RE - 26748 - Sessão: 16/02/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto por VANIUS VIANNA NOGUEIRA (fls. 187-190) contra sentença da 56ª Zona Eleitoral (fls. 184-185), que desaprovou sua prestação de contas relativa à campanha eleitoral de 2016 como candidato a vereador do Município de Taquari, fulcro no art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Em sua irresignação, o recorrente alega que as doações recebidas são da espécie estimável em dinheiro, pois referem-se à cessão de automóveis, conforme pretende comprovar mediante documentação apresentada com as razões recursais (fls. 191-210). Sustenta, ainda, que o juízo sentenciante não fundamentou o entendimento de que o recorrente efetuou doações incompatíveis com seus rendimentos, encontrando-se, assim, a r. decisão em desacordo com a regra do art. 93, inc. IX, da Constituição Federal. Requer, por fim, a reforma da r. sentença para que sejam aprovadas as contas, com ou sem ressalvas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pela nulidade da sentença, determinando-se o retorno dos autos à origem para regular processamento, na forma do art. 64 da Resolução TSE n. 23.463/15 (fls. 215-218).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

A sentença foi publicada em 30.11.2016 (fl. 186); e a peça recursal protocolada em cartório no dia 02.12.2016 (fl. 187), sendo, portanto, tempestivo o recurso.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Preliminar

A Procuradoria Regional Eleitoral arguiu (fls. 215-218) a nulidade da sentença, em razão de não ter sido oportunizada, ao prestador das contas, manifestação acerca das inconsistências reconhecidas pelo magistrado, em descumprimento ao art. 64, § 4º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que assim preceitua:

Art. 64. Havendo indício de irregularidade na prestação de contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar diretamente ou por delegação informações adicionais, bem como determinar diligências específicas para a complementação dos dados ou para o saneamento das falhas, com a perfeita identificação dos documentos ou elementos que devem ser apresentados.

Lei n. 9.504/1997, art. 30, § 4º

§ 1º As diligências devem ser cumpridas pelos candidatos e partidos políticos no prazo de setenta e duas horas contadas da intimação, sob pena de preclusão.

§ 2º Na fase de exame técnico, inclusive de contas parciais, a unidade ou o responsável pela análise técnica das contas pode promover circularizações, fixando o prazo máximo de setenta e duas horas para cumprimento.

§ 3º Determinada a diligência, decorrido o prazo do seu cumprimento com ou sem manifestação, acompanhados ou não de documentos, os autos serão remetidos para a unidade ou o responsável pela análise técnica para emissão de parecer conclusivo acerca das contas.

§ 4º Verificada a existência de falha, impropriedade ou irregularidade em relação à qual não se tenha dado ao prestador de contas prévia oportunidade de manifestação ou complementação, a unidade ou o responsável pela análise técnica deve notificá-lo, no prazo do § 2º e na forma do art. 84.

§ 5º Somente a autoridade judicial pode, em decisão fundamentada, de ofício ou por provocação do órgão técnico, do Ministério Público ou do impugnante, determinar a quebra dos sigilos fiscal e bancário do candidato, dos partidos políticos, dos doadores ou dos fornecedores da campanha.

§ 6º Nas diligências determinadas na prestação de contas, a Justiça Eleitoral deverá privilegiar a oportunidade de o interessado sanar, tempestivamente e quando possível, as irregularidades e impropriedades verificadas, identificando de forma específica e individualizada as providências a serem adotadas e seu escopo. (Grifei.)

O julgamento pela desaprovação das contas foi motivado em indícios de irregularidades relativas às campanhas eleitorais, informados ao Tribunal Superior Eleitoral por órgãos públicos, regulamentados pela Instrução Normativa TSE n. 18/16, e encaminhados aos juízos eleitorais (fls. 176-177).

Dispõe a Instrução Normativa TSE n. 18/16:

[...]

Art. 2º Após analisar a materialidade e a relevância dos indícios, o Juiz Eleitoral poderá requisitar informações a candidatos, partidos políticos, doadores, fornecedores e a terceiros para a apuração dos fatos, além de determinar outras diligências que julgar necessárias. (Lei 9.504/97, art. 30, § 4º, e Resolução TSE 23.463/2015, art. 80).

[...]

§ 2º As diligências previstas no caput devem ser promovidas pelo Juiz Eleitoral em até cinco dias, contados da data do conhecimento do indício da irregularidade.

§ 3º Constará da notificação para a prestação das informações o prazo de 72 horas, com a advertência de que o seu descumprimento poderá configurar crime de desobediência. (art. 347 do Código Eleitoral)

§ 4º Após o cumprimento das diligências ou a certificação do decurso do prazo, o Juiz Eleitoral, ante os elementos probatórios obtidos, encaminhará o feito ao Ministério Público Eleitoral ou, se entender necessário, à autoridade policial competente para instauração de inquérito.

§ 5º Na hipótese de indícios de irregularidades relativas ao financiamento da campanha eleitoral, o Juiz Eleitoral determinará a juntada dos elementos probatórios aos autos da prestação de contas.

Constata-se que os indícios em questão se referem a doações realizadas por beneficiários de programa social do governo – “Bolsa Família” – e por pessoas sem fonte de renda conhecida, incluindo recursos relativos ao próprio candidato, com o apontamento da hipótese de falta de capacidade econômica.

De acordo com a orientação expedida pela Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias do TSE, a tipologia da irregularidade sugere a realização de diligências perante os respectivos doadores. Contudo, verifico que tais diligências não foram realizadas.

Nessa linha, de ver que a presente prestação de contas seguiu o rito simplificado, consoante determina o art. 28, § 9º, da Lei n. 9.504/97, regulamentado no art. 57 e seguintes da Resolução TSE n. 23.463/15. Os arts. 61 e 62 da Resolução TSE n. 23.463/15 preveem:

Art. 61. Não existindo impugnação, não identificada na análise técnica nenhuma das irregularidades previstas no art. 60 e havendo parecer favorável do Ministério Público Eleitoral, as contas serão julgadas sem a realização de diligências.

Art. 62. Existindo impugnação, irregularidade identificada pela análise técnica ou manifestação do Ministério Público Eleitoral contrária à aprovação das contas, o Juiz Eleitoral examinará as alegações e decidirá sobre a regularidade das contas ou, não sendo possível, converterá o feito para o rito ordinário e determinará a intimação do prestador de contas para que, no prazo de setenta e duas horas, apresente prestação de contas retificadora acompanhada de todos os documentos e informações descritos no art. 48. (Grifei.)

Nesse contexto, observo que, in casu, a prestação de contas não foi impugnada. Tanto a análise técnica quanto a manifestação do Ministério Público Eleitoral foram no sentido de sua aprovação com ressalvas, sem apontar quaisquer das irregularidades previstas no rol do art. 60 da Resolução TSE n. 23.463/15 – a qual dispõe, como é cediço, sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições de 2016:

Art. 60. A análise técnica da prestação de contas simplificada será realizada de forma informatizada, com o objetivo de detectar:

I - recebimento direto ou indireto de fontes vedadas;

II - recebimento de recursos de origem não identificada;

III - extrapolação de limite de gastos;

IV - omissão de receitas e gastos eleitorais;

V - não identificação de doadores originários, nas doações recebidas de outros prestadores de contas.

Parágrafo único. Na hipótese de recebimento de recursos do Fundo Partidário, além da verificação informatizada da prestação de contas simplificada, a análise dos documentos de que trata o § 5º do art. 59 deve ser feita de forma manual, mediante o exame da respectiva documentação que comprove a correta utilização dos valores.

Assim, não identificada irregularidade atribuída ao prestador de contas, é possível apreciá-las, sem necessidade de conversão do rito em ordinário, ou, ainda, a realização de novas diligências.

Com efeito, o processo prescinde de novos elementos para o seu julgamento.

Inclusive, importa referir que o recorrente juntou farta documentação ao recurso (fls. 191-210), prestando esclarecimentos acerca das irregularidades apontadas, atinentes às doações recebidas.

Por essas razões, e diante da possibilidade de se proferir decisão favorável quanto ao mérito, como adiante se verá, afasto a preliminar de nulidade da sentença.

Mérito

Trata-se de irregularidade, na prestação de contas, do candidato ao cargo de vereador Vanius Vianna Nogueira, referente às eleições municipais de 2016 em Taquari.

O parecer técnico, elaborado à fl. 181, concluiu pela aprovação da prestação de contas eleitorais, afirmando que “não restaram caracterizadas inconsistências”.

O Ministério Público Eleitoral de piso, por sua vez, prestou parecer pela aprovação com ressalvas, decorrente da existência, ainda que não volumosas, de contribuições de pessoas inscritas em programas sociais e sem vínculo de emprego, revelando possível incompatibilidade entre o valor da doação e a situação econômica do doador (fl. 183).

O juiz eleitoral da origem desaprovou as contas do candidato diante do recebimento de doações por pessoas inscritas em programa social do governo ou sem renda comprovada, inclusive com relação a recursos próprios do candidato, na medida em que tal fato revelaria indícios de ocultação do verdadeiro doador.

O recorrente, em suas razões, afirmou que a sentença não levou em consideração o fato de que as doações referidas são da espécie estimável em dinheiro, decorrentes da cessão de veículos. Acompanhou o recurso, visando ao esclarecimento, documentação complementar como recibos, contratos e certificados de registro e licenciamento de veículos (fls. 191-210).

Tenho que o recurso deve ser provido, senão vejamos:

Comparando-se a listagem dos doadores beneficiários de programa sociais e/ou sem vínculo empregatício, apontados nos indícios de irregularidades encaminhados pelo Tribunal Superior Eleitoral (fls. 176-177), é possível constatar que as doações estão discriminadas como “receitas estimáveis em dinheiro” (fls. 68-71), decorrentes da cessão de bens móveis, conforme afirmado pela parte recorrente.

Destaco os seguintes dispositivos previstos na Resolução TSE n. 23.463/15, que trata da doação de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro nas prestações de contas eleitorais:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

[...]

Art. 19. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

[...]

Art. 53. As doações de bens ou serviços estimáveis em dinheiro ou cessões temporárias devem ser avaliadas com base nos preços praticados no mercado no momento de sua realização e comprovadas por:

I - documento fiscal ou, quando dispensado, comprovante emitido em nome do doador ou instrumento de doação, quando se tratar de doação de bens de propriedade do doador pessoa física em favor de candidato ou partido político;

II - instrumento de cessão e comprovante de propriedade do bem cedido pelo doador, quando se tratar de bens cedidos temporariamente ao candidato ou ao partido político;

III - instrumento de prestação de serviços, quando se tratar de produto de serviço próprio ou atividades econômicas prestadas por pessoa física em favor de candidato ou partido político.

§ 1º A avaliação do bem ou do serviço doado de que trata o caput deve ser realizada mediante a comprovação dos preços habitualmente praticados pelo doador e a sua adequação aos praticados no mercado, com indicação da fonte de avaliação.

§ 2º Além dos documentos previstos no caput e seus incisos, poderão ser admitidos outros meios de provas lícitos para a demonstração das doações, cujo valor probante será aferido na oportunidade do julgamento da prestação de contas.

Em cumprimento à legislação em regência, foram emitidos os recibos eleitorais e os respectivos instrumentos de cessão de bem móvel (fls. 76-116), bem como comprovadas as suas propriedades por meio dos certificados de registro e licenciamento de veículo (fls. 194, 198, 202, 206, 210).

Assim, não se constata qualquer irregularidade na prestação de contas nas receitas oriundas de bens estimáveis em dinheiro, em relação aos supramencionados dispositivos.

A possibilidade de falta de capacidade econômica dos doadores pode denotar, no entanto, fraude no recebimento de benefícios sociais, circunstância que deve ser apurada pelo órgão competente, na esfera apropriada, sem macular a regularidade das contas ora sob apreciação.

Relativamente às receitas decorrentes de recursos próprios, no valor de R$ 8.433,94, cabe mencionar, ademais, que não há nos autos como aferir os rendimentos do candidato, razão pela qual não se pode presumir sua falta de capacidade econômica.

Nesse sentido, agrego os seguintes fundamentos do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 215-218):

Em consulta aos autos, entretanto, observa-se que, aparentemente, as doações efetuadas pelos beneficiários pelo Bolsa Família consistem em cessão de bem móvel, mais especificamente, em cessão de veículos de sua propriedade, sendo que as doações foram estimadas em dinheiro, senão vejamos.

Em relação à doação de Diana Machado da Rocha, no valor de R$ 296,00, verifica-se que a mesma é beneficiária do Bolsa Família no valor de R$ 35,00 (fl. 176-A). Entretanto, a doação diz respeito ao Termo de Cessão de Bem Móvel (fl. 192), em que se contratou a cessão do uso do automóvel de marca GM/Meriva, 2004/2004, placa ILQ7681, de sua propriedade, conforme Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo de fl. 194.

No que tange à doação de Maria de Lourdes Bras da Silva, no valor de R$ 138,00, verifica-se que a mesma é beneficiária do Bolsa Família no valor de R$ 35,00 (fl. 176-A). Entretanto, a doação diz respeito ao Termo de Cessão de Bem Móvel (fl. 196), em que contratou-se a cessão do uso do automóvel de marca Fiat/Palio EDX, 1996/1996, placa IFH1719, de sua propriedade, conforme Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo de fl. 198.

Assim, o parecer da unidade técnica concluiu que não há inconsistências, sequer nas doações da espécie estimáveis em dinheiro, previstas no art. 19 da Res. TSE n. 23.463/2015.

Assim dispõe o referido artigo:

'Art. 19. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

§ 1º Os bens próprios do candidato somente podem ser utilizados na campanha eleitoral quando demonstrado que já integravam seu patrimônio em período anterior ao pedido de registro da respectiva candidatura.'

Constata-se, pois, que as doações realizadas pelas beneficiárias do Bolsa Família (Diana Machado da Rocha e Maria de Lourdes Bras da Silva), referem-se a doações de bens estimáveis em dinheiro, no caso, a cessão de uso dos veículos de propriedade das referidas doadoras, conforme documentalmente comprovado, embora em grau recursal, em conformidade com o art. 19, caput, da Res. TSE n. 23.463/2015.

No entanto, questionável se mostra, isto sim, o percebimento do benefício pago por programa social do Governo a quem é possuidor/proprietário de veículo, devendo tal fato ser reportado ao órgão responsável por analisar eventual manutenção/exclusão das beneficiárias dos pagamentos.

No tocante às doações feitas pelo próprio candidato, o juízo de 1º grau considerou incompatíveis com seus rendimentos.

De fato, o candidato VANIUS VIANNA NOGUEIRA efetuou as seguintes doações: R$ 968,00, R$ 6.000,00, R$ 2.000,00 e R$ 50,00, conforme listagem de doadores, cuja renda é incompatível com o valor doado, juntada à fl. 176-A.

Com efeito, o §1º do art. 21 da Res. TSE n. 23.463/2015 dispõe acerca das doações realizadas pelo próprio candidato em sua campanha, sujeitando-as até o limite de gastos estabelecido na forma do art. 4º para o cargo ao qual concorre:

'§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido na forma do art. 4º para o cargo ao qual concorre (Lei n° 9.504/1997, art. 23, §1°).'

O referido art. 4º da Res. TSE n. 23.463/2015 por sua vez dispõe:

'Art. 4º Os partidos políticos e os candidatos poderão realizar gastos até os limites estabelecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, nos termos dos arts. 5º e 6º da Lei nº 13.165/2015.'

No caso em apreço, o juízo de primeiro grau entendeu que as doações realizadas pelo próprio candidato à sua campanha são absolutamente incompatíveis com seus rendimentos, conforme a lista de Indícios de Irregularidades, que no item 5 aponta o candidato Vanius como doador, cuja renda é incompatível com o valor doado (fl. 176-A).

Não obstante, não há elementos nos autos capazes de identificar os rendimentos do candidato Vanius, a fim de que se possa examinar a referida discrepância entre os valores doados pelo próprio candidato à sua campanha e os seus rendimentos.

Logo, dentro desse contexto, não tendo sido identificada impropriedade e/ou irregularidade na prestação de contas do candidato, o recurso por ele interposto deve ser provido.

 

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo provimento do recurso, para reformar a sentença e julgar APROVADAS as contas do candidato VANIUS VIANNA NOGUEIRA.