RE - 83772 - Sessão: 25/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto por MARÍLIA LEÃO FORTES, em face da sentença que desaprovou as contas relativas à sua candidatura ao cargo de vereador no Município de São Sebastião do Caí, nas eleições municipais do ano de 2016, e aplicou-lhe multa no valor de R$ 66,52, tendo em vista que o gasto com alimentação extrapolou o limite de 10% do total de despesas de campanha contratadas.

No apelo (fls. 36-42), a candidata aduz que, logo após o deferimento de seu registro de candidatura, devido a problemas familiares, não foi capaz de acompanhar pessoalmente a elaboração das contas de campanha, tarefa integralmente delegada ao profissional contábil que a subscreve. Sustenta, ainda, que a falha é destituída de má-fé e representa a cifra irrisória de R$ 66,52 acima do limite permitido, não prejudicando a confiabilidade da contabilidade. Assim, roga pela aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, aprovando-se as contas com ou sem ressalvas.

Sem contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 47-49v.).

É o relatório.

 

VOTO

Sr. Presidente: o recurso é tempestivo. Houve a afixação da decisão em mural eletrônico, na data de 25.11.2016 (fl. 35), uma sexta-feira, e a interposição ocorreu em 27.11.2016 (fl. 36), domingo imediatamente posterior, de forma que foi obedecido o prazo de três dias, indicado no art. 77 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No relativo ao mérito, penso haver espaço para a aprovação com ressalvas.

Na origem, a desaprovação ocorreu, em resumo, devido ao fato de que houve a realização de despesas com “alimentação de pessoal” acima do limite de 10% do total de gastos de campanha contratados, consoante estipula o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15, verbis:

Art. 38. São estabelecidos os seguintes limites com relação ao total dos gastos da campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, parágrafo único):

I - alimentação do pessoal que presta serviços às candidaturas ou aos comitês de campanha: dez por cento;

Em relação à forma de cálculo do máximo de gastos, pertinente anotar que, a teor da dicção normativa, o percentual de 10% deve ser aplicado sobre o somatório de obrigações efetivamente contratadas e cumpridas. Dessa forma, estão excluídas dessa apuração as cessões ou doações estimáveis em dinheiro, as quais, fossem consideradas, elevariam a despesa total para R$ 5.518,27.

Nesse passo, o magistrado sentenciante, subsidiado pelo parecer técnico conclusivo de fl. 15, constatou que os gastos com alimentação de pessoal alcançaram R$ 265,35, sendo que o total de despesas de campanha perfez o montante de R$ 1.988,27. Assim, o dispêndio em questão ultrapassou em apenas R$ 66,52 o teto previsto no referido dispositivo legal.

Verifica-se, ainda, que a realização despesas com alimentação não está acompanhada da correspondente contratação de pessoal em atividades de militância e de mobilização.

Por sua vez, a recorrente esclarece que se equivocou na confecção da prestação de contas, contabilizando despesas com a sua alimentação própria durante o período de campanha como gasto sujeito a registro. Afirma que o descuido teve, por motivo, problema familiar ocorrido concomitantemente à propaganda eleitoral, o qual culminou com o falecimento de sua genitora, em 09.9.2016 – conforme certidão de óbito de fl. 43 –, e errôneas orientações oferecidas pela contadora contratada para a administração financeira de campanha.

O infortúnio que acometeu a candidata, embora de todo lamentável, não a exime do dever de apresentar contas eleitorais conformadas à legislação eleitoral. De igual modo, a designação de profissional para a sua gestão financeira de campanha não atenua a responsabilidade pela veracidade e regularidade das informações contábeis apresentadas, de acordo com a previsão do art. 41, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Em consulta ao Sistema de Divulgação de Candidatura e Contas Eleitorais na internet, verifica-se que a despesa questionada dividiu-se entre dois estabelecimentos de alimentação: Restaurante Di Variani LTDA. – EPP (R$ 151,00) e T. M. da Silva & Cia LTDA. – EPP (R$ 114,35), sendo compatíveis com refeições de uma única pessoa, a própria candidata, no período de campanha.

A despeito da não apresentação de contas retificadoras, as circunstâncias fáticas e a harmonia das alegações da recorrente com o acervo dos autos, inexistindo indícios de má-fé ou de deliberada burla à legislação eleitoral, autorizam que se reconheça a incorreção na classificação da despesa, que, em realidade, não envolveu o fornecimento de alimentação para equipe de trabalho a serviço da candidatura.

Entretanto, as contas persistem eivadas de mácula, embora com nova qualidade: o adimplemento de despesas pessoais com alimentação, não sujeitas a registro, com recursos de campanha eleitoral, no montante de R$ 265,35, representando, nessa hipótese, menos de 5% da movimentação global (R$ 5.518,27).

Entendo que, nesse cenário, não há de se falar em extrapolação do limite de dispêndios para alimentação de pessoal, justamente por não se enquadrar o aporte de recursos nessa espécie de gastos.

Indo além, vislumbram-se presentes os requisitos para a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade à contabilidade.

Deveras, o defeito em tela envolve a modesta cifra absoluta de R$ 265,35. A importância é inferior àquela considerada pela própria disciplina normativa como “gasto de pequeno vulto” (art. 35 da Resolução TSE n. 23.463/15), a permitir o excepcional pagamento por meio de Fundo de Caixa, cabendo a aplicação analógica desse referencial na aferição da irrelevância financeira da impropriedade no caso em tela.

Acrescento, em reforço do argumento da insignificância do valor absoluto em questão, recente precedente do TRE de Santa Catarina, que utilizou como parâmetro a importância superior, de R$ 1.064,10, que o legislador elegeu como baliza para dispensar a contabilização de gasto realizado pelo eleitor em favor de candidato, previsto no art. 27 da Lei n. 9.504/97:

ELEIÇÕES 2014 - PRESTAÇÃO DE CONTAS – CANDIDATO AO CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL - OMISSÃO NA ENTREGA DA SEGUNDA PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL - AUSÊNCIA DE REGISTRO DE GASTOS ESTIMÁVEIS COM PROPAGANDA E ADVOGADO - AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS - IRREGULARIDADES FORMAIS QUE PODEM SER RELEVADAS.

AUSÊNCIA DE NOTAS FISCAIS OU DOCUMENTOS PARA COMPROVAR DESPESAS - GASTO COM ABASTECIMENTO DE VEÍCULOS NÃO REGISTRADOS - IRREGULARIDADES DE MENOR SIGNIFICAÇÃO ECONÔMICA EM FACE DA REALIDADE DAS CAMPANHAS ELEITORAIS - APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

Ao fixar o valor para os gastos de apoiamento não sujeitos à contabilização na prestação de contas (Lei n. 9.504/1997, art. 27), o legislador considerou sua importância econômica no curso regular do pleito, reputando-o de menor expressão na realidade das campanhas eleitorais.

Se é dado ao candidato receber de qualquer eleitor aporte financeiro, sem a necessidade de providenciar contabilização, é inadequado graduar como grave qualquer irregularidade que não exceda essa quantia.

(TRE-SC, PC 1421-62.2014.6.24.0000, Relator: Juiz Antonio do Rêgo Monteiro Rocha, Sessão de 29.7.2015, Acórdão n. 31019)

Outrossim, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral e esta Corte admitem que falhas de valor absoluto inexpressivo e que não representem elevado percentual em face da movimentação total – em torno de 10% dos recursos – desde que evidenciada a boa-fé do candidato, não prejudicam a confiabilidade das contas, tolerando inconsistências de pouca repercussão na contabilidade com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, como se verifica pelas seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.

2. Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.

3. Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 185620, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 29, Data 09.2.2017, Página 48-49.)

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido. (Recurso Especial Eleitoral n. 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, Página 15.)

 

Prestação de contas. Eleições 2010. Parecer conclusivo do órgão técnico deste TRE e manifestação ministerial pela desaprovação.

Arrecadação de recursos e realização de despesa sem o prévio trânsito pela conta bancária específica.

Pequeno valor da irregularidade assinalada, envolvendo quantia inferior a 10% da movimentação financeira de campanha. Falha que não compromete a regular fiscalização da demonstração contábil.

Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 755276, Acórdão de 19.4.2011, Relator DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 067, Data 27.4.2011, Página 01.)

Desse modo, dadas as circunstâncias de cunho objetivo, a mácula não vem carregada de gravidade, bem como é incapaz de prejudicar a confiabilidade das informações prestadas e a fiscalização, pela Justiça Eleitoral, da adequação contábil aos ditames legais insculpidos na Resolução TSE n. 23.463/15.

Assim, a decisão combatida deve ser reparada, para aprovar com ressalvas a prestação de contas da candidata.

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso interposto, para aprovar com ressalvas as contas apresentadas por MARÍLIA LEÃO FORTES relativas às eleições municipais de 2016.