RE - 24069 - Sessão: 12/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ALMIR JOSÉ REBELO DE OLIVEIRA, candidato eleito ao cargo de vereador em Tupanciretã, contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas relativa às eleições de 2016, em face do uso de veículos, cuja propriedade não foi comprovada antes do registro da candidatura, e da ausência de emissão de documentos essenciais à comprovação de despesas e doações recebidas (fls. 63-68).

Em razões recursais (fls. 73-83), o candidato alega que a não inclusão dos automóveis utilizados na campanha na relação de bens por ocasião do registro da candidatura foi equívoco do partido, e junta Declaração de Ajuste Anual de Imposto sobre a Renda – Pessoa Física, onde os veículos estão relacionados como “bens da atividade rural” (fls. 84-100). Argumenta que realizou os ajustes necessários na prestação de contas e que a irregularidade foi sanada. Aduz que os serviços de advogado e contabilista para a campanha eleitoral foram contratados pela Coligação e devidamente registrados na prestação de contas do candidato ao pleito majoritário, em virtude de que a campanha envolveria poucos recursos e que esse procedimento facilitaria a organização. Requer o conhecimento do recurso e a reforma da sentença para aprovar as contas do prestador.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 107-113).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Examinando os documentos constantes dos autos, verifico a existência de comprovante fiscal demonstrando a aquisição de material gráfico (fls. 31-32) e gasolina (fl. 33) por MARIO CESAR PORTINHO VIANNA - PREFEITO. Do mesmo modo, foi juntada declaração de técnico contábil (fl. 34), no sentido de realização de contrato de prestação de serviços profissionais a partido e a candidatos, que teria sido lançado como doação de valor estimável na prestação de contas do candidato majoritário. Foi juntada cópia do contrato de prestação voluntária de serviços profissionais (fl. 35). Do mesmo modo, consta declaração (fl. 37) e cópia de contrato de prestação voluntária de serviços profissionais (fl. 36) de assessoria jurídica.

Ao que parece, a campanha foi "centralizada" no cargo majoritário, que arrecadou recursos, adquiriu e distribuiu, sob a forma de doação aparentemente autorizada pelo art. 19, § 2º, da Resolução TSE n. 23.463/15, os bens e serviços utilizados na campanha proporcional, sem que qualquer valor tenha transitado pela conta-corrente do vereador.

Embora o prestador afirme que tal procedimento foi operacionalizado porque a campanha envolveu poucos recursos e por facilitar a organização, tenho que isso tende a ocultar os reais financiadores das campanhas, pois a sistemática possibilita a destinação de todos os recursos ao candidato majoritário, que os distribui livremente, sem indicação da real origem do recurso (doador de fato).

Todavia, consigno tais observações apenas a título de reflexão, sobretudo porque não foram objeto da sentença e do recurso.

Passo ao exame das irregularidades que ensejaram a desaprovação das contas.

Uso de veículos cuja propriedade não foi comprovada antes do registro da candidatura

Na decisão que desaprovou as contas constou que:

[…] o candidato manifestou-se juntando contrato particular de cessão de uso gratuito de veículo de sua propriedade à sua campanha (fls. 26) e nova prestação de contas retificadora (fls. 38/47), que não foi recebida pelo sistema SPCE em razão das demais irregularidades insanáveis do ponto de vista deste julgador. Ademais, os veículos utilizado na cessão não constam na relação de bens do candidato, apresentada quando do registro de candidatura, nem tampouco houve a comprovação de que a posse é anterior ao início da campanha [...]

No recurso, o candidato argumenta que a não inclusão dos veículos utilizados na campanha no rol de bens por ocasião do registro da candidatura foi equívoco do partido, e junta Declaração de Ajuste Anual de Imposto sobre a Renda – Pessoa Física, onde os veículos utilizados na campanha eleitoral estão relacionados como “bens da atividade rural” (fls. 84-100).

Penso que a omissão dos veículos na lista de bens por ocasião do registro da candidatura é equívoco que pode ser superado, sobretudo por estarem relacionados na declaração entregue à Receita Federal do Brasil pelo recorrente na seção destinada aos “bens da atividade rural”. Conforme verifiquei em consulta ao sítio eletrônico da Receita Federal do Brasil, tais bens estão sujeitos a regime especial, devendo ser declarados no ano-calendário de 2015 “sem indicação do respectivo valor”.

Acerca do exame de documentos juntados com o recurso, ressalto que não olvido de decisões do egrégio Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que, “julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos” (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relator Min. Rosa Weber, DJE de 31.10.2016). Contudo, entendo que o rigorismo da preclusão deve ser mitigado em favor do esclarecimento dos fatos.

Com efeito, a aferição e fiscalização contábil das contas dos candidatos em campanhas eleitorais, com o máximo de subsídios possíveis, caminha ao encontro do interesse público e da missão institucional da Justiça Eleitoral na garantia da legitimidade do processo eleitoral.

Nesse trilhar principiológico, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido a juntada de documentos probatórios em sede de apelação desde que não sejam indispensáveis à propositura da ação, seja garantido o contraditório e ausente qualquer indício de má-fé (REsp 1.176.440-RO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 17.9.2013; REsp 888.467/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01.9.2011).

Na seara eleitoral própria, o posicionamento encontra supedâneo no art. 266 do Código Eleitoral e está amparado pela reiterada jurisprudência deste Regional, convindo transcrever ementa da seguinte decisão:

Recurso Eleitoral. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento dos documentos apresentados em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento. 

(TRE-RS - RE 522-39/RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 14.3.2017.)

Portanto, revela-se com a juntada dos documentos que os veículos utilizados na campanha eleitoral já integravam o patrimônio do candidato em período anterior ao pedido de registro da candidatura, de modo que a falta de sua comprovação no momento da apresentação da contabilidade é falha formal que não comprometeu a análise das contas.

Ao contrário, o conjunto da documentação apresentada é suficiente para que se evidencie a regularidade e confiabilidade das informações contábeis, bem como a boa-fé do prestador e seu compromisso em esclarecer os apontamentos realizados pela Justiça Eleitoral.

Nesse sentido tem decidido este Regional para casos semelhantes. Vejamos:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e gastos de recursos em campanha eleitoral. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Contas desaprovadas em razão de ausência de registro de despesa com serviços contábeis, e despesas lançadas com combustível sem o registro de aluguel ou cessão de veículo. Irregularidades sanadas com a juntada de novos documentos quando da interposição do recurso, que comprovam receita estimável em dinheiro referente ao serviço de contabilidade e cessão do veículo próprio do candidato para a sua campanha, o qual constou na declaração de bens quando do registro de candidatura.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 27418, Acórdão de 07.02.2017, Relator DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 22, Data 09.02.2017, Página 4.)

Ausência de emissão de documentos essenciais à comprovação de despesas e doações recebidas

A sentença recorrida apontou a ausência de emissão dos documentos essenciais à comprovação das despesas com serviço advocatício. Assim, prescreveu o nobre magistrado a quo na decisão combatida (fl. 65):

No extrato de prestação de contas final do candidato (fl. 06), consta como responsável contábil pelas contas de campanha o contabilista Hélvio Silveira Paz. Da mesma forma, o candidato possui à fl. 17 dos autos um instrumento de procuração dirigido à advogada Lucille Costa dos Santos, conforme exige o art. 41, §6º da Res. 23.463/15. Contudo, não há nos autos a comprovação do pagamento desses profissionais pelo candidato, seja por valores em espécie, seja por doação estimável em dinheiro.

O recorrente sustenta que a contratação questionada estabeleceu-se para o acompanhamento da prestação de contas, e não para consultoria durante a campanha eleitoral, o que, conforme o art. 29, § 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15 não representa gasto eleitoral e não deve integrar os lançamentos contábeis de campanha.

Assiste razão ao recorrente.

O TSE pacificou sua jurisprudência no sentido de que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processos jurisdicionais não são considerados gastos eleitorais de campanha, consoante ilustram os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS. Desaprovação. Candidato. Deputado estadual.

1. Não houve impugnação do fundamento da decisão agravada de ausência de indicação de julgado para comprovar o dissídio jurisprudencial em relação à falha atinente à arrecadação de recursos de origem não identificada. Incidência da Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça.

2. Tendo o candidato sido intimado para sanar as falhas apontadas no relatório preliminar, os documentos apresentados intempestivamente não podem ser conhecidos, por incidência da regra da preclusão. Precedente: AgR-REspe nº 222-86, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 29.10.2015.

3. Os serviços advocatícios de consultoria prestada aos candidatos no curso das campanhas eleitorais constituem atividade-meio e, como acessórios da campanha eleitoral, devem ser contabilizados como gastos eleitorais. Precedentes.

4. Os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade relacionados com processo jurisdicional-contencioso não podem ser considerados como gastos eleitorais de campanha nem estão sujeitos à contabilização ou à limitação que possa impor dificuldade ao exercício da ampla defesa.

5. Agravo regimental que deve ser negado, pois o afastamento da irregularidade relativa à ausência de contabilização dos honorários do advogado e do contador que assinaram a prestação de contas não é suficiente para reformar a decisão que rejeitou as contas do candidato, em virtude da manutenção da irregularidade relacionada à existência de recursos de origem não identificada relativa às transferências de recursos pelo órgão partidário sem a identificação do doador originário. Agravo regimental não provido.

(TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 77355, Acórdão de 01.3.2016. Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE-Diário de Justiça Eletrônico, Data 28.4.2016, Páginas 53-54.) (Grifei.)

Destarte, é necessário distinguir a consultoria jurídica, que constitui atividade-meio em campanhas eleitorais, da representação processual em feitos judiciais.

Nesse sentido, o TSE, em 1º de março de 2016, editou a Resolução de n. 23.470, alterando a redação do § 1º e acrescentando o § 1º-A ao art. 29, de modo a consagrar a referida diferenciação, verbis:

Art. 29. […]

§ 1º As contratações de serviços de consultoria jurídica e de contabilidade prestados em favor das campanhas eleitorais deverão ser pagas com recursos provenientes da conta de campanha e constituem gastos eleitorais que devem ser declarados de acordo com os valores efetivamente pagos.

§ 1º-A Os honorários referentes à contratação de serviços de advocacia e de contabilidade relacionados à defesa de interesses de candidato ou de partido político em processo judicial não poderão ser pagos com recursos da campanha e não caracterizam gastos eleitorais, cabendo o seu registro nas declarações fiscais das pessoas envolvidas e, no caso dos partidos políticos, na respectiva prestação de contas anual.

Colaciono, ainda, ementa de recente julgado deste Regional:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Contabilização de serviços advocatícios. Art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Parecer conclusivo e manifestação ministerial de piso pela rejeição das contas. Proferida sentença de desaprovação sem que tenha sido oportunizada prévia manifestação à candidata acerca das irregularidades apontadas, conforme previsão do art. 64, § 4º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Decisão consubstanciada na ausência de registro de gastos e dos respectivos recibos, referentes à contratação de serviços advocatícios durante a prestação de contas. Ainda que, nesta instância, tenha sido verificado o vício procedimental, deixa-se de reconhecer de ofício a nulidade, em virtude da possibilidade de decisão favorável quanto ao mérito, sem representar qualquer prejuízo à interessada.

Diferenciação conceitual entre o serviço advocatício prestado em processo judicial contencioso e o serviço de consultoria jurídica realizado em favor das campanhas eleitorais. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processo jurisdicional contencioso não são considerados gastos eleitorais de campanha. Situação distinta do serviço de consultoria, atividade-meio prestada durante a campanha eleitoral, paga com recursos provenientes da conta de campanha, constituindo gasto eleitoral que deve ser declarado de acordo com os valores efetivamente pagos. Inteligência do disposto no art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Demonstrada a outorga da procuração no mês de outubro de 2016, excluindo a obrigação contraída do rol de despesas de campanha. Não identificada impropriedade ou irregularidade na prestação, devem ser aprovadas as contas.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 24846, Acórdão de 07.3.2017, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data 09.3.2017, Página 5.) (Grifei.)

Na hipótese, a procuração geral de foro, outorgada em 28.10.2016, após o pleito, por meio do instrumento particular de fl. 17, tem por objeto representar o candidato em juízo, razão pela qual se subsume à norma prevista no § 1º-A do art. 29 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Com a devida vênia ao entendimento diverso lançado pelo douto Procurador Regional Eleitoral em seu parecer escrito, o contrato acostado à fl. 36, datado de 01.8.2016, ainda que releve a ausência de assinatura do outorgante, não é capaz de infirmar o posicionamento aqui adotado.

Com efeito, o ponto essencial da controvérsia não reside em estabelecer se a outorga do mandato foi ou não prévia à eleição, mas está, sim, na diferenciação dos serviços prestados: se tinham por escopo a representação judicial do candidato em feitos contenciosos ou se visavam ao assessoramento jurídico de cunho administrativo ou consultivo durante a campanha.

Nesse passo, a mens legis contida no art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15, tem em consideração a imprevisibilidade quanto ao momento e sorte das ações judiciais eleitorais, às quais está sujeito o candidato tanto durante quanto após encerrada sua campanha, sendo consequência a indefinição também sobre seus dispêndios com a representação processual respectiva.

Desse modo, ainda que anteriores ao dia da eleição e envolvendo processos judiciais diversos da prestação de contas, “não são considerados gastos eleitorais as despesas relativas à atuação contenciosa, na qual a atividade advocatícia se destina à defesa dos interesses do candidato ou do partido político em juízo, e não à promoção de sua campanha eleitoral” (TSE – AgR-AgI n. 87662, Acórdão de 13.9.2016, Relatora Min. ROSA MARIA WEBER CANDIOTA DA ROSA, Publicação: DJE, 23.9.2016, Página 53/54).

O parecer da Procuradoria Regional Eleitoral também consigna que “havendo contratação pela coligação em favor de seus candidatos, devem os serviços ser contabilizados como doações estimáveis em dinheiro, com emissão do respectivo recibo eleitoral”, e, ainda, que não teria havido tal contabilização.

No entanto, é de se observar que os contratos de prestação de serviços foram formalizados pela COLIGAÇÃO UNIÃO POR VOCÊ – ELEIÇÃO 2016 MARIO CESAR PORTINHO VIANNA PREFEITO, não havendo nenhum indício de que o recorrente ALMIR tenha se utilizado dos serviços contratados. Deste modo, não há como se exigir o registro na contabilidade de um serviço que não foi contratado pelo candidato e que não se comprovou que tenha sido de fato por ele utilizado.

Diante do exposto, considerando que não se verifica qualquer irregularidade pela ausência de declaração, na prestação de contas eleitorais, da contratação de advogado ou contador para atuar em processo judicial contencioso, e o suprimento da comprovação da propriedade dos veículos utilizados na campanha, persistindo, porém, apenas falha formal na documentação, que, no entanto, não compromete a fidedignidade das contas, devem essas ser aprovadas com ressalvas, com esteio no art. 68, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Logo, dentro desse contexto, não tendo sido identificadas outras impropriedades que comprometam a prestação de contas do candidato, o recurso interposto deve ser provido parcialmente com o fito de se aprovar com ressalvas as contas de ALMIR JOSÉ REBELO DE OLIVEIRA.

 

Nesses termos, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas, com fundamento no art. 68, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15.