RE - 29873 - Sessão: 18/04/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO PRA FRENTE GUAPORÉ e ADEMIR DAMO contra decisão do Juízo da 22ª Zona Eleitoral (fls. 98-105v.), que julgou parcialmente procedente a representação ajuizada pela COLIGAÇÃO UNIÃO, TRABALHO E FÉ, considerando caracterizada a captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, e condenando os representados ao pagamento de multa no valor de 10.000 UFIR e à cassação do diploma de Ademir.

Nas suas razões recursais (fls. 109-125), preliminarmente suscitam que a sentença não poderia ter fundamentado a decisão no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, nem anulado seus votos. Aduzem, ainda, a nulidade das gravações, pois realizadas por terceiros. No mérito, argumentam a inexistência de qualquer oferta em troca de votos, alegando que a conversa se limitou a promessas de campanha, tanto que as testemunhas negaram ter recebido valor ou serviço público de parte do candidato. Requerem a improcedência da representação.

Com as contrarrazões (fls. 130-138), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo parcial provimento do recurso (fls. 141-154).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no dia 29.11.2016 (fl. 108), e o apelo interposto no dia 02.12.2016 (fl. 109), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no art. 41-A, § 4º, da Lei n. 9.504/97.

Ainda em matéria preliminar, aduzem os recorrentes que a sentença é extra petita, pois fundamentou a condenação no art. 22 da LC n. 64/90, quando a ação tratou apenas do ilícito constante no art. 41-A da Lei das Eleições.

Não prospera a alegação, pois a sentença não está fundamentada no abuso de poder econômico, mas apenas decretou a nulidade dos votos com base no art. 222 do Código Eleitoral, como se extrai claramente da nota de rodapé inserida na aludida passagem, havendo apenas um equívoco de digitação no dispositivo.

Passando ao mérito, os recorrentes alegam a ilicitude da gravação ambiental, pois foi realizada por terceiro, estranho à conversa, caracterizando-se como verdadeira interceptação do diálogo entre o candidato e seus eleitores.

A questão sobre a licitude de gravações de conversas perpassa pela tutela constitucional da intimidade e da privacidade.

A gravação ambiental realizada por um dos interlocutores não requer prévia autorização judicial, pois não há nenhuma invasão da intimidade, já que a conversa é originalmente destinada ao próprio responsável pela gravação, conforme já definiu o egrégio Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, como se extrai da seguinte ementa:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.

(RE 583.937-QO-RG, Relator Min. CEZAR PELUSO, julgamento em 19.11.2009, Plenário, DJE de 18.12.2009.)

Diversamente, nos casos de interceptação ambiental, quando um terceiro, estranho à conversa, capta o diálogo, haverá ofensa à privacidade dos interlocutores, pois o diálogo, que deveria estar restrito aos participantes, é ouvido e registrado por um terceiro.

Nesses casos, como há intervenção no direito à privacidade sem a anuência dos interlocutores, mostra-se necessária prévia autorização judicial ponderando a proteção à intimidade e ao interesse público.

Contudo, na hipótese dos autos, não se pode afirmar que tenha havido interceptação ambiental da conversa.

Embora a pessoa que gravou a conversa não tenha sido identificada nos autos, os vídeos juntados (fl. 42) permitem verificar claramente que ela estava inserida no diálogo.

Vê-se que as pessoas estavam dispostas em roda, e o candidato estava em pé, falando a todos os presentes. Nota-se, inclusive, que o diálogo também ocorre entre o representado e alguma pessoa que nem sequer aparece na filmagem, evidenciando o alcance de sua fala para todos os presentes.

Dessa forma, não se pode falar em interceptação, pois o responsável pela gravação da conversa claramente estava inserido no diálogo, e era também destinatário da fala do candidato.

Lícita, portanto, a gravação juntada aos autos, conforme pacífica posição desta Corte:

Ação Penal. Imputação da prática do crime de corrupção eleitoral. Artigo 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Competência originária deste Regional para o julgamento, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função.

Matéria preliminar afastada. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Entendimento sedimentado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Não evidenciada a inépcia da inicial, vez que clara a descrição dos fatos.

Distribuição de cestas básicas a eleitores em troca de voto. Conjunto probatório frágil quanto à compra de votos narrada na inicial. Prova testemunhal contraditória, embasada em depoimentos de eleitores comprometidos com adversário político, que não conduz à certeza acerca da materialidade dos fatos alegados. Imprescindível, para um juízo de condenação na esfera criminal, a verdade material, alcançada por meio da produção de provas do fato e da respectiva autoria.

Improcedência.

(Ação Penal de Competência Originária n. 46366, Acórdão de 02.12.2015, Relator Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 223, Data 04.12.2015, Página 4.) (Grifei.)

Afasto, assim, a pretensão de reconhecimento da ilicitude da gravação.

Quanto ao fato ilícito, Ademir Damo, candidato ao cargo de vereador, foi condenado pela prática de captação ilícita de sufrágio, vedada pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97, em razão da oferta de dinheiro, exames médicos e cedência de horas-máquina pela prefeitura aos presentes.

Reproduzo o texto do art. 41-A da Lei das Eleições:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

O aludido artigo tem por objetivo proteger a liberdade de escolha do eleitor, vedando que seu voto seja definido ou influenciado pelo oferecimento de bens e vantagens.

Tendo presente o bem jurídico protegido pela norma, veda-se a entrega ou oferta de vantagens especificamente em troca do voto do eleitor. Assim, embora a jurisprudência não exija pedido expresso de voto, é imprescindível que a entrega de benefícios ocorra com a finalidade específica de obter o voto do eleitor, conforme expressamente prevê o § 1º do art. 41-A:

Art. 41-A. [...]

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

Ouvindo-se a gravação de áudio n. 03, juntada na folha 11 dos autos, verifica-se que o candidato Ademir Damo claramente ofereceu o valor de R$ 150,00 à eleitora Dalva Aparecida da Silva, afirmando que entregaria R$ 100,00 para a eleitora, dizendo na sequência “se vocês nos ajudarem depois...” (46seg).

Em seguida, a eleitora Dalva tranquiliza o candidato: “a gente se acerta com quem se acerta com a gente” (50seg).

Após uma rápida conversa, o candidato afirma deixar santinhos para os eleitores: “Bom, vou deixar um santinho para vocês, e já deixo o que tu precisa” (1min28).

Em seguida, é possível perceber que os eleitores conversam sobre os santinhos, afirmando “tem que ser o 12...cadê ele aí? ah, tá aqui” (2min11).

A gravação deixa evidente a presença de todos os elementos exigidos pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97 para a caracterização da captação ilícita de sufrágio: a oferta de valor realizada com a finalidade de obter, em troca, o voto do eleitor.

Ao afirmar que entregaria R$ 100,00 à eleitora Dalva, buscou confirmar se o valor lhe garantiria o voto dos eleitores, pedindo que eles o ajudassem depois. Tal passagem deixa clara a intenção de mercancia com o oferecimento do dinheiro.

Para não deixar dúvidas de que a “ajuda” solicitada se referia ao voto dos presentes, o candidato ainda tratou de distribuir santinhos aos eleitores, os quais ainda confirmaram o número da legenda na qual votariam.

A gravação demonstra, portanto, a captação ilícita de sufrágio, estando caracterizado o ilícito previsto no art. 41-A da Lei das Eleições.

Em seus testemunhos, Dalva, Karina e Darci negaram a oferta de dinheiro, mas tanto Dalva quanto o candidato Ademir Damo reconhecem suas vozes na gravação. Este último afirmou na audiência que a voz parecia não ser sua, mas reconheceu ser ele nas filmagens realizadas na mesma ocasião e teve a possibilidade de, ouvindo o áudio, explicar o que pretendia dizer em cada passagem.

Não restam dúvidas, portanto, de que a gravação retrata a conversa havida entre Ademir Damo, Dalva e seu pai, Darci.

O douto juízo de primeiro grau ainda pontuou diversas contradições no comportamento do vereador Ademir Damo. No registro de ocorrência, realizado no dia 27 de setembro de 2016, o candidato afirmou que a gravação foi realizada por Carlos Kobeliski, admitindo ser ele nas gravações, mas disse ter sido induzido a falar tais palavras. Já na audiência perante o juízo, além de ser reticente ao reconhecer-se, afirmou que não conhecia Darci, Dalva e Karina e não lembrava de ter comparecido à casa dos eleitores.

Tais contradições tornam o seu depoimento inconsistente diante da robustez da gravação trazida aos autos, a qual demonstra a captação ilícita de sufrágio.

Houve, ainda, outro momento da conversa no qual o candidato Ademir Damo, após saber da insatisfação dos eleitores presentes com o fim da disponibilização de máquinas aos moradores rurais pela prefeitura, passou a afirmar que ele mesmo estava promovendo a candidatura do candidato do PDT a prefeito, e destacou a sua posição de destaque como presidente do diretório municipal.

Afirmou, então, que os eleitores poderiam simplesmente ligar para ele, solicitando as máquinas, sem a necessidade de tal pedido passar pela prefeitura ou seguir qualquer trâmite administrativo, sendo que providenciaria a cedência das máquinas.

O juízo de primeiro grau considerou que tal comportamento configurou também captação ilícita de sufrágio, pois a oferta foi realizada a título pessoal, sem referir qualquer iniciativa de lei, embora seja notório que o empréstimo de máquinas não se inclua entre as atribuições do vereador.

Contrariamente ao juízo sentenciante, entendo que a promessa de cedência de máquinas não caracterizou captação ilícita de sufrágio. Pelo conteúdo das gravações juntadas na folha 11 dos autos, as afirmações realizadas por Ademir Damo mais se aproximam de promessas inconsequentes de campanha, com o intuito de convencer os eleitores do seu prestígio, que lhe daria condições de beneficiar a comunidade rural.

Não se duvida do conteúdo pouco republicano das promessas, centradas na capacidade individual do vereador de exercer influência perante o futuro prefeito, olvidando-se das instituições e trâmites legais para promover o melhor atendimento à população em geral, com o devido respeito ao princípio da impessoalidade administrativa.

Todavia, tal comportamento assemelha-se mais à prática de improbidade administrativa, caso confirmado, do que à captação ilícita de sufrágio.

De qualquer forma, ainda assim resta demonstrada a captação ilícita de sufrágio pela oferta de R$ 100,00 em troca de voto, o que é suficiente para a manutenção da cassação do diploma do recorrente.

A sanção pecuniária, entretanto, fixada em 10.000 UFIR na sentença, merece ser reduzida pela metade, considerando que um dos comportamentos pelo qual foi condenado está sendo reconhecido como lícito. Dessa forma, a pena de multa deve ser reduzida para R$ 5.320,50, equivalente a 5.000 UFIR.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir a multa aplicada para o valor de R$ 5.320,50, determinando ainda as seguintes providências:

a) Por força do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, os votos conferidos a Ademir Damo devem ser computados para a coligação pela qual concorreu, devendo-se empossar o primeiro suplente desta.

b) Após transcorrido o prazo para embargos de declaração ou julgados os aclaratórios eventualmente opostos, comunique-se à Zona Eleitoral para imediato cumprimento do acórdão.