RE - 38673 - Sessão: 07/03/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO DOUTOR RICARDO MUDANDO PODE MAIS (PP - PDT) (fls. 131-137) em face da sentença prolatada pelo Juízo Eleitoral da 67ª Zona – Encantado – que julgou improcedente representação eleitoral por conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, proposta contra a COLIGAÇÃO FORÇA PARA FAZER MAIS (PMDB - PSDB), CATEA ROLANTE (candidata a prefeita), ÁLVARO GIACOBBO (candidato a vice-prefeito), ASTOR GIACOBBO, SHIRLEI VENZO, CLAUDIANO DORIGON, AIRTON DE BORTOLI e ALBERTO DE MOZZI (candidatos a vereador).

Em suas razões, assevera que as fotografias publicadas nas redes sociais Facebook e Instagram revelam a prática de conduta vedada relativa ao uso do gabinete do prefeito para realização de reunião política em benefício das candidaturas dos recorridos, que eram apoiados pela situação, em manifesta quebra da igualdade entre os demais candidatos. Requer a reforma da sentença, com a condenação dos recorridos à cassação do registro de candidatura e ao pagamento de multa.

Com as contrarrazões (fls. 141 a 147), os autos foram encaminhados à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual suscitou a preliminar de nulidade do feito por ausência de citação do servidor público envolvido nos fatos, enquanto litisconsorte passivo necessário, e apontou a impossibilidade de regularização em face da decadência do direito de ação, motivo pelo qual opinou pela extinção do processo com resolução de mérito e, caso desacolhida a preliminar, pelo desprovimento do recurso (fls. 151-156).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Passo ao enfrentamento da matéria preliminar arguida pela Procuradoria Regional Eleitoral.

A representação foi ajuizada por alegada prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

De acordo com a inicial, no dia 09 de setembro de 2016, os secretários municipais Idinei Cornelli e Cristiane Dadalt receberam, no gabinete do prefeito do Município de Doutor Ricardo, o ex-senador Pedro Simon e seu filho Tiago Simon, os quais participaram de uma reunião política. No evento, também estavam presentes um eleitor, os candidatos à eleição majoritária apoiados pela situação, Catea Rolante e Álvaro Giacobbo, concorrentes, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice de Doutor Ricardo, e os candidatos a vereador pelo PMDB Astor Giacobbo, Shirlei Venzo, Claudiano Dorigon, Airton de Bortoli e Alberto de Mozzi, ausentes o prefeito e o vice em exercício.

Alega que o encontro tinha cunho eleitoral e foi registrado nas mídias sociais, mas que idêntica oportunidade não foi oferecida para os demais candidatos, representando um privilégio caracterizador de quebra da isonomia entre os demais concorrentes ao pleito.

O órgão ministerial aponta que a representação foi ajuizada apenas contra os candidatos que participaram da aludida reunião, mas que deveriam ter sido incluídos no polo passivo da ação os agentes públicos responsáveis pela prática da conduta vedada, enquanto litisconsortes necessários, na esteira da jurisprudência consolidada do TSE e do escólio da melhor doutrina.

Assim, conclui que a representação deveria ter sido direcionada também contra os secretários municipais Idinei Cornelli e Cristiane Dadalt e o prefeito em exercício à época, Alvimar Luiz Lisot, e que o polo passivo não pode mais ser corrigido porque a emenda à petição inicial somente seria possível até a diplomação dos candidatos eleitos, cerimônia já ocorrida e que, nos termos do § 12 do art. 73 da Lei das Eleições e do art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.462/15, marca o prazo máximo para ajuizamento da representação por condutas vedadas.

Diante dessas circunstâncias, a Procuradoria Regional Eleitoral considera que, devido ao escoamento do prazo para sanar o vício, deve ser reconhecido o implemento da decadência, com a consequente extinção do feito na forma do art. 487, inc. II, do CPC.

Assiste razão ao órgão ministerial.

Com efeito, o ajuizamento de representação para apurar suposta prática de conduta vedada exige a citação do agente público que atuou diretamente na conduta à margem da lei como litisconsorte passivo necessário.

Essa é a posição firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral a partir de uma revisão da sua jurisprudência, merecendo transcrição os seguintes precedentes:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AIJE. ABUSO DE PODER. CONDUTA VEDADA AGENTE PÚBLICO. BENEFICIÁRIOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM JULGAMENTO DE MÉRITO. DESPROVIMENTO.

1. Nas ações que versem sobre condutas vedadas há litisconsórcio passivo necessário entre o agente público e os beneficiários dos atos praticados. (RO 1696-77/RR, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 6.2.2012).

2. Na espécie, é necessário reconhecer a decadência do direito de ação e extinguir o processo com resolução de mérito, com fundamento no art. 269, IV, do CPC, devido à ausência de citação tempestiva do agente público responsável pelas condutas vedadas.

3. Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 113529, Acórdão de 05.8.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Volume -, Tomo 151, Data 15.8.2014, Página 146.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. CANDIDATO BENEFICIADO. RESPONSÁVEL. AGENTE PÚBLICO. JURISPRUDÊNCIA. ALTERAÇÃO. SEGURANÇA JURÍDICA.

1. Até as Eleições de 2014, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral se firmou no sentido de não ser necessária a formação de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e o responsável pela prática do abuso do poder político. Esse entendimento, a teor do que já decidido para as representações que versam sobre condutas vedadas, merece ser reformado para os pleitos seguintes.

2. A revisão da jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral deve ser prospectiva, não podendo atingir pleitos passados, por força do princípio da segurança jurídica e da incidência do art. 16 da Constituição Federal.

3. Firma-se o entendimento, a ser aplicado a partir das Eleições de 2016, no sentido da obrigatoriedade do litisconsórcio passivo nas ações de investigação judicial eleitoral que apontem a prática de abuso do poder político, as quais devem ser propostas contra os candidatos beneficiados e também contra os agentes públicos envolvidos nos fatos ou nas omissões a serem apurados.

[...]

(Recurso Especial Eleitoral n. 84356, Acórdão de 21.6.2016, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA.) (Grifei.)

Na hipótese dos autos, o secretário municipal de administração do Município de Doutor Ricardo, Idinei Cornelli, foi quem recebeu os representados no gabinete do prefeito, uma vez que o prefeito e o vice não se encontravam no local, e foi esse servidor quem primeiro fez uso da palavra durante a reunião.

A citação do próprio prefeito à época e de seu vice também guarda relevância para melhor avaliar se o agente público estava atuando com independência em relação aos candidatos supostamente beneficiados ou agia como simples mandatário, conforme raciocínio do parquet:

No caso, é razoável supor que tenha o prefeito autorizado ou mesmo anuído com a realização do encontro político-eleitoral em seu gabinete. A toda evidência, essa conduta não poderia ser realizada sem o conhecimento do titular do mandato à época, cuja responsabilidade é incontroversa. Ademais, é certo que a representação poderia ter sido direcionada também contra os mencionados Secretários Municipais, agentes públicos que se faziam presentes e efetivamente participaram da reunião.

Portanto, de acordo com o TSE, os agentes públicos envolvidos nos fatos devem sempre ser chamados conjuntamente a responder à acusação de prática de condutas vedadas, devendo ser reconhecida a nulidade do feito, conforme disposições previstas nos arts. 114 e 115 do CPC:

Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.

 

Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será:

I - nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo;

II - ineficaz, nos outros casos, apenas para os que não foram citados.

Parágrafo único. Nos casos de litisconsórcio passivo necessário, o juiz determinará ao autor que requeira a citação de todos que devam ser litisconsortes, dentro do prazo que assinar, sob pena de extinção do processo.

Tratando-se de hipótese de litisconsórcio necessário, a ausência de sua formação é causa de nulidade, conforme disposto no inc. I do art. 115 do CPC, uma vez que o mérito da ação deve ser julgado pela Justiça Eleitoral de forma conjunta em relação a todas as partes, a partir da apuração individualizada das condutas, sendo o caso de litisconsórcio simples ou comum.

Deveria o feito baixar à origem para que a recorrente requeresse a notificação/citação dos litisconsortes necessários sob pena de extinção do processo, conforme prevê o parágrafo único do art. 115 do CPC.

No entanto, considerando não ter sido promovida a citação dos litisconsortes passivos necessários até a diplomação dos eleitos, marco temporal que encerra a possibilidade de ajuizamento de representação por conduta vedada, é possível, desde logo, reconhecer a decadência do direito de ação, nos termos do art. 487, inc. II, do CPC, em vista da impossibilidade de a autora emendar a inicial.

A propósito, a jurisprudência da Corte Superior Eleitoral:

Representação. Conduta vedada. Litisconsórcio passivo necessário. O agente público, tido como responsável pela prática da conduta vedada, é litisconsorte passivo necessário em representação proposta contra os eventuais beneficiários. Não requerida a citação de litisconsorte passivo necessário até a data da diplomação - data final para a propositura de representação por conduta vedada -, deve o processo ser julgado extinto, em virtude da decadência. Recursos ordinários do Governador e do Vice-Governador providos e recurso do PSDB julgado prejudicado.

(Recurso Ordinário n. 169677 - Boa Vista/RR, Acórdão de 29.11.2011, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES.) (Grifei.)

Ante o exposto, acolho a matéria preliminar e VOTO pela extinção do feito com resolução do mérito em razão do implemento da decadência, nos termos do art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.462/15 c/c art. 487, inc. II, do CPC.