RE - 3153 - Sessão: 14/03/2017 às 17:00

RELATÓRIO

O PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (PMDB) de Rio Pardo, SÔNIA MARIA ROSA DA CRUZ, MÁRCIA ROCHA BRUM e LUIZ CARLOS TORRES DE FREITAS interpõem recurso contra a sentença de fls. 187-192, que desaprovou suas contas relativas ao exercício de 2015, nos termos do art. 45, inc. IV, al. "a", da Resolução TSE n. 23.432/14; suspendeu o recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 6 (seis) meses, nos termos do art. 46, inc. I, e art. 48, § 2º, da mesma resolução; e determinou, ainda, o recolhimento ao Tesouro Nacional, pelo partido e respectivos responsáveis, do valor de R$ 40.173,31.

Em suas razões, sustentam que apenas o partido deve permanecer como parte no processo, sob o argumento de serem inaplicáveis as Resoluções TSE n. 23.432/14 e 23.464/15, por tratar a controvérsia de assunto de direito material. No mérito, postulam a declaração de inconstitucionalidade do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15, que considera autoridade pública os detentores de cargo de chefia ou direção quando deveria ser considerada como tal apenas a pessoa que “inserida em uma ordem hierárquica instituída, é investida de prerrogativas, por sua vez inerentes à função ou cargo que ocupe, detendo, em razão disso, poder de decisão e mando”.

Asseveram haver entendimento no âmbito deste TRE no sentido de que, no período eleitoral, não são considerados recursos de fonte vedada aqueles recebidos de ocupantes de cargos eletivos e de chefia e direção na administração pública.

Defendem a legalidade das doações recebidas, nos termos do art. 17, § 1º, da Constituição Federal, da Resolução TSE n. 21.841/04 e do Estatuto do PMDB, bem como compreendem que a desaprovação das contas só é cabível se os valores recebidos de fontes vedadas não forem devolvidos e/ou sejam utilizados. Postulam a reforma da sentença, com a consequente aprovação das contas (fls. 197-206).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 210-216v.).

É o relatório.

 

VOTO

Senhora Presidente, eminentes colegas:

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, razão pela qual dele conheço.

Preliminares

Primeiramente, quanto à alegação de inconstitucionalidade do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15, não merece guarida o recurso. O Tribunal Superior Eleitoral apenas determinou o alcance da expressão autoridade, não violando, com isso, a autonomia dos partidos políticos.

Sobre a tese dos recorrentes no sentido de que apenas o partido deve ser parte no processo, por pretensa inaplicabilidade imediata das Resoluções TSE n. 23.432/14 e 23.464/15 em virtude de se tratar de matéria afeta a direito material, igualmente não prospera.

Com efeito, em relação às contas de exercício financeiro de 2015, esta Corte sempre teve o entendimento de que os responsáveis deviam ser citados para integrar o processo, nos termos do art. 38 da Resolução TSE n. 23.464/15:

Art. 38. Havendo impugnação pendente de análise ou irregularidades constatadas no parecer conclusivo emitido pela Unidade Técnica ou no parecer oferecido pelo Ministério Público Eleitoral, o Juiz ou Relator deve determinar a citação do órgão partidário e dos responsáveis para que ofereçam defesa no prazo de 15 (quinze) dias e requeiram, sob pena de preclusão, as provas que pretendem produzir, especificando-as e demonstrando a sua relevância para o processo. (Grifei.)

Destaco que a situação dos autos é distinta daqueles casos relativos ao exercício financeiro de 2014, sobre os quais este Tribunal entendia indevida a inclusão dos responsáveis pelas contas e, a partir do julgamento do RE 35-87, de relatoria do Des. Carlos Cini Marchionatti, em 10.11.2016, passou a entender pela necessidade de sua inclusão.

Rejeitam-se, assim, as preliminares aviadas.

 

Mérito

No mérito, trata-se de prestação de contas do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) de Rio Pardo desaprovada em virtude do recebimento de recursos de fonte vedada, em afronta ao art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, pois provenientes de doações realizadas por ocupantes de cargo em comissão de chefia ou direção.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, assim prescreve:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[….]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38; (Grifei.)

O Tribunal Superior Eleitoral, até a edição da Resolução TSE n. 22.585/07, havia firmado entendimento no sentido de ser possível a contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum, conforme se depreende da ementa do julgamento da Pet. n. 310 (Resolução TSE n. 20.844, de 14.8.2001), relator Min. Nelson Jobim:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT.

EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 1996.

Contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum.

Inexistência de violação ao art. 31, II, da Lei n° 9.096/95. Contas aprovadas.

(Petição n. 310, Resolução n. 20844 de 14.8.2001, Relator Min. NELSON AZEVEDO JOBIM, Publicação: DJ - Diário de Justiça, volume 1, data 09.11.2001, página 154 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, volume 13, tomo 1, página 302.)

Por oportuno, reproduzo ementa da consulta que deu origem à Resolução TSE n. 22.585/07:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(Consulta n. 1428, Res. n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.) (Grifei.)

Os fundamentos exarados para a mudança de interpretação deram-se nos seguintes termos (com grifos meus):

[...] Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

Para mim, autoridade em sentido amplo: todo aquele que possa, por exemplo, em mandado de segurança, comparecer nessa qualidade, para mim é autoridade […]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Colaciono jurisprudência deste Tribunal no mesmo sentido:

Recurso. Prestação de contas. Exercício 2010. Desaprovação no juízo originário.

Expressiva parte da receita partidária oriunda de doações de pessoas físicas, ocupantes de cargos em comissão, na condição de autoridade. Prática vedada pelo disposto no artigo 31, incisos II e III, da Lei n. 9.096/95.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 1997. Relator EDUARDO KOTHE WERLANG, 30.7.2012.)

 

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/2007 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 100000525, Relatora Desa. ELAINE HARZHEIM MACEDO, 25.4.2013.) (Grifei.)

Ressalto que o conceito de autoridade, segundo o atual entendimento, abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, inc. V, da Constituição Federal), sendo excluídos os que desempenham exclusivamente a função de assessor.

Como se verifica, transmudou-se de uma compreensão que privilegiava a proteção do partido político contra a influência do Poder Público para uma interpretação que ressalta a relevância dos princípios democráticos da moralidade, dignidade do servidor e preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

O tema voltou a ser enfrentado por esta Casa no julgamento do Recurso n. 34-80, de relatoria do Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, Sessão de 26.8.2014, no qual foram desaprovadas as contas de partido político em razão do recebimento de doações advindas de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas.

Reproduzo, por apropriada, a ementa daquele julgado:

Prestação de contas partidária. Diretório municipal. Art. 5º, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro 2011.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum e na condição de autoridades. No caso, recebimento de quantia expressiva advinda de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas.

Manutenção das sanções de recolhimento de quantia idêntica ao valor doado ao Fundo Partidário e suspensão do recebimento das quotas pelo período de um ano.

Provimento negado. (Grifei.)

Seguindo a mesma orientação, menciono os seguintes processos: RE 94-19, de relatoria da Desa. Maria de Fátima Freitas Labarrère, Sessão de 1°.7.2014, e RE 36-50, de relatoria do Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Sessão de 23.9.2014.

E, nessa mesma linha, transcrevo ementa de julgado do TSE:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DECISÕES. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO. DOAÇÕES. OCUPANTES CARGO DE DIREÇÃO OU CHEFIA. AUTORIDADE. VEDAÇÃO. ART. 31, II, DA LEI Nº 9.096/95.

1. Para fins da vedação prevista no art. 31, II, da Lei nº 9.096/95, o conceito de autoridade pública deve abranger aqueles que, filiados ou não a partidos políticos, exerçam cargo de direção ou chefia na Administração Pública direta ou indireta, não sendo admissível, por outro lado, que a contribuição seja cobrada mediante desconto automático na folha de pagamento. Precedentes.

2. Constatado o recebimento de valores provenientes de fonte vedada, a agremiação deve proceder à devolução da quantia recebida aos cofres públicos, consoante previsto no art. 28 da Res.-TSE nº 21.841/2004.

Recurso especial desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 4930 – Criciúma/SC, de relatoria do Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, sessão de 11.11.2014.) (Grifei.)

Ao meu sentir, o regramento tem por finalidade evitar que servidores cuja situação jurídica funcional seja de livre nomeação e exoneração, exercendo cargo de chefia, direção ou coordenação, venham fazer doações aos partidos aos quais se encontrem vinculados. Em outras palavras, busca-se evitar a transferência do dinheiro público – parcela do vencimento auferido pelo titular demissível ad nutum – para a agremiação partidária.

A vedação imposta pela resolução do Tribunal Superior Eleitoral não tem outra função a não ser obstar a partidarização da administração pública. Doações eleitorais advindas de servidores detentores de cargo em comissão estimulariam a nomeação de partidários para funções de confiança, facilitando o uso da máquina pública para fins eleitorais.

Pois bem.

Examinando os autos, não paira dúvida sobre o enquadramento dos doadores na condição de autoridade disposta no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, exceto um, que será adiante analisado.

Conforme consta no parecer conclusivo exarado pela unidade técnica (fls. 130-139), a agremiação recorrente recebeu contribuições de servidores públicos com funções de chefe de turma, dirigente de equipe, coordenador, dirigente de setor, procurador, secretário, num total de R$ 40.173,31.

Reconhecendo a irregularidade, o magistrado corretamente desaprovou as contas do partido, e determinou a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, pelo período de 6 (seis) meses, e o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia glosada como irregular.

Oportuno ressaltar que a tese dos recorrentes, de que em período eleitoral as doações de autoridades não são consideradas de fonte vedada, conforme entendimento firmado por este Tribunal, não os socorre, uma vez que os recursos foram recebidos em 2015 – ano sabidamente não eleitoral.

Portanto, adoto os fundamentos da decisão exarada pelo magistrado, embasada em parecer contábil, e concluo que a decisão deve ser mantida, porém com uma pequena adequação. Explico.

Analisando-se a tabela com a relação dos doadores considerados como fontes vedadas, (fls. 101-108) verifica-se, à fl. 106, o nome de Fernando Pritsch Winck, ocupante do cargo de Procurador, o qual alcançou ao partido a quantia de R$ 4.099,26.

Considerando o já mencionado conceito de autoridade, que abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia, tenho que o cargo de Procurador não se amolda a tal conceito, a exemplo daqueles que desempenham exclusivamente a função de assessor.

Desse modo, o valor recebido pela agremiação, no montante de R$ 40.173,31, descontando-se a quantia de R$ 4.099,26 resulta em R$ 36.074,05, deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do que prevê o art. 14, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que manteve o disposto pela Resolução TSE n. 23.432/14.

Por fim, quanto à suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, determinada na sentença pelo período de 6 (seis) meses, de igual modo não merece reparo, pois adequada e proporcional à irregularidade praticada.

Diante do exposto, VOTO por afastar as preliminares e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, realizando, de ofício, a readequação do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 36.074,05, mantendo, no mais, íntegra a sentença do juízo a quo.

É como voto, Senhora Presidente.