RE - 30112 - Sessão: 09/03/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por LUIS HENRIQUE PEREIRA DA SILVA, IVAN ANTÔNIO GUEVARA LOPEZ e SIDNEY JESUS MATTOS BRETANHA contra a sentença (fls. 181-190), que julgou parcialmente procedente a ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, considerando caracterizado o abuso de poder econômico, mediante a compra de apoio político e desistência de candidaturas, e decretando a cassação do registro de candidatura de Luis Pereira, Ivan Lopes e Sidney Bretanha, bem como a inelegibilidade de Luis Pereira e Sidney Bretanha por 08 anos.

Em suas razões recursais (fls. 196-213), Luis Henrique Pereira da Silva e Ivan Antônio Guevara Lopez suscitaram preliminar de ilegitimidade passiva. Argumentam ser ilícita a gravação clandestina realizada sem autorização judicial. Aduzem que as conversas gravadas foram armadas para gerar a cassação dos recorrentes, inclusive com a edição do áudio, e que as testemunhas tinham interesse direto no resultado da representação, pois opositores políticos dos recorrentes. Requerem o acolhimento da prefacial e, no mérito, a improcedência da ação.

Sidney Jesus Mattos Bretanha (fls. 217-233) suscita a ilicitude da gravação clandestina juntada aos autos. Argumenta ter requerido realização de perícia no áudio, mas o magistrado nem sequer analisou o pedido, ocasionando cerceamento de defesa apto a acarretar a nulidade da sentença. Acosta ao recurso reportagem jornalística retratando as testemunhas comemorando o resultado da presente ação e a relação econômica existente entre Max Botelho e Deivi, requerendo a conversão do feito em diligências para a oitiva de Max Botelho. No mérito, aduz ter realizado campanha com parcos recursos, incapaz de caracterizar poder econômico. Sustenta que Deivi, nos contatos mantidos com o recorrente, forçou a obtenção de ajuda financeira, sem o consentimento do recorrente com essa pretensão. Requer a improcedência da ação e, sucessivamente, que seja anulada a sentença para realização de novas diligências.

Com as contrarrazões (fls. 247-263v.), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento dos recursos (fls. 267-285).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura (relator):

 

PRELIMINARES

Tempestividade:

Os recursos são tempestivos, pois interpostos dentro do tríduo estabelecido no art. 258 do Código Eleitoral. A sentença foi publicada no dia 24.11.2016 (fl. 191v.); e os recursos, interpostos nos dias 24 e 26 do mesmo mês. Merecem ser conhecidos, portanto.

 

Ilegitimidade passiva de Luis Pereira da Silva e Ivan Guevara Lopes:

Os recorrentes suscitam preliminar de ilegitimidade passiva de Luis Pereira da Silva e Ivan Guevara Lopes, prefeito e vice, respectivamente, e candidatos à reeleição, pois não teriam participado da conversa entre Sidney Bretanha e Deivi de Oliveira, gravada por este último e que deu origem à presente ação.

A preliminar não merece ser acolhida, pois Luis Pereira, segundo afirma a inicial, teria articulado a atuação de Sidney. Ademais, os candidatos seriam beneficiários da ação, pois o suposto apoio seria dado também aos candidatos da eleição majoritária.

Dessa forma, a pretendida ilegitimidade confunde-se com o mérito, pois necessária a análise do conjunto probatório para determinar a responsabilidade ou benefício dos candidatos com o alegado abuso de poder.

 

Requerimento de perícia sobre o áudio:

Os recorrentes alegam ser vítimas de uma armação de seus opositores políticos para conseguirem a cassação de seus registros, e Sidney Jesus de Mattos Bretanha afirma que o áudio juntado aos autos foi editado, com supressão de partes das conversas, requerendo a realização de perícia sobre a aludida prova, a qual não foi realizada em primeiro grau, acarretando cerceamento de defesa dos representados.

Deve ser indeferida a diligência pretendida, pois não resta evidenciada a necessidade da prova.

Ao escutar as gravações de áudio, não se verifica qualquer indício de adulteração dos arquivos. As conversas podem ser ouvidas de forma clara e sem interrupções, e os diálogos transcorrem de forma coerente e contínua, sem interferências que evidenciem uma eventual edição dos arquivos.

Dessa forma, ausentes indícios de que o áudio tenha sido fraudado, deve ser indeferido o pleito de perícia técnica sobre o aludido documento.

 

Requerimento da oitiva de Max Botelho:

O recorrente Sidney Jesus de Mattos Bretanha requer, ainda, a conversão do feito em diligência, para que seja colhido o testemunho de Max Botelho, cuja necessidade somente foi descoberta após a sentença.

Segundo argumenta, Deivi de Oliveira é instrutor de artes marciais e teria procurado os recorrentes porque estava preocupado com seu futuro profissional, pois o tatame da academia onde dava aulas foi vendido, indicando que seu curso seria encerrado.

Entretanto, a edição de 24 de novembro do jornal A Evolução, publicado após a sentença, trouxe uma fotografia na qual Deivi de Oliveira aparece comemorando o resultado da ação junto a Max Botelho (fl. 235), pessoa que adquiriu o tatame usado por Deivi e patrocinador da sua equipe, como evidencia nota publicada na mesma edição (fl. 237).

O recorrente argumenta, então, que a própria venda do tatame teria sido forjada para induzir o juízo em erro acerca da real situação financeira de Deivi, pois o adquirente do tatame é pessoa próxima a ele e patrocinador de seus eventos, e não iria prejudicá-lo.

Conforme pacífico entendimento do egrégio TSE, “o art. 270 do Código Eleitoral permite a juntada de documentos na fase recursal perante os tribunais regionais eleitorais nas hipóteses de 'coação, fraude, uso de meios de que trata o art. 237 ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios” (ED em AR em RESPE n. 44208, Relator designado Min. João Otávio de Noronha DJE: 27.10.2015).

Todavia, o dispositivo não desvirtua o curso normal da ação, segundo o qual a instrução probatória deve ser realizada no momento oportuno, perante o juízo de primeiro grau e antes da sentença. A produção de provas na fase recursal, portanto, é medida excepcional.

Ademais, a colheita do testemunho de Max Botelho poderia, no máximo, demonstrar a relação econômica e de amizade com Deivi e serviria para levantar uma possível suspeita sobre a alegada armação dos candidatos da oposição contra os recorrentes. A prova pretendida não contradiz diretamente outras provas produzidas, a ponto de ser considerada imprescindível para o esclarecimento dos fatos.

Diga-se ainda que a aquisição do tatame por Max Botelho está demonstrada nos autos (fl. 29), e há informação de que Deivi estava dando aulas no ginásio Max Center (fl. 33). Assim a eventual relação econômica e de amizade entre Deivi e Max não pode ser considerada fato novo, pois a notícia dessa possível relação já constava em documentos acostados à inicial e poderia ter sido aventada no momento oportuno.

Dessa forma, deve ser indeferida a pretendida conversão do feito em diligências, prosseguindo-se o julgamento dos recursos.

 

MÉRITO

Ilicitude da gravação ambiental:

Os recorrentes sustentam que as gravações feitas por Deivi de Oliveira ofendem a Constituição Federal, especificamente os princípios da privacidade e intimidade, e necessitavam de autorização judicial para serem realizadas.

Inicialmente, as gravações juntadas aos autos não foram obtidas por interceptação telefônica, meio de prova no qual terceiro estranho aos interlocutores capta a conversa e que está efetivamente sujeito à reserva judicial, por força do art. 5º, inc. XII, da CF.

Ao contrário, houve a gravação por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. Nessa hipótese, não há que se falar em necessidade de autorização judicial, pois não há interceptação, e sim gravação por um dos envolvidos no diálogo. Porém o conteúdo da mídia pode estar submetido à tutela da intimidade ou privacidade, nos termos do art. 5º, inc. X, da Constituição Federal, quando a conversa em si tratar de temas que mereçam a proteção desses direitos fundamentais constitucionais.

Nessa hipótese, nem mesmo o interlocutor poderia testemunhar sobre a conversa, pois o direito fundamental à intimidade preserva o seu conteúdo propriamente dito, e não a gravação. Excepcionadas tais situações, é perfeitamente possível que um diálogo seja gravado por um dos interlocutores, conforme já definiu o egrégio Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, como se extrai da seguinte ementa:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. "É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.”

(RE 583.937-QO-RG, Relator Min. CEZAR PELUSO, julgamento em 19.11.2009, Plenário, DJE de 18.12.2009.) (Grifei.)

No caso dos autos, as conversas gravadas por Deivi de Oliveira com Sidney Bretanha e Luis Henrique da Silva não tratavam de nenhum tema especialmente protegido pela privacidade. Ao contrário, falaram sobre um acerto para Deivi passar a apoiar a candidatura dos recorrentes, o qual poderia ser reproduzido em audiência por qualquer um dos interlocutores, sem qualquer ofensa à Constituição Federal.

Ademais, as conversas foram realizadas em ambiente público, uma na academia de ginástica onde Deivi trabalhava e outra, embora tenha se iniciado dentro do carro de Sidney, terminou em espaço público, enquanto conversavam com o prefeito. Assim, nenhuma expectativa de privacidade de Sidney foi frustrada.

Lícita, portanto, a gravação juntada aos autos, conforme pacífica posição desta Corte:

Ação Penal. Imputação da prática do crime de corrupção eleitoral. Artigo 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Competência originária deste Regional para o julgamento, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função.

Matéria preliminar afastada. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Entendimento sedimentado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Não evidenciada a inépcia da inicial, vez que clara a descrição dos fatos.

Distribuição de cestas básicas a eleitores em troca de voto. Conjunto probatório frágil quanto à compra de votos narrada na inicial. Prova testemunhal contraditória, embasada em depoimentos de eleitores comprometidos com adversário político, que não conduz à certeza acerca da materialidade dos fatos alegados. Imprescindível, para um juízo de condenação na esfera criminal, a verdade material, alcançada por meio da produção de provas do fato e da respectiva autoria.

Improcedência.

(Ação Penal de Competência Originária n. 46366, Acórdão de 02.12.2015, Relator Des. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 223, Data 04.12.2015, Página 4.) (Grifei.)

Afasto, assim, a pretensão de reconhecimento da ilicitude da gravação.

 

Abuso de Poder Político e Econômico:

Sustenta a inicial que os representados Luis Henrique Pereira da Silva, prefeito candidato à reeleição, e Sidney Jesus Mattos Bretanha, candidato ao cargo de vereador, ofereceram benesses a Deivi de Oliveira, candidato a vereador por coligação adversária, para que desistisse de sua campanha e passasse a apoiar a candidatura de Luis e Sidney, conduta caracterizadora de abuso de poder econômico e político, o qual está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, cujo teor segue:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

O abuso de poder é instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, cite-se a doutrina de Carlos Velloso e Walber Agra:

O abuso de poder econômico e do político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade.

(Elementos de Direito Eleitoral. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010. p. 377.)

No tocante especificamente ao abuso mediante compra de apoio político, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral pacificou entendimento no sentido de ser possível a sua configuração.

Após concretizarem-se as candidaturas e ser estabelecido o cenário político, a captação de adversários para que desistam de suas campanhas e passem a apoiar outras mediante a oferta de dinheiro ou promessas de outras benesses ultrapassa o comportamento legítimo e regular de uma disputa política, abandonando a formação de alianças por ideais e projetos públicos para constituí-las por meio do poderio econômico ou do domínio da máquina pública.

Essa captação do apoio político de adversários possui uma gravidade ínsita, capaz de alterar a legitimidade do pleito, na medida em que a conformação política inicialmente consolidada é redimensionada pela conduta abusiva, transferindo o apoio político de adversários para aumentar o seu próprio corpo de apoiadores. Há, com isso, inequívoca quebra da normalidade do pleito.

Nesse sentido, é o pacífico entendimento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, conforme se verifica pelos seguintes julgados:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AIJE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. COMPRA DE APOIO POLÍTICO. CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. A negociação de apoio político, mediante o oferecimento de vantagens com conteúdo econômico, configura a prática de abuso do poder econômico, constituindo conduta grave, pois exorbita do comportamento esperado daquele que disputa um mandato eletivo e que deveria fazê-lo de forma equilibrada em relação aos demais concorrentes (REspe nº 198-47/RJ, de minha relatoria, DJe de 3.2.2015).

2. A aferição da gravidade, para fins da caracterização do abuso de poder, deve levar em conta as circunstâncias do fato em si, não se prendendo a eventuais implicações no pleito, muito embora tais implicações, quando existentes, reforcem a natureza grave do ato.

3. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 25952, Acórdão de 30.6.2015, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 14.8.2015.)

 

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. APOIO POLÍTICO. NEGOCIAÇÃO. CANDIDATOS. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO. REGISTRO. CASSAÇÃO. INELEGIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. A oferta de valores a candidato, com intuito de comprar-lhe a candidatura, configura a prática de abuso do poder econômico.

2. A aferição da gravidade, para fins da caracterização do abuso de poder, deve levar em conta as circunstâncias do fato em si, não se prendendo a eventuais implicações no pleito, muito embora tais implicações, quando existentes, reforcem a natureza grave do ato.

3. A negociação de candidaturas envolvendo pecúnia, sobretudo quando já deflagradas as campanhas, consubstancia conduta grave, pois exorbita do comportamento esperado daquele que disputa um mandato eletivo, e que deveria fazê-lo de forma equilibrada em relação aos demais concorrentes.

4. Recurso desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 19847, Acórdão de 03.02.2015, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 42, Data 04.3.2015, Páginas 219/220 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 26, Tomo 1, Data 03.02.2016, Página 385.)

Na hipótese, está demonstrado que Sidney Mattos Bretanha ofereceu a Deivi de Oliveira a disponibilização de um tatame, a ser adquirido para o centro de esporte da prefeitura, viabilizando suas aulas de Taekwondo, e dois meses de pensão alimentícia devida a seus filhos, caso desistisse de sua campanha e passasse a apoiar a candidatura de Sidney e Luis Henrique.

As provas dos autos formam um conjunto coerente, que confirma os fatos descritos na inicial.

Márcio Alves da Costa afirmou que soube da insatisfação de Deivi com a política e procurou Sidney para lhe contar do arrependimento de Deivi e ver se o vereador poderia fazer alguma coisa para ajudá-lo. Márcio então propiciou o primeiro encontro entre os dois, na academia onde Deivi trabalhava.

Nesse primeiro contato direto, Sidney anuncia a intenção de tirá-lo de sua campanha para obter seu apoio:

Deivi – Mas e aí, o que isso no caso. O que que vocês queriam comigo no caso?

Sidney – Não sei, eu tinha interesse em te tirar da campanha, e o que que a gente podia fazer pra te deixar conosco ali. Um compromisso do prefeito, um compromisso meu, uma ajuda, uma não sei que que pode viabilizar isso.

Em seu testemunho, Deivi de Oliveira confirma que Márcio lhe sugeriu conversar com Sidney sobre uma oferta para desistir de sua campanha e passar a apoiá-los. Afirmou ter sido pressionado algumas vezes tanto por Márcio quanto por Sidney para aceitar a proposta. Incomodado, foi à Polícia Federal, onde foi instruído a gravar as conversas que teria com os candidatos. Então, Deivi procurou Sidney, dizendo que estava preocupado com suas finanças, pois o tatame da academia havia sido vendido e não poderia mais dar aulas lá. Sidney, afirmou que poderia conseguir outro tatame pela prefeitura e pagar dois meses de pensão alimentícia para seus filhos.

Essa conversa foi gravada pela testemunha:

Deivi - ai disse assim: eu agora vou ter que dar uma atrasada aí com a pensão dos guri, porque agora eu sem né, sem condições. To sem o (...) por causa da academia, mais da uma guardada aí que eu vô tenta agiliza isso aí, mas eu vou tenta arruma um patrocinador, alguma coisa. Eu quero sabe de vocês, porque assim eu agora é assim eu quero sabê o que que realmente vocês querem de mim, né, pra que eu faça isso.

Sidney – não, a gente, a gente gostaria de te ter na nossa campanha ná! A princípio a possibilidade de tu não sê mais candidato lá né? Abrir mão da candidatura e apoiar o Henrique e a mim né, mas tem que sabê o que que eu posso. O que que tu precisa? O que que custa um tatame? Posso de resolver isso aí. É muito caro? Barato? Não sei.

[…]

Deivi – é assim oh: um tatame, ele, ele é caro né, um tatame. Ele é caro, ele tá aí na base de, olha, nem sei, mas acho que deve tá um valor aí quase uns dois mil reais um tatame.

Sidney – caro.

[…]

Deivi – então, no caso, eu não sei o que que vocês querem comigo, eu não sei se…

Sidney – Não, a gente te quer conosco, mas tem que vê o que que eu posso, o que mais podemos fazê pra te resolvê. Tu precisa o quê? De algum emprego? Uma vaga? Alguma coisa assim?

[…]

Sidney – até a gente tentá resolvê o tatame.

Deivi – pois é.

[…]

Sidney – periga o tatame até consegui tirá pela prefeitura, no fundo de esporte e eu consegui comprá.

Deivi – Tá, mas e, mas acontece que aí tu, aí sim, mas acontece que eu sei que tu tá me falando isso, mas e o prefeito?

Sidney – não, mas a gente conversa com ele.

[…]

Deivi – na verdade, agora eu to, to, to, to assim, eu não sei. Por isso que eu digo: o que que vocês querem realmente me oferecer?

Sidney – Não, mas véio, tu tem que dizer, meu velho. Tu é que tem que saber assim o que que tu precisa. A gente quer ver se é viável ou se não é. Eu quero, nós queremos te ajudar. O tatame eu acho que consigo tirá pela prefeitura, provavelmente, Alguma ajuda financeira, aí eu não sei, tem que vê o que é que cabe no nosso bolso também, né. Eu posso te resolver aí, alguma coisa eu consigo te ajudar. Que tu paga de pensão aí?

Deivi – eu pago R$ 260,00

Sidney – R$ 260,00 eu consigo te segurar aí uns dois meses, eu consigo te ajudar nisso aí.

Na mesma oportunidade, os dois se encaminharam à prefeitura para encontrar Luis Henrique, prefeito candidato à reeleição, que confirmou o acerto e queria saber se já poderia anunciar o seu apoio no palanque.

Após a conversa, Deivi encaminhou-se à delegacia de polícia para entregar os áudios.

A proposta para que desistisse de sua candidatura também foi confirmada pelo testemunho de Lorizon Fernandes Pedra, policial federal que atendia Deivi na delegacia após a gravação das conversas. Enquanto era atendido, recebeu uma ligação de Sidney, que foi atendida no viva-voz. O agente escutou a conversa, confirmando o assédio do candidato para que Deivi desistisse de sua candidatura.

Como se verifica, as provas demonstram de forma segura que Sidney, juntamente com Luis Henrique, ofereceu um espaço com tatame para Deivi desenvolver sua atividade e mais dois meses de pensão alimentícia para seus filhos sob a condição de que desistisse da sua campanha e passasse a apoiá-los.

A alegação dos recorrentes, de que tudo não passou de uma armação para provocar a cassação de seus registros, também não modifica o fato acima exposto.

Embora Deivi, a partir de um determinado momento, tenha realmente passado a resguardar-se, gravando as conversas com os recorrentes, essa atitude não pode ser confundida com uma armação ou simulação.

O testemunho de Márcio, de forma coerente com a versão apresentada por Deivi, atesta que Sidney buscava aliciá-lo antes mesmo do início das gravações, evidenciando uma postura ativa de Sidney nas negociações.

Esse comportamento assertivo fica evidente também pelo conteúdo das conversas, nas quais Deivi se limita a perguntar o que eles querem dele e as garantias oferecidas. Sidney, então, toma a iniciativa de comunicar a intenção de ver Deivi fora da campanha, negociando as condições para efetivar a sua desistência.

Mesmo as afirmações de Sidney, de que não pretendia comprar ninguém, mas apenas firmar parcerias, restam contraditórias com a constante preocupação de que as conversas não viessem a público nem fossem gravadas, demonstrando ter ciência de que agia de forma ilegítima.

As provas demonstram que Sidney e Luis Henrique aproveitaram-se de uma fragilidade de Deivi – seja pela insatisfação com a campanha ou por preocupações financeiras – para trazê-lo para a sua coligação. Essa busca de “parceria”, como mostra a prova dos autos, ocorreu sem qualquer debate de ideias ou projetos públicos, mas baseada exclusivamente na oferta de dinheiro e espaço para o exercício de sua atividade profissional.

Assim, correto o juízo de parcial procedência da ação, para cassar o registro de candidatura de Luis Henrique Pereira da Silva e Ivan Guevara Lopes, integrantes da chapa majoritária, e de Sidney Jesus Mattos Bretanha, bem como declarar a inelegibilidade de Luis Henrique e Sidney Bretanha pelo período de 08 anos.

Por fim, o candidato da majoritária foi eleito no pleito de 2016, de forma que a procedência da ação acarretará a perda do seu mandato e a realização de nova eleição.

Relativamente à perda do mandato, a decisão proferida por este Tribunal produz efeitos imediatos, tendo em vista que o recurso especial não possui efeito suspensivo, de acordo com o art. 257, caput, do Código Eleitoral.

É importante destacar que o art. 257, § 2º, do Código Eleitoral, o qual confere efeito suspensivo aos recursos interpostos contra decisão de afastamento ou perda de mandato, limita-se aos recursos ordinários, como se verifica pela sua redação:

Art. 257, § 2º. O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo.

Dessa forma, a partir da decisão em segundo grau, o prefeito e vice eleitos devem ser imediatamente afastados do cargo, chamando-se o presidente da Câmara para assumir o comando do Executivo municipal.

Da mesma forma, relativamente ao candidato da proporcional, os efeitos da decisão de perda do mandato são produzidos imediatamente após a decisão de segundo grau, considerando que os recursos extraordinários não possuem efeito suspensivo, como se extrai do art. 257, caput, e § 2º, do Código Eleitoral.

Quanto à realização de novas eleições, a Lei n. 13.165/15 alterou a redação do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, passando a prever que a cassação do diploma ou perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta a realização de novas eleições após o trânsito em julgado, independentemente do número de votos anulados.

O egrégio TSE, ao apreciar os embargos de declaração opostos no RESPE 139-25, declarou a inconstitucionalidade da expressão “após o trânsito em julgado”, constante no aludido dispositivo, sob o fundamento de que a espera pela preclusão máxima ofende a soberania popular, a garantia fundamental da prestação jurisdicional célere, a independência dos poderes e a legitimidade exigida para o exercício da representação popular, pois perpetuaria no exercício do Executivo municipal o presidente da Câmara de Vereadores.

No referido acórdão, os Ministros aprovaram enunciado com o seguinte teor:

A expressão “após trânsito em julgado” prevista no § 3º do art. 224, conforme redação dada pela Lei 13.165/2015, é inconstitucional.

Se o trânsito em julgado não ocorrer antes, e, ressalvada a hipótese de concessão de tutela de urgência, a execução da decisão judicial e a convocação de novas eleições deve ocorrer em regra:

1. após a análise dos feitos pelo TSE no caso dos processos de registro de candidatura, Lei Complementar 64/90, art. 3ª e seguintes, em que haja indeferimento do registro do candidato mais votado ou dos candidatos cuja soma dos votos ultrapasse 50%; e

2. após análise do feitos pelas instâncias ordinárias nos casos de cassação do registro, diploma ou mandato em decorrência de ilícitos eleitorais apurados sob o rito do art. 22 da Lei Complementar 64/90 ou em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

Em julgados posteriores, aquela Corte reassentou o seu entendimento, como se pode extrair da seguinte ementa:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO ELEITO. INELEGIBILIDADE CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE, EM SENTIDO ESTRITO. ESCLARECIMENTO ADICIONAL. NOVA REDAÇÃO DO ART. 224, § 3°, DO CÓDIGO ELEITORAL. EMBARGOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

[...]

4. O candidato, cujo registro foi indeferido, não tem interesse jurídico em discutir sobre as consequências do julgamento no que tange à realização de novas eleições. De qualquer sorte, registra-se que este Tribunal, ao apreciar os ED-REspe 139-25, fixou tese sobre a aplicabilidade do art. 224, caput e § 3º, a ser examinada pelo juiz eleitoral e pelo Tribunal Regional Eleitoral, responsáveis pela condução do pleito. Precedentes.

Embargos de declaração conhecidos e parcialmente providos para prestar esclarecimentos, sem alteração do resultado do julgamento.

(TSE, Embargos de Declaração em Recurso Especial Eleitoral n. 22232, Acórdão de 06.12.2016, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 06.12.2016.) (Grifei.)

Ainda, o Ministro Gilmar Mendes, ao apreciar liminar na PET 6535, apresentada perante o Supremo Tribunal Federal, manteve o precedente acima mencionado, em decisão monocrática proferida em fevereiro de 2017.

Dessa forma, embora recente, afigura-se firme a posição do TSE, inclusive, sendo confirmada em decisão monocrática perante o egrégio STF, no sentido de que as novas eleições devem ser determinadas pelas instâncias ordinárias.

Assim, considerando o entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, a realização de novas eleições não fica condicionada ao trânsito em julgado da decisão, cabendo a esta Corte adotar as providências necessárias para o novo pleito.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento dos recursos, determinando as seguintes providências:

a) Sidney Bretanha, candidato ao cargo de vereador, deverá ser imediatamente excluído da lista de eleitos, e, por força do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, os votos a ele conferidos devem ser computados para a coligação pela qual concorreu, devendo-se empossar o primeiro suplente da coligação.

b) Luis Pereira da Silva e Ivan Guevara Lopes, candidatos a prefeito e a vice, respectivamente, devem ser imediatamente afastados de seus cargos.

c) Devem ser realizadas novas eleições no município, nos termos de resolução a ser aprovada por este Tribunal.

d) Deve assumir o comando do Executivo municipal o presidente da Câmara de Vereadores, até a posse dos novos mandatários eleitos.

e) Após transcorrido o prazo para embargos de declaração ou julgados os aclaratórios eventualmente opostos, comunique-se à Zona Eleitoral para cumprimento do acórdão.