RE - 32970 - Sessão: 07/03/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO UNIDOS SOMOS MAIS (PMDB – PSB – PTdoB – PDT – PSDB  – PSD – PSC – PR) em face da sentença do Juízo da 62ª Zona Eleitoral de Marau/RS (fls. 1.102-1.111), que julgou improcedente ação de investigação judicial eleitoral por captação ilícita de sufrágio e conduta vedada.

Em seu recurso, a coligação aduz a existência de provas da prática tanto de captação ilícita de sufrágio quanto da conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei das Eleições atribuídas aos representados. Refere que materiais pertencentes à prefeitura municipal, cargas de brita, foram entregues a eleitores a mando do vereador Jair Roy, com a anuência do prefeito Josué Longo, ora recorridos, utilizando-se ambos de suas funções e cargos, para a captação ilícita de votos dos beneficiários de tais materiais, distribuídos gratuitamente em período vedado pela legislação eleitoral. Postula, então, o provimento do recurso, a fim de que seja julgada procedente a representação (fls. 1.113-1.121).

Com contrarrazões (fls. 1.126-1.144), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do apelo (fls. 1.147-1.155).

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

No mérito, versa o presente feito sobre a imputação de prática de captação ilícita de sufrágio e conduta vedada (arts. 41-A e 73, § 10, da Lei n. 9.504/97):

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei n. 9.840, de 28.9.1999)

 

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Nos termos da doutrina e jurisprudência, a captação ilícita de sufrágio exige, para sua conformação, a presença dos seguintes requisitos: a) a prática de uma conduta; b) a existência de uma pessoa física; c) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto); d) o período temporal específico (o ilícito ocorre desde o pedido de registro até o dia da eleição). (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 573.)

No que diz respeito ao art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, é proibido à Administração Pública distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios em ano eleitoral, salvo em três hipóteses: a) calamidade pública; b) estado de emergência; c) programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Postas essas rápidas considerações, passo a examinar os fatos trazidos no presente processo.

Refere-se que o vereador Jair Roy, com a anuência de Josué Francisco, atual prefeito do Município de Marau/RS, teria procedido à distribuição gratuita de bens (cargas de brita) em período vedado pela legislação eleitoral, e com a finalidade de captação de votos, em benefício da candidatura de ambos na disputa à reeleição, o segundo tendo como vice em sua chapa o representado João Antônio.

A ação foi julgada improcedente, ao entendimento de não haver prova da captação ilícita de votos, tampouco de distribuição irregular de britas pertencentes à municipalidade.

Quanto à conduta descrita no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, transcrevo o que constou na sentença, incorporando como razões de decidir neste voto:

1. A captação ilícita de sufrágio

A imputação do ilícito eleitoral consistente na captação ilícita de sufrágio impõe ao postulante o ônus de provar o dolo de obter o voto (artigo 41-A, §1º), ou mesmo, em uma interpretação sistêmica, de conseguir abstenção (artigo 299 do Código Eleitoral).

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral costuma agregar os adjetivos 'robusta e inconteste' para individualizar o ônus que recai sobre o proponente (ilustrativamente, por todos: Ação Cautelar nº 79143, Acórdão de 25/03/2014, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Relator(a) designado(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 95, Data 23/05/2014, Página 67), a fim de aproximar o instituto das sanções eleitorais (que podem se definir como sanções administrativas) do instituto das sanções criminais e, consequentemente, afastá-lo do instituto das sanções civis. Em outros termos, o Tribunal Superior Eleitoral quer dizer que, em face da gravidade das consequências jurídicas previstas na legislação eleitoral, aplicam-se aos ilícitos eleitorais algumas garantias penais e processuais penais, especificamente a presunção de inocência e o corolário favor rei, afastando a possibilidade de um julgamento por verossimilhança, típico das sanções civis.

Essa é uma tendência que se verifica na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Tribunal Constitucional vs. Peru, sentença de 24 de setembro de 1999; Caso Baena Ricardo y otros Vs. Panamá, sentença de 2 de fevereiro de 2001) e no Supremo Tribunal Federal (ADPF n. 378, especialmente no voto do Ministro Fachin, em capítulos que acolhido pela maioria).

No caso em julgamento, a imputação se apoia precipuamente no depoimento do Sr. Aguilar Ruas, que, em juízo, relatou (transcrição livre):

AGUILAR ANTONIO RUAS: desempenhou função de confiança, diretor da secretaria de obras; era chamado pelo Prefeito, que orientou a dar atenção aos vereadores da coligação, atender a pedidos, pedidos de material; foi chamado pelo Jair Roy, outros falaram por telefone; documento só tem do Jair; Jair ligou da loja e pediu pra passar na loja; sentou e Jair começou a anotar endereço, telefone e material a ser entregue; Jair disse que a entrega era pra conseguir votos; desde o ano passado acontece, com essa finalidade passado; saiu da loja e foi diretamente ao parque de máquinas; chegou no parque de máquinas com o papel do Roy e entregou pro motorista Rubinho; Rubinho fez entregas porque foi determinado pelo depoente; o material que está relatado no papel entregue houve entrega; depois que o motorista faz a entrega, devolve; nenhuma vez acompanhou a entrega; não sabe o que o motorista dizia ao beneficiário; uma vez o Jair Roy ligou na frente do depoente e disse que seria entregue o material e pediu voto; essa pessoa que ouviu a ligação é da lista; o depoente tinha carta branca por ordem do Prefeito e dos vereadores; este ano aumentou muito o volume de entrega de materiais, até hoje sai bastante; a lista manuscrita pelo Sr. Jair Roy é a constante da fl. 15, foi a única que guardou, mas há várias; Danilo Pagnussat recebeu; Lucio Daniel recebeu; Rudimar Costa recebeu; Altair Lorenzatto recebeu; Juliano Marini também; Claudiomiro Pastre também; dessa lista não teve um que não recebeu; essa entrega não era por lei ou programa municipal, existem programas, mas não tem; o Prefeito e o Vereador pressionaram o depoente para devolver a lista, que não era pra segurar, isso foi antes; alguém mexeu na agenda e viu essa lista; o processo administrativo foi porque o depoente segurou a lista; o processo administrativo é por conta de um problema ambiental, algo aterrado em propriedade particular; de lá pra cá, sofreu ameaça pelos cabos eleitorais de Jair Roy, mas não registrou ocorrência; já foi ouvido no MP; os secretários não acompanham as entregas legais, decorrentes de programas sociais; Ismael Oliveira é secretário; o depoente nunca esteve junto numa entrega; passou por três secretários: Eder Rigo, Orides Luzi e Valdir Sozo; dos candidatos, o depoente tinha carta branca pra determinar, não tinha que passar por secretário nenhum; atendeu solicitações também do Anderson Rodigheri e Marciano Aguirre, que, na época, era Secretário de Educação; os vereadores da coligação adversária nunca pediram; não se lembra o nome da pessoa pra quem Jair Roy ligou na frente do depoente; o depoente nunca recebeu propina de ninguém, foi acusado porque tinha levado a multa e alegou isso pra ver se o Josué tirava a multa; não disse sobre isso no PAD porque são fatos diferentes, ninguém pediu sobre isso; o acidente alegado ocorreu e por isso não esteve presente no PAD, o comício que compareceu, do candidato IURA, foi à noite; colocaram a foto difamando no Facebook, então foi fazer a denúncia; não foi orientado por terceiros a fazer essa denúncia por fins políticos; não foi o depoente que recebeu o BO para o Jornal de Marau; não recebeu dinheiro; várias vezes o Prefeito Josué pedia pra olhar os bilhetes, se fosse do lado dele era pra entregar; Josué pedia pra, qualquer que fosse o vereador, que passasse o bilhete pra ele ver; sabia que iria poder direto pro parque de máquinas quando o Prefeito não estava; Josué queria saber mais quando o pedido era de Anderson ou Marciano, de Jair Roy algumas vezes; não conhece leis municipais de programas sociais; questionou várias vezes o Prefeito e Jair Roy sobre essas entregas; nunca denunciou porque ficou com medo de ser mandado embora; certeza que dessa lista apresentada na polícia não tem protocolo; a lista era devolvida para o controle do depoente, pra não entregar duas vezes; acredita que essa lista tenha sido por volta de março, abril, não se recorda; Jair era vereador nessa época; as entregas ocorreram no princípio de 2016 até o meio do ano; houve entregas lícitas também em 2016; acha que essa lista do Jair Roy foi março de 2016; no início do ano, eram outras listas que não guardou; não foi pessoalmente fazer a entrega dos materiais; não conhece nenhuma das pessoas da lista; não teve conversa, não se lembra, com pessoas da lista; o depoente já trabalhou para a secretaria das cidades e tinha carro da Prefeitura pra rodar; nunca levou pacientes de Marau para consultas em Passo Fundo/RS; antes disso, nunca havia trabalhado na Prefeitura; sobre o período dos fatos que consta no BO, referiu isso na delegacia; esse período se refere às entregas da lista; confirma o teor do BO, inclusive quanto ao motivo de ter sido mandado embora.

Não obstante o indeferimento da contradita - que ainda se acredita seja a resposta adequada ao respectivo problema jurídico -, o aludido depoimento deve ser integrado à decisão com ressalvas.

Explicita-se.

No contexto do oferecimento da referida notícia-crime perante a Autoridade Policial pelo Sr. Aguilar Ruas, o noticiante estava sendo sindicado administrativamente por, supostamente, ter destinado material público a particular e ter se utilizado de bem público, mediante cobrança indevida, para fins particulares (Portaria de instauração de f. 81 e Relatório da comissão de fs. 287/302). O denunciante havia sido exonerado pelo requerido Josué Francisco da Silva Longo, Prefeito Municipal, e relaciona o evento (sindicância e exoneração) a uma tentativa de transferência de responsabilidade sobre fatos lesivos ao erário.

A moldura fática faz com que, por dever de integridade, o depoimento do Sr. Aguilar Ruas seja equiparado a uma delação/colaboração premiada, nos moldes regulamentados pela Lei 12.850/2013, a qual, a fim de que não seja considerada como uma verdadeira 'extorsão premiada', não passa de um meio de obtenção de prova (limite semântico do artigo 3º, caput, da aludida lei), isto é, não é um meio de prova propriamente dito, mas, sim, um instrumento que permite o encontro de provas.

Todavia, a delação do Sr. Aguilar Ruas não conduziu a persecução eleitoral à produção de qualquer prova da prática delatada.

Em juízo, a única pessoa que integrava a malsinada lista de eleitores beneficiários a ser ouvida foi o Sr. Rudimar Costa, que negou a prática de qualquer entrega de materiais em troca de voto ou abstenção e cujo relato não permite a extração do respectivo dolo de qualquer das circunstâncias objetivas narradas. Leia-se a transcrição livre de seu depoimento judicial:

RUDIMAR COSTA: o depoente pediu brita pra quem via, pois precisava pra colocar na estrada e carregar o caminhão de alface; tá pedindo a brita desde fevereiro, desde que março chegou; a brita é pra estrada, mora em São José do Ricio; não chegou a fazer protocolo, mas teve uns quantos que pediram; se encontrou com esse Sr. Jair Roy e pediu pra ele; recebeu em março, fevereiro ou março; os vizinhos queriam também, mas não sabe se pediram também; beneficiou bastante moradores, tem uns dez, fora os que tem terreno; não pediu a brita em troca de voto, Jair Roy não pediu voto, o depoente nem sabia que ele seria candidato; o depoente pediu o caminho pra conseguir e o Jair Roy pediu pra ir num escritório que eles têm pra fazer autorização, um protocolo pra fazer o pedido, mas não foi atrás; certo dia a brita tava lá; o telefone do depoente é o que consta na f. 15; é marido da Monica Andres Costa, não sabe a preferência política dela, não sabe se ela tá fazendo campanha, ela é professora, trabalhando na secretaria, acha que tem cargo de confiança; não ligaram quando a carga estava indo; foi ligado sim pois não tinham achado onde era o lugar, mas não lembra quem ligou, não foi o Roy; encontrou-se com o Roy na rua e foram só duas ou três palavras; o material foi colocado na rua; o depoente tem residência em Marau e uma propriedade em Arroio Cestiado; a propriedade fica antes da ponte; frequenta todo dia essa propriedade; mostrada na f. 15, não conhece; não sabe como o telefone do depoente foi parar, não sabe como tinham o telefone do depoente.

No âmbito extrajudicial, outros supostos eleitores beneficiários foram ouvidos pelo Ministério Público Eleitoral (fs. 390/394), mas nenhum deles, igualmente, confirmou a prática de qualquer entrega de materiais em troca de voto ou abstenção nem trouxe qualquer circunstância fática que permitisse a extração do respectivo dolo.

Ao encontro da tese da Coligação requerente, existe, tão somente, a confirmação, por parte do requerido Jair Roy, de ser o autor da listagem acostada às fls. 15 e 1.056/1.057. Porém, da elaboração da listagem, não se pode deduzir (quando muito, induzir-se como mera possibilidade) o dolo de obtenção de voto ou abstenção. Até porque, da listagem, há, nos autos, prova de que a entrega a Rudimar e Altair foi procedida de protocolo (fls. 322/325), procedimento tido por usual pelo Poder Executivo marauense. Além disso, Narciso, ouvido pelo Ministério Público, afirmou, outrossim, ter realizado o devido protocolo do pedido perante a Prefeitura Municipal (fl. 392). Conclui-se, portanto, que, nestes autos, não foi produzida prova suficiente do substrato fático exigido pelo artigo 41-A da Lei 9.504/97. Igual percepção foi externada pelo Ministério Público Eleitoral, que se dedicou acostumadamente às diligências investigativas que deveriam ter sido produzidas pela Coligação postulante, mas não o foram:

'Pois bem. Num depoimento um tanto confuso, o Sr. Aguilar, de modo diverso do que havia consignado no registro de comunicação de ocorrência que fez, acusou os Representados Jair e Josué de terem lhe dado ordem para fazer entrega de materiais da Prefeitura em troca de votos.

E disse que foi mandado embora da Prefeitura, já que titularizava cargo em comissão, porque teria questionado tais entregas de materiais.

Ora, numa análise da documentação juntada em prol dos Representados, bem se vê que o motivo da exoneração do Sr. Aguilar de Ruas do cargo que ocupava na Prefeitura foi outro, e bem diferente.

Aguilar, ao que se vê, foi exonerado em virtude da existência de elementos fáticos que deram conta de que recebeu 'propina' de particulares, para executar serviços com maquinário e material da Prefeitura.

Diante disso, verifica-se que não há como descartar a hipótese de que a acusação lançada por Aguilar contra, principalmente, os candidatos Jair e Josué, tenha se dado com o propósito de infirmar o contexto que culminou na sua exoneração, valendo-se de informações privilegiadas para se voltar contra a sua penalização.

Aliás, e a reforçar isso, basta atentar para o fato de que Aguilar, ao depor na própria sindicância, não fez qualquer menção de que os Representados Josué e Jair teriam lhe dado ordens para que obtivesse 'votos' em favor de ambos.'

E na resposta pelos Representados, convém destacar, porque devidamente documentado:

'Ao acessar a Sindicância movida em face do Sr. Aguilar Ruas, se pode verificar que no depoimento tomado pelo Sr. Aguilar Ruas no referido processo (ata nº 12/2016, FLS. 35), que se deu na mesma data que é feito o registro de ocorrência policial, o mesmo nada refere acerca do Prefeito Municipal, do vereador Jair Roy ou de qualquer 'suposto' esquema de entrega de materiais' (fl. 39).

O mesmo, como dito antes, se vê no próprio registro de comunicação de ocorrência feito pelo Sr. Aguilar na Delegacia de Polícia.

Além do mais, Aguilar também não esclareceu o período exato em que foram feitas as supostas entregas em troca de votos, sendo que demonstrou hesitação ao dizer que a lista contendo nomes de supostos beneficiários de brita teria sido escrita por Jair Roy ainda em março deste ano.

Não obstante, e focando-se ainda no restante da prova, mas agora naquilo que foi produzido pela Representante (ou melhor, naquilo que deixou, ou não foi, trazido aos autos a título de prova), observa-se, de início, que os supostos beneficiários da entrega de brita em troca de votos, que foram arrolados como testemunhas na inicial da representação, não prestaram depoimento em juízo. E o ônus de trazê-los para depor era da Representante, no que, ao não fazê-lo, houve perda automática da prova.

Por outro lado, apesar de não terem sido ouvidos em juízo, pelo menos parte dos supostos beneficiários prestou depoimento na Promotoria de Justiça.

E mediante concordância das partes, o Ministério Público Eleitoral disponibilizou cópia dos termos relacionados às oitivas de Danilo Pagnussat, Claudiomiro Pastre, Narciso Francisco Ramalho e Juliano Marini, cujos nomes constavam na lista manuscrita apresentada por Aguilar.

Neles, nos termos, constata-se uma única tônica: todos negaram que tivessem sido favorecidos com materiais da Prefeitura em troca de votos. Aliás, houve repulsa de tais testemunhas a isso, sendo que daquilo que disseram, sequer é possível extrair que conheciam o Sr. Aguilar previamente, e principalmente a ponto de se favorecerem da pessoa do então denunciante.

Mas não é só.

'Rubinho', o tal motorista citado por Aguilar como sendo o responsável pelas entregas de materiais supostamente em troca de votos (ou parte delas), não foi arrolado como testemunha na inicial.

E pela lógica daquilo que foi dito por Aguilar, não há como descrer que também de sua parte havia motivos para 'esperar' que não só as pessoas citadas na lista confirmassem a acusação que lançou, mas também o próprio 'Rubinho' - afinal, era 'Rubinho', de acordo com Aguilar, quem fazia as entregas (ou não?).

E mais: causa espécie igualmente o fato de Aguilar, no depoimento em juízo, ter citado mais dois vereadores que supostamente solicitavam materiais - Anderson Rodigheri e Marciano Aguirre.

Tais vereadores, ao que se vê do registro de comunicação de ocorrência na Delegacia de Polícia feito por Aguilar, não foram citados, e o mesmo aconteceu no próprio depoimento de Aguilar na Promotoria de Justiça, onde foi desencadeada investigação apenas em relação aos Representados Jair e Josué. Em seguimento, com relação às fotografias juntadas na inicial, com o propósito de supostamente, também, comprovar a noticiada prática, igualmente nada de concreto adveio nesse sentido.

As testemunhas Marivaldo e Ângelo, em linhas gerais, apenas disseram que com base em informações recebidas, de que teria aumentado o número de entregas de materiais a partir da movimentação de saída de caminhões do Parque de Obras, passaram, então, a seguir os caminhões pela cidade, de onde então efetuaram algumas fotografias.

Em momento algum de seus relatos é possível extrair que tenham presenciado, de fato, alguma ilegalidade, ou mesmo pedido de 'troca de votos'.

Enfim, tais aportes atestam, satisfatoriamente, que não houve comprovação de entrega de materiais em troca de votos, ainda que o Representado Jair, em juízo, tenha admitido que era sua a letra da lista manuscrita que estava de posse de Aguilar.

Isso porque, embora a assunção por parte de Jair sobre a escrita da lista desse azo a uma série de outros questionamentos, ou mesmo à reprovação de seu agir, por supostamente não ter observado aspectos básicos de transparência no trato da coisa pública, do ponto de vista eleitoral, mesmo assim não há como vislumbrar, no caso concreto, que tenha realmente captado votos ilicitamente, em conluio com o candidato Josué.

Ademais, também daquilo que disseram, Adriana Brocco, Valdir Sozo, Rogério Timbola e Ismael Antônio Pelissari de Oliveira, Secretários Municipais da atual administração, constata-se que o então Prefeito (e candidato à reeleição) Josué não tinha qualquer ingerência sobre as entregas de materiais, especialmente de brita, a partir dos programas de auxílio ao cidadão previstos em lei. Ainda, as nominadas testemunhas igualmente referiram que todos os vereadores, por vezes, igualmente faziam pedidos de materiais à Prefeitura, em favor de cidadãos.

E, por fim, ainda no contexto que ora se examina, os Representados trouxeram a testemunha Rudimar Costa, supostamente beneficiário e cujo nome igualmente constava na lista manuscrita em poder de Aguilar.

Rudimar, naquilo que pertine, em seu depoimento, confirmou que efetuou pedido de brita na Prefeitura, após ter sido orientado pelo Vereador Jair a fazê-lo dessa forma. Também, disse que a brita foi entregue pela Prefeitura e beneficiou um grande número de pessoas, pois ela foi posta na estrada municipal que dá acesso a várias propriedades rurais, dentre as quais a sua. Igualmente, negou que alguém da administração, ou mesmo os Representados, tivessem efetuado pedido de votos em troca da brita.

Portanto, não há falar na comprovação, certeira, de que teria existido um suposto 'esquema' de entrega de materiais em troca de brita. (Grifei.)

Portanto, não havendo prova da entrega dos aludidos materiais (brita) em troca de votos, é de rigor a manutenção da sentença de improcedência.

Aliás, é de se ressaltar que o Ministério Público Eleitoral de piso colocou em dúvida a própria acusação feita por Aguilar, no sentido de que os candidatos Jair e Josué teriam entregue materiais em troca de votos, pois ficou evidenciado nos autos que esse cidadão foi exonerado do cargo que ocupava na prefeitura, em face de elementos fáticos que deram conta de que recebeu 'propina' de particulares para executar serviços com maquinário e material da municipalidade.

Diante desses motivos, o parquet eleitoral referiu não descartar a hipótese de que a acusação tenha ocorrido para "infirmar o contexto da exoneração de Aguilar Antonio Ruas".

Ademais, a imputação de que tais entregas teriam se efetivado em março do ano da eleição encontra óbice no requisito da tipicidade à caracterizar o disposto no art. 41-A da LE, pois a conduta deve ocorrer no lapso temporal compreendido entre o registro da candidatura e o dia da eleição, ou seja, julho a outubro.

Na sequência, cumpre examinar se há demonstração da conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97. Proíbe-se, como dito acima, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios em ano eleitoral, exceto os casos de calamidade pública, estado de emergência ou programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

O ponto controvertido é verificar se há programas sociais previstos em lei que permitam a distribuição de brita e se já se encontravam em execução orçamentária no exercício anterior ao ano eleitoral, pois a efetiva entrega desses materiais foi atestada pela prova testemunhal, conforme muito bem observado na sentença:

VALDIR SOZO: secretário da cidade do Município de Marau; para obras públicas, não tem protocolo, mas registra a saída; para particulares autorizados por lei, exige-se protocolo; Aguilar foi processado e demitido por haver denúncia de que estava usando materiais para fins particulares; o Prefeito o exonerou; ouviu muitos boatos, mas não conhece o processo; depois do secretário, estava o Aguilar; Aguilar fazia muita coisa por conta, tinha autonomia pra isso; muitos vereadores pedem diversos serviços, pessoalmente, por telefone e por meio da própria Câmara, através de ofício; uma vez feito o pedido, o secretário ou coordenador verá a necessidade de atender; isso o Prefeito nem sabe, cabe ao secretário decidir; todos os vereadores pediram, tanto da situação quando da oposição; mostrada na f. 15, o depoente tem algumas coisas escritas assim, se for pra fins públicos, atende, pra passeio, exige protocolo; mostrada na f. 19, pode ser pra passeio, mas não tem conhecimento do fato; f. 20, não tem conhecimento do fato no mandato do depoente; pra particular não existe, só pra passeio público, que tem que ter protocolo, pra particular não tem; há registro de entrada e saída de brita, mas não tem ideia de quantas cargas são feitas mensalmente; hoje, tem mais de 150 pedidos de brita protocolados e não entregou por conta política; não é costume o secretário ir junto fazer entrega, tem um fiscal que vai fiscalizar essas coisas; as secretarias que lidam com isso são a de obras e a de agricultura e também pode vir ordem da assistência social e habitação; a maioria da brita do município pra cidade é comprada, o britador é praticamente só para o interior; o município tem registro de quantas britas comprou e vendeu ao longo dos anos; normalmente, o Prefeito não fica sabendo dessas entregas; nenhum vereador pediu ao depoente pra onde iriam as britas; o Aguilar tinha poderes pra determinar entregas, mas não sabe se entregou, ele tinha autonomia e não dava muita satisfação não; os protocolos ficam guardados em arquivo; os controles de saída ficam guardados; não teve ordem, não conhece ordem pra suspender entregas legais em 2016; na lei orçamentária, há rubricas específicas.

De qualquer sorte, o que importa, no ponto, é examinar se o programa social, além de previsto em lei, estava em execução orçamentária no exercício anterior ao ano eleitoral. Somente a perfectibilização desse binômio torna a conduta lícita, o que, conforme caderno probatório, restou comprovado.

Novamente, peço vênia para transcrever a análise procedida pelo juízo a quo:

A prova de que existe previsão legal de programas sociais que permitem a distribuição de brita à população marauense está às fls. 303/320.

A Lei 1.687/1992 autoriza a concessão de subsídios ao setor agropecuário de Marau, inclusive para 'melhoria das benfeitorias existentes' (artigo 3º, V), com fornecimento de material, insumo, cessão de máquina, matrizes etc (artigo 14). A Lei 3.382/2005, com as alterações promovidas pela Lei 4.813/2012, instituiu o 'Programa Municipal de Construção de Passeio Público em Parceria', autorizando que o Município assuma 'o compromisso de realizar, direta ou indiretamente, o projeto, alinhamento, nivelamento e preparo final da cancha, colocando todos os materiais necessários para a execução da obra' (artigo 3º).

A Lei 4.591/2010, que dispõe sobre a polícia habitacional de interesse social, por sua vez, prevê que tal poderá ser implementada pela 'doação de materiais de construção' (artigo 1º, §1º, inciso I), incumbindo ao Poder Público Municipal 'fornecer materiais para a construção e reforma ou recuperação total ou parcial de habitações populares' (artigo 1º, §2º, III).

Igualmente, há prova de que tais programas sociais têm dotação orçamentária para 2016 e já se encontravam em execução no exercício anterior (2015).

O primeiro elemento de prova responsável por essa convicção está nos desdobramentos das leis orçamentárias anuais de 2015 e 2016, que preveem expressamente a dotação dos programas de passeio público e de política habitacional (fs. 763, 777, 902 e 915).

O segundo elemento está no termo de apuração de denúncia n. 04/2016 (fs. 403/406), no qual a Unidade Central de Controle Interno atesta a execução orçamentária no ano anterior ao afirmar que, em 2015, o Município distribuiu 513,5m³ de brita, especificamente para o Programa Municipal de Construção de Passeio Público.

Pode-se ainda afirmar que a prova oral corrobora a aludida documentação no que pertine à execução orçamentária em 2015, pois praticamente todas as testemunhas realizaram afirmações das quais decorre a compreensão de que as entregas de britas sempre ocorreram ao longo do ano anterior. Até os depoimentos das testemunhas Marivaldo e Angelo auxiliam essa compreensão, uma vez que se dispuseram a investigar as entregas por um suposto aumento de volume no ano eleitoral (por ser um conceito relacional, deduz-se de modo inafastável que advém de uma comparação com o volume de entregas de período precedente).

Saliente-se que um exame mais minucioso do que o realizado acima não é possível pela constatação compartilhada com a Unidade Central de Controle Interno de que

'- A secretaria não dispõe de lista de contribuintes que receberam brita;

- Possui apenas talão de solicitações de serviços em geral para contribuintes; [...]

O município possui sistema informatizado para controle de materiais, porém, não está sendo utilizado, desta forma as informações geradas não apresentam confiabilidade, pois as planilhas excel podem ser modificadas a qualquer momento sem ficar gravado o registro da alteração.' (fl. 403)

A apuração e o eventual sancionamento de tal conduta omissiva transborda os limites objetivos desta lide e, até, os limites permitidos à jurisdição eleitoral. Certamente - e aqui se diz como mero obter dictum -, as circunstâncias apontadas no termo de apuração de denúncia n. 04/2016 merecem a apuração imparcial pelos órgãos competentes, em sede própria, a fim de que, se necessário, a execução dos programas sociais e o controle de estoque e distribuição de materiais passem a respeitar os ditames de uma administração proba.

Para fins eleitorais, no entanto, a constatação de que (I) não há prova suficiente da captação ilícita de sufrágio e de que (II), em abstrato (limite imposto pelo não provado pela Coligação requerente, consoante explicitado acima), a distribuição de brita encontra previsão legal e orçamentária, com regular execução no exercício anterior (2015), é suficiente para a completa solução do litígio, construindo-se a resposta certa para o problema jurídico proposto. (Grifei.)

Dessarte, à míngua de prova no sentido da entrega de materiais em troca de voto, bem como evidenciada a ressalva legal para que seja considerada lícita a conduta de distribuição de bens em ano eleitoral (autorização legal e execução orçamentária no exercício anterior), deve ser mantido o juízo de improcedência da representação.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.