RE - 1487 - Sessão: 09/03/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por CACO SAIBREIRA E TRANSPORTES LTDA. (fls. 85-91) em face da decisão que rejeitou a exceção de pré-executividade (fls. 81-84).

A recorrente alega que o advento das modificações introduzidas pela Lei n. 13.165/15 e a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4650 afastaram a aplicação da sanção prevista no art. 81 da Lei n. 9.504/97. Defende que as representações em curso na Justiça Eleitoral ajuizadas com fundamento no mencionado dispositivo devem perder o objeto. Requer a reforma da sentença prolatada pelo juízo monocrático e a extinção do débito.

Com contrarrazões do Ministério Público Eleitoral (fls. 93-95v.), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 98-102v.).

É o relatório.

 

VOTO

Em representação para apurar doação acima do limite legal, Caco Saibreira e Transportes Ltda. foi condenada ao pagamento de multa de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), em decisão transitada em julgado em 22.8.2016 (fl. 67).

Determina o Código Eleitoral que a cobrança de qualquer multa, salvo no caso das condenações criminais, será feita por ação executiva na forma prevista para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, tramitando perante os juízos eleitorais (art. 367, inc. IV).

O emprego das disposições previstas para a cobrança de dívida ativa da Fazenda Pública implica a observância dos preceitos contidos na Lei n. 6.830/80 e no Código de Processo Civil, sendo este último aplicável naquilo que a Lei de Execução Fiscal for omissa.

Como a lei especial não indica o recurso cabível para impugnar decisão interlocutória, tal qual aquela que rejeitou a exceção de pré-executividade (fls. 81-84), colhe-se do art. 1.015 do Código de Processo Civil:

Art. 1.015 […]

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Assim, o recorrente se valeu de instrumento impróprio: utilizou o recurso eleitoral quando o adequado seria o agravo de instrumento.

Observo ser inaplicável, ao caso, o princípio da fungibilidade recursal, conforme se extrai do precedente do Tribunal Superior Eleitoral:

Execução fiscal. Juízo Eleitoral. Decisão. Recurso cabível. Agravo de instrumento.

1. Ainda que a execução fiscal para cobrança de multa eleitoral seja processada perante os juízos eleitorais, deve ser observada a forma prevista na Lei nº 6.830/80 e, subsidiariamente, o CPC.

2. As decisões interlocutórias proferidas em execução fiscal podem ser atacadas por meio do agravo de instrumento previsto nos arts. 524 e seguintes do Código de Processo Civil.

3. Correto o entendimento da Corte Regional sobre a impossibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade "para converter o recurso inominado em agravo de instrumento, posto que este, além de ser dirigido diretamente ao tribunal competente, possui rito próprio (arts. 524 e seguintes do Código de Processo Civil)".

4. Hipótese que não se confunde com a irrecorribilidade das decisões interlocutórias proferidas em ações eleitorais.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 3244, Acórdão de 03.9.2014, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 172, Data 15.9.2014, Páginas 102-103).

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO QUE, EM PROCESSO DE EXECUÇÃO, ACOLHEU PARCIALMENTE A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE E DECLAROU A PRESCRIÇÃO DE PARTE DA DÍVIDA EXECUTADA, SEM POR FIM AO PROCESSO. NATUREZA DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO. ERRO GROSSEIRO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL.

INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

I. Agravo interno interposto em 11/05/2016, contra decisão publicada em 02/05/2016.

II. Na forma da jurisprudência predominante no STF e no STJ, o princípio da fungibilidade recursal somente se aplica quando preenchidos os seguintes requisitos: a) dúvida objetiva quanto ao recurso a ser interposto; b) inexistência de erro grosseiro; e c) observância do prazo do recurso cabível. Assim, na hipótese de erro grosseiro, não se aplica o princípio da fungibilidade. Nesse sentido: STF, Pet 5.707 AgR-ED/SP, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, TRIBUNAL PLENO, DJe de 16/03/2016; STJ, AgRg no MS 9.232/DF, Rel. Ministro GILSON DIPP, CORTE ESPECIAL, DJU de 17/12/2004; STJ, AgRg na SEC 10.885/EX, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, CORTE ESPECIAL, DJe de 14/08/2015.

III. Também é firme a jurisprudência do STJ no sentido de que a decisão que, em processo de execução, declara a inexigibilidade de parte da dívida executada, sem por fim ao processo, possui natureza interlocutória e deve ser impugnada por Agravo de Instrumento, constituindo erro grosseiro a interposição de Apelação, sendo inaplicável, por conseguinte, o princípio da fungibilidade recursal.

Precedentes: REsp 457.181/PE, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJU de 06/03/2006; AgRg no Ag 1.091.109/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe de 14/04/2009; REsp 1.123.288/RO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 25/11/2009; REsp 1.186.022/RO, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe de 29/04/2010; REsp 1.138.871/RO, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe de 02/06/2010; AgRg no Ag 1.159.377/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, DJe de 10/12/2010; AgRg no AREsp 230.380/RN, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 10/06/2016.

[…]

VIII. Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp 1517815/SP, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Segunda Turma, julgado em 18.8.2016, DJe 01.9.2016.)

Também já decidiu este Regional:

Agravo de instrumento. Decisão que, rejeitando exceção de pré-executividade, manteve redirecionamento da execução de multa eleitoral contra sócia-gerente da empresa devedora.

Cabível interposição de agravo de instrumento. Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, por força do art. 387, IV, do Código Eleitoral, combinado com o art. 1º da Lei n. 6.830/1980.

A multa eleitoral constitui dívida ativa de natureza não tributária. O redirecionamento da ação executiva encontra fundamento no art. 4º, § 2º, da Lei n. 6.830/1980, combinado com o art. 50 do Código Civil.

Certidão do oficial de justiça que atesta o encerramento das atividades da sociedade no domicílio centralizador de suas operações é indício de dissolução irregular e legitima o redirecionamento do feito executivo à pessoa da sócia-gerente da empresa devedora.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 4525, Acórdão de 1º.10.2014, Relator Dr. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 178, Data 03.10.2014, Página 5.) (Grifei.)

Desse modo, o voto é por não conhecer do recurso por força da inadequação procedimental.

E, mesmo que assim não se entenda, melhor sorte não teria a recorrente se recebida sua peça recursal. A matéria trazida no recurso já foi analisada no acórdão (fls. 61-65), que transitou em julgado, cabendo a transcrição do trecho relevante:

De início, o recurso versa sobre doação realizada por pessoa jurídica, prática vedada a partir do advento da Lei n. 13.165, em 29 de setembro de 2015: o art. 15 revogou o então vigente art. 81 da Lei n. 9.504/97, que permitia doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais até o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

Friso: no caso, será seguida a jurisprudência pacificada desta Corte (e de tantas outras) no sentido de aplicação da lei da época dos fatos, de modo que a análise se dará conforme a redação então vigente - art. 81 da Lei n. 9.504/97. Esse caminho tem sido trilhado, aliás, em relação a outras alterações trazidas também pela Lei n. 13.165/15 (suspensão das quotas do Fundo Partidário, doadores originários), sendo paradigmas os acórdãos de relatoria do Des. Paulo Roberto Lessa Franz e do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, respectivamente:

'Recurso. Prestação de contas. Partido político. Arts. 4º, caput e 14, inc. II, “n”, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014.

A abertura de conta bancária é obrigatória, independentemente de ter havido movimentação financeira no período. Falha de natureza grave que impede a apresentação de extratos bancários correlatos, os quais são imprescindíveis para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos financeiros, bem como para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira. Irregularidade insuperável, a comprometer, modo substancial, a fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral.

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15, que deram nova redação ao art. 37 da Lei n. 9.096/95, suprimindo a sanção de suspensão de novas contas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

Redimensionamento, de ofício, do quantum de suspensão das cotas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Provimento negado.

(RE 31-80.2015.6.21.0008, julgado em 08 de outubro de 2015.)

 

Prestação de contas de candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014.

Arrecadação de recursos sem a emissão de recibo eleitoral; despesas com combustível sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos ou publicidade com carro de som; divergências e inconsistências entre os dados dos fornecedores lançados na prestação de contas e as informações constantes na base de dados da Receita Federal; pagamentos em espécie sem a constituição do Fundo de Caixa; pagamento de despesa sem que o valor tivesse transitado na conta de campanha; inconsistência na identificação de doador originário.

Conjunto de falhas que comprometem a transparência e a regularidade da contabilidade apresentada. Entendimento deste Tribunal, no sentido da não retroatividade das novas regras estabelecidas pela Lei n. 13.165/2015, permanecendo hígida a eficácia dos dispositivos da Resolução TSE n. 23.406/2014. A ausência de discriminação do doador originário impossibilita a fiscalização das reais fontes de financiamento da campanha eleitoral, devendo o recurso de origem não identificada ser transferido ao Tesouro Nacional.

Desaprovação. (PC 2066-71.2014.6.21.0000, julgado em 20 de outubro de 2015.)'

Ainda, ressalvo que o STF, na ADI n. 4650, declarou inconstitucionais os comandos que autorizavam contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, em decisão que projeta os efeitos para as vindouras eleições de 2016.

Decorre daí, até mesmo logicamente, que permanecem válidas as disposições de regência das doações de pessoas jurídicas no pleito de 2014, especialmente o art. 81 da Lei n. 9.504/97. (Grifos do original.)

Observo que em 05.10.2015, data do protocolo do recurso contra a sentença (fls. 43-45), tanto a Lei n. 13.165/15 já havia sido publicada (29.9.2015) quanto a ADI 4650 já havia sido julgada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (em 17.9.2015). Assim, também não é possível reconhecer como novos os argumentos trazidos na exceção de pré-executividade.

Mesmo que a recorrente tenha deixado de se valer deles no recurso contra a sentença das fls. 39-42, a questão da validade das disposições relativas às doações de pessoas jurídicas foi trazida pela Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 52-58) e devidamente enfrentada no acórdão.

Como se percebe, as teses trazidas pela recorrente já foram analisadas em momento anterior, não havendo como se cogitar da relativização da coisa julgada.

Ressalto trecho do acórdão da ação direta de inconstitucionalidade invocada pela recorrente:

O Tribunal rejeitou a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade por não ter alcançado o número de votos exigido pelo art. 27 da Lei 9.868/99, e, consequentemente, a decisão aplica-se às eleições de 2016 e seguintes, a partir da Sessão de Julgamento, independentemente da publicação do acórdão.

Pelo exposto, VOTO por não conhecer do recurso devido à inadequação procedimental, e que seja dada vista dos autos à Procuradoria da Fazenda Nacional, para as providências que entender necessárias.