a legislação de regência.

No mérito, cinge-se a controvérsia ao tema relacionado à caracterização de captação ilícita de sufrágio, mediante oferecimento de vantagem a eleitores em troca de votos.

E, adianto, a questão relaciona-se com a valoração da prova dos autos. O juízo monocrático entendeu não haver prova segura acerca dos fatos imputados aos representado na inicial, posição compartilhada pelo Ministério Público Eleitoral, naquela origem, e pela Procuradoria Regional Eleitoral, nesta instância. Senão, vejamos.

A caracterização legal das condutas apontadas como irregulares versa acerca da infração eleitoral prevista no art. 41–A da Lei n. 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990.

A doutrina de Francisco de Assis Vieira Sanseverino, que trata especificamente do tema (Compra de votos – análise à luz dos princípios democráticos. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 274.), traz a lição de que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 busca proteger, de forma ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições e, de modo estrito, o direito de votar do eleitor, nos aspectos da sua liberdade de consciência, da liberdade de opção, e a igualdade de oportunidades entre candidatos, partidos e coligações.

Além disso, a ocorrência de captação ilícita pressupõe ao menos três elementos, segundo interpretação do c. TSE: 1 - a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer, etc.); 2 - a existência de uma pessoa física (eleitor); 3 - o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

Assim, para a configuração da hipótese do art. 41-A da Lei das Eleições, é necessária a conjugação de elementos subjetivos e objetivos que envolvam uma situação concreta.

Por isso referi anteriormente que a questão dos autos se revela concernente apenas quanto à valoração da prova. De todo o exposto, até o momento, não há discordância: são conceitos e definições compartilhados pelas partes, pelo Ministério Público Eleitoral, pelo juízo sentenciante.

Dessa forma, delineados os parâmetros teóricos e legais atinentes à caracterização da captação ilícita de sufrágio, passa-se ao caso sob análise.

E, examinados os autos, entendo não haver comprovação da imputada captação ilícita de sufrágio, colhendo dos fundamentos da sentença a análise da prova produzida, a qual evidencia a inconsistência probatória para fundamentar a condenação do representado (fl. 61-61v.):

A prova produzida não comprovou satisfatoriamente a captação ilícita de sufrágio.

Não obstante o artigo 41-A, § 1º, dispense o pedido explícito de voto para a configuração da infração eleitoral, exige a evidência de dolo, quer dizer, que se extraia de circunstâncias objetivas o intento do candidato de, por meio da concessão de vantagem, criar no eleitor um estado mental que propicie a obtenção do voto.

No presente caso, o vídeo acostado à f. 09, que orienta a compreensão das declarações da testemunha Ricardo Benim (autor do vídeo), não contém circunstâncias objetivas que evidenciem o dolo de captação de voto. Aliás, em diversos trechos, a entrega do dinheiro parece estar atrelada à prestação de um serviço, o que, no mínimo, gera dúvida sobre o dolo do candidato.

Essas circunstâncias objetivas que acarretam a compreensão supra se consubstanciam em afirmações que evidenciam que a entrega de quantia em dinheiro, ou mesmo a promessa de um vale combustível atrelava-se à prática de uma contraprestação pelo contratado, especialmente nas oportunidades em que o candidato diz "quem trabalhar vai ganhar, mas tem que ó...", "vocês têm que trabalhar", "todo cara que trabalhar vai ganhar alguma coisa".

Em um momento, o próprio autor do vídeo, a testemunha Ricardo Benim, sugere que o pedido de dinheiro servirá para a contratação de um serviço eleitoral ao dizer, a fim de justificar o pedido de dinheiro formulado ao candidato: "pra gente poder girar também né!".

A conversa, portanto, da forma como retratada no vídeo, dar a entender que o candidato, procurado pela testemunha Ricardo Benim, dispõe-se a pagar-lhe em troca de que o cabo eleitoral circule pela cidade com o carro adesivado. E o custeio de despesas do pessoal de campanha tem previsão expressa na legislação eleitoral, especificamente nos artigos 26, incisos IV e VII, 100 e 100-A da Lei 9.504/97.

Nesse passo, é pacífica a jurisprudência do TSE, acerca da necessidade da existência da demonstração cabal do ilícito visando a fundamentar juízo condenatório, conforme retratado em recente acórdão do TSE, cuja ementa transcrevo:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2006. DEPUTADO ESTADUAL.

REPRESENTAÇÃO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. PROCEDÊNCIA. CASSAÇÃO. MANDATO.

AUSÊNCIA DE PROVA CABAL. CONDENAÇÃO AFASTADA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Para a configuração da captação de sufrágio, malgrado não se exija a comprovação da potencialidade lesiva, é necessário que exista prova cabal da conduta ilícita, o que, no caso em exame, não ocorre.

2. Na linha dos precedentes desta Corte Superior, não são admitidos como prova depoimentos colhidos em inquérito policial sem observância do contraditório e da ampla defesa.

3. O conteúdo probatório dos autos é insuficiente para comprovar a captação ilícita de sufrágio.

4. Recurso ordinário provido para afastar a condenação imposta ao recorrente.

Agravo Regimental desprovido.

(TSE - AgRG no RO n. 3293824-94. Relator Ministro MARCELO RIBEIRO, ac. de 24.4.2012.) (Grifei.)

Ademais, como bem referiu o douto Procurador Regional Eleitoral, não há nos autos prova segura de que tenha havido, efetivamente, a ocorrência do oferecimento de vantagem a eleitores em troca do voto, o que não permite a condenação do representado ao ilícito eleitoral previsto no art. 41-A da Lei das Eleições. O trecho transcrito retrata de maneira impecável o exame da prova dos autos, de forma que, para evitar tautologia, adoto-o expressamente como razões de decidir:

Do compulsar dos autos, em que pese o inconformismo da coligação, tem-se que a sentença não está sujeita a sofrer reparos nesta instância recursal.

[…]

Entretanto, na situação do caso concreto, a prova produzida não é capaz de fornecer a certeza jurídica dos acontecimentos. Com relação à origem da gravação (fl. 09), a testemunha Ricardo Benin disse em Juízo ser filiado ao Partido Progressista – PP e que, no diretório do partido, chegou a informação de que o candidato representado, da oposição, estaria ofertando vantagens para pessoas que colocassem adesivos em seus carros. A fim de captar a atividade ilícita, confirmou a testemunha ter se dirigido até a casa do candidato recorrido, na companhia de um amigo, em dias diversos, passando-se como interessados em dar apoio à candidatura em troca de dinheiro.

De um lado, a gravação (fl. 09) colhida pela testemunha Ricardo Benin a partir de encontros que teve com o candidato, em período de campanha eleitoral, revela trechos em que o representado/recorrido menciona “tem que cuidar o que fala comigo”, “andaram pegando gente”, “os caras estão grampeando celulares” (diálogos destacados às fls. 78-79 do recurso), no contexto em que lhe estava sendo cobrada “verba” pelo suposto apoiador de campanha, o que é, de fato, sugestivo de preocupação com captação de algo irregular. Apesar disso, por outro lado, a mesma mídia também sugere que o fornecimento de dinheiro e/ou “vale-combustível” pelo candidato constituía retribuição por trabalho de divulgação de sua campanha.

Note-se que o vídeo inicia com um dos interlocutores indo buscar adesivos de campanha e perguntando ao candidato “se sai um valezinho”, ao que este responde “no fim nós demos um empurrão (…) semana que vem ou a outra”. Adiante, após “adesivar” seu veículo, o suposto apoiador questiona “daí, então, seu Norberto, mais ou menos, o que dá pra nós pegar de combustível” (01:50), chegando a sugerir um valor de R$ 100,00 “pila”, sendo que o candidato afirma que o pagamento seria feito com “valezinhos”, talvez de R$ 25,00 (02:06), ou seja, valor bem abaixo do pretendido pelo interlocutor. Logo na sequência, o candidato parece entregar algo ao apoiador e dizer “tem que achar voto” (02:25). O vídeo sofre uma edição neste momento. 

Aproximadamente aos 02':32”, prossegue um segundo encontro. A partir desse trecho (02:32), realizado em outro dia, os apoiadores pedem mais R$ 15,00 ou R$ 20,00 “pila” de combustível, ao que o recorrido responde “nós temos que segurar um pouco (…) mas quem trabalha vai ganhar” (02:43). Seguindo com a conversa, um suposto apoiador insiste em pedir R$ 10,00 “pila” para “hoje”, justificando que teve que deixar o automóvel (“auto”) e andar de carona. O candidato refere “mas vocês tem que trabalhar, né”.

No terceiro trecho da edição, já em outro dia, o candidato fala com dois supostos apoiadores e pergunta a um deles se “quer botar um adesivo” (03:32). Esclarece-lhes que “semana que vem começa a sair (…) acho que lá por quarta-feira”. Então, o candidato é questionado se “até quarta nem um pouquinho”, “R$ 10,00 ou R$ 20,00 “pila” pra hoje”, sendo que o candidato menciona que “seu piá” tem R$ 17,00 trocados, mas diz que a entrega está condicionada ao trabalho. Nesse trecho, o candidato vasculha algumas sacolas, ao mesmo tempo em que segura um punhado de material de campanha e exclama “vão trabalhar, gurizada!”, “eu preciso me eleger!”, “vão trabalhar, agora não adianta morder!”, ao que o interlocutor responde “não é morder, é pra gente poder girar também”. Na sequência, o filho do candidato entrega R$ 17,00 e R$ 20,00 para cada um dos supostos apoiadores e ressalta “vamos trabalhar agora, né”. Aos 05':45”, aparece um apoiador cobrando do candidato um “troquinho” (R$ 10,00 ou 15,00 “pila”), e o candidato explica que todo cara que trabalha sempre ganha alguma coisa. Nesse momento, o candidato pede cuidado ao suposto apoiador no uso do celular, pois andariam grampeando telefones e pegando gente. Embora efetivamente a gravação demonstre a promessa de dinheiro e/ou de vales-combustível (“valezinhos”) e a efetiva entrega de valores, tal prova não é robusta o suficiente para comprovar que o intuito da benesse era a compra de votos, já que uma interpretação do fato como retribuição por trabalho na campanha na condição de cabo eleitoral também é possível.

Em resumo, há uma nebulosa área cinzenta no que diz respeito à prova, de maneira que não é possível exarar um juízo condenatório. Nas razões recursais, há a indicação de que o representado não teria se desincumbido de comprovar a contratação dos referidos cabos eleitorais; contudo, o que cabia à parte representante era exatamente o contrário, ou seja, comprovar que a relação estabelecida era da ilícita compra de votos, e não entre candidato e cabo eleitoral, pela própria natureza da distribuição do ônus da prova na presente demanda.

Nesse contexto, ante a prova judicial produzida e a jurisprudência acerca da matéria, entendo não restar comprovada a prática da infração eleitoral tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Este Tribunal já se deparou com circunstâncias bastante assemelhadas em diversos casos – diálogos de sentido ambíguo e ausência de prova robusta –, dos quais aponto o RE n. 432-17, de relatoria da Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, julgado em 24.10.2013, caso no qual houve até mesmo o registro de declarações em tabelionato:

Recurso. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Prefeito e vice. Eleições 2012.

Improcedência da representação no juízo originário.

Não comprovado o alegado oferecimento de tintas e dinheiro a eleitores em troca de votos por parte dos representados. Fatos narrados na peça vestibular estribados em declarações contraditórias, colhidas vários dias após o pleito, em datas próximas umas das outras, causando estranheza as testemunhas terem buscado o Tabelionato da comarca, e não a autoridade policial, para prestarem aludidas declarações.

Diante da ausência da prova robusta, impõe-se a confirmação da sentença prolatada.

Provimento negado.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo a sentença de 1º grau pelos próprios fundamentos.