RE - 54320 - Sessão: 08/02/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pela COLIGAÇÃO SEGUE EM FRENTE BOM PRINCÍPIO em face de sentença (fls. 96-97), que julgou improcedente a representação eleitoral por captação ilícita de sufrágio proposta em desfavor da COLIGAÇÃO JUNTOS PARA UM FUTURO MELHOR, FÁBIO PERSCH, JOÃO GUILHERME WESCHENFELDER e MÁRCIO RODRIGO SOARES, por entender que a prova apresentada – gravação ambiental – caracteriza-se como ilícita.

Em suas razões (fls. 99-106), a recorrente indica a impetração de mandado de segurança, tombado sob o n. 000073-70.2016.6.21.0000, já submetido à analise deste Tribunal. Aponta que as razões de recurso apresentadas identificam-se com os fundamentos expostos no writ e, no mérito, aduz que a sentença proferida ofendeu à ampla defesa e ao contraditório, com prejuízos para a autora. Requer o provimento do recurso para cassar a sentença e determinar a produção de prova testemunhal solicitada.

Vieram aos autos, nesta instância, o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, o qual opina pelo provimento do recurso (fls. 112-119).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto no tríduo legal. Houve expedição de nota no DEJERS em 21.11.2016, conforme certidão constante à fl. 98; e o recurso foi apresentado na data de 23.11.2016 (fl. 99).

No mérito, o juízo de origem entendeu pela inexistência de provas cabais, conclusivas, aptas a caracterizar a prática de captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

A decisão veio fundamentada nos seguintes termos:

Os representantes afirmam, em apertada síntese, que os representados foram flagrados aliciando eleitores e indicam, como evidência, gravações ambientais e imagens de câmera, que não puderam ser obtidas (certidão de fl. 23).

A decisão de fls. 77/78, na esteira do que já decidiu o Supremo Tribunal Federal e do enunciado em sua Súmula 83, fragilizou o pilar central da presente representação “a gravação ambiental” ao apontá-la como clandestina. Por assim dizer, todas as provas apresentadas na presente representação estão conectadas por uma relação causal, ou seja, somente se obtiveram as demais por causa da primeira (originalmente ilícita).

Desta forma, verifico que a ilicitude da prova obtida com violação da intimidade dos representados contaminou, invariavelmente, a prova que dela decorreu, assim como a árvore envenenada gera os frutos aparentemente sadios, em sua essência também são envenenados (theory of the fruits of the poisonous tree).

Aliás, como bem apontado pelo douto parecer do parquet, nos casos em que não se apresentam cabais e conclusivas as provas de participação do candidato/coligação na captação ilícita de sufrágio, o TSE vem decidindo pela improcedência da representação. Ainda na esteira do raciocínio do nobre representante do Ministério Público Eleitoral, não se deve desconsiderar a beligerância judiciária das eleições no cenário político do Município de Bom Princípio, o que também reforça a necessidade de rigidez das provas apresentadas ao Judiciário, a fim de que este não interfira no veredito democrático de forma temerária e contrária aos magnânimos princípios da Nossa Magna Carta.

Considerando que 'todo método de persuasão lícito, com o desiderato de obter a adesão do eleitor, é admitido no processo eletivo, porquanto a propaganda eleitoral, exercida nos limites da licitude, é um método fundamental para o aperfeiçoamento da ordem democrática' (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 3ª ed., Porto Alegre: Verbo Jurídico, p. 492)., e ante flagrante infirmeza das provas apresentadas como prova da captação ilícita de sufrágio, a improcedência da representação é a medida que se impõe.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a representação apresentada pela coligação SEGUE EM FRENTE BOM PRINCÍPIO, em face da coligação JUNTOS PARA UM FUTURO MELHOR e dos candidatos JOÃO GUILHERME WESCHENFELDER, FÁBIO PERSCH E MÁRCIO RODRIGO SOARES.

A sentença foi prolatada em 16.11.2016 e publicada no DEJERS em 21.11.2016, como já indicado.

Ocorre que, em 23.11.2016, o Plenário deste Tribunal analisou o Mandado de Segurança n. 0600073-70.2016.6.21.0000, o qual, de forma unânime, foi julgado consoante ementa que segue:

Mandado de Segurança. Representação por captação ilícita de sufrágio. Pedido liminar indeferido.

Decisão de piso que indeferiu o pedido de oitiva de testemunha e determinou o desentranhamento de DVD e de sua respectiva degravação, sob o entendimento de que a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento dos demais, e sem prévia autorização judicial, consubstancia prova ilícita, não sendo apta a comprovar suposto ilícito eleitoral.

Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Entendimento sedimentado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Manutenção nos autos da referida mídia e da respectiva degravação, pois constituem provas aptas a embasar representação eleitoral tutelando a legitimidade e normalidade das eleições e passíveis de análise pelo juízo de origem.

Determinada ainda a oitiva da testemunha arrolada pela parte representante, em atenção ao disposto no art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal.

Presença de direito líquido e certo da impetrante.

Concessão da segurança.

O referido mandado de segurança transitou em julgado, conforme certidão constante à fl. 109 destes autos.

Assim, e em que pese a concessão da segurança, já transitada, não houve a realização da oitiva da testemunha do interesse da recorrente – Lucas Daniel Klering – e, igualmente, não foi realizado o retorno, ao caderno processual, da mídia e das degravações outrora desentranhadas.

Adianto, desde já, que o recurso merece ser provido. A sentença deve ser anulada em decorrência do cerceamento do direito da recorrente em produzir provas para o convencimento do Poder Judiciário: do direito de participação efetiva no processo.

Friso que, mesmo sem adentrar, aqui, no que concerne à licitude ou ilicitude da gravação realizada – objeto de análises diversas nas cortes superiores – e dependente do exame de variadas circunstâncias, é certo que o indeferimento da produção de prova testemunhal, bem como o desentranhamento da mídia e das degravações acostadas, mostraram-se indevidamente limitadores do princípio do devido processo legal. É que, em resumo, os fatos estão a merecer maiores esclarecimentos – inclusive as situações em que as gravações foram realizadas – no que pode ajudar, e muito, o depoimento de Lucas Daniel Klering, por exemplo.

A evitar tautologia, transcrevo trecho do voto do e. Relator do Mandado de Segurança n. 060073-70.2016.6.21.0000, Dr. Luciano André Losekann, ao qual adiro integralmente e, de forma expressa, adoto como razões de decidir:

Portanto, no caso sob análise, tendo em vista que a gravação ambiental constitui início de prova da prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder, aptos a embasar representação eleitoral tutelando a legitimidade e normalidade das eleições, a liberdade da vontade do eleitor e o equilíbrio de oportunidade aos candidatos, garantindo a soberania popular e o regime democrático protegidos pela Constituição Federal, entendo proporcional a manutenção nos autos da gravação ambiental, e de sua respectiva degravação, pois consubstanciam meio lícito de prova passível de análise pelo juízo de origem, devendo a garantia da intimidade ser mitigada em face da defesa da soberania popular. Dessa forma, as gravações ambientais, e suas respectivas degravações, devem ser reincluídas na Rp n. 54320.

Ou seja, não está a se afirmar que os conteúdos das gravações e das degravações hão de ser suficientes para um juízo condenatório, mas sim que eles devem integrar os autos e serem devidamente sopesados em um juízo de mérito da causa, após a regular instrução do processo, inclusive com a oitiva da testemunha arrolada.

E, igualmente, não há que se entender que o direito à intimidade possa afastar a presença da prova nos autos, eis que nem sequer as circunstâncias em que as gravações foram realizadas parecem estar suficientemente claras nos autos – há gravação, por exemplo, em um posto de gasolina – e estas são fundamentais para que se possa entender as provas como lícitas, ou ilícitas, de acordo com julgados do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2012. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE. VIA PÚBLICA.

1. Para que se possa afirmar a violação ao art. 275 do Código Eleitoral, o recorrente deve indicar qual vício levantado perante a instância recorrida não foi sanado e a sua relevância para o deslinde da causa.

2. Enfrentada a matéria a partir dos depoimentos prestados nos autos pelas testemunhas, não há falar em omissão em relação à posterior oitiva delas perante a autoridade policial, determinada pelo magistrado para a apuração do crime de falso testemunho.

3. Não ocorre violação ao art. 458 do CPC quando o acórdão recorrido registra os elementos de convicção que embasaram o julgamento.

4. Nos termos da atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento de um deles e sem a prévia autorização judicial, é prova ilícita e não se presta à comprovação do ilícito eleitoral, porquanto é violadora da intimidade. Precedentes: REspe nº 344-26, rei. Mm. Marco Aurélio, DJe de 28.11.2012; AgR-RO nº 2614-70, rei. Mm. Luciana Lóssio, DJe de 7.4.2014; REspe nº 577-90, rei. Mm. Henrique Neves, DJe de 5.5.2014; AgR-REspe nº 924-40, rei. Mm. João Otávio de Noronha, DJede 21.10.2014. REspe nº 1 660-34.2012.6.26.00801S p 2.

5. Diversa é a situação em que a gravação registra fato que ocorreu à luz do dia, em local público desprovido de qualquer controle de acesso, pois, nesse caso, não há violação à intimidade ou quebra da expectativa de privacidade. A gravação obtida nessas circunstâncias deve ser reputada como prova lícita que não depende de prévia autorização judicial para sua captação.

6. Para rever a conclusão do acórdão regional no sentido de que 'restou devidamente demonstrado, do cotejo de todos os elementos de convicção trazidos aos autos, o ilícito descrito no 41-A da Lei nº 9.504197' e de que 'a distribuição de dinheiro, inicialmente, foi evidenciada pelas imagens acostadas à inicial e, posteriormente, ratificada pela prova testemunhal', seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório, o que encontra óbice nas Súmulas 7 do STJ e 279 do STF.

Recursos especiais aos quais se nega provimento.

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, em desprover os recursos, nos termos do voto do relator.

(REspe n. 1660-34, Relator Min. HENRIQUE NEVES. Julgamento em 16.4.2015) (Grifei.)

 

AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.

(Rext n. 583.937, Rel. Ministro CEZAR PELUSO. Julgamento em 19.11.2009.) (Grifei.)

Em termos semelhantes é a manifestação do d. Procurador Regional Eleitoral (fl. 117v.):

No presente caso, a gravação desentranhada, assim como a degravação, serve à comprovação de possível prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder, tutelando, pois, indiretamente a legitimidade e a normalidade das eleições, insculpidas no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, e diretamente a liberdade do eleitor e o equilíbrio de oportunidade aos candidatos, como corolários da cidadania, soberania popular e do regime democrático previstos nos artigos 1º e 14 da Carta Maior.

Daí se verifica a adequação da gravação e da respectiva degravação, que, hoje, se encontram na contracapa destes autos. Trata-se de expediente proporcional, pois permitirá a efetivação máxima da tutela da soberania popular em face de singelo afastamento da tutela à intimidade. Nesse sentido, reitera-se que a intimidade não pode ser empregada para acobertar práticas ilícitas.

A prova, portanto, é regular, devendo ser, dessa forma, determinada sua inclusão à RP n. 54320, juntamente com sua degravação, tal, inclusive, como já decidido nos autos do MS 0600073-70.2016.6.21.0000.

E, no que concerne ao tópico da produção da prova testemunhal, colho novamente trecho do voto do e. Relator do mandamus já citado:

Além do reconhecimento da ilicitude da gravação ambiental, a decisão ora impetrada indeferiu a oitiva da testemunha Lucas Daniel Klering, arrolada pela representante, sob o argumento que '(...) se trata de um dos interlocutores da malsinada gravação, estando, pois, seu relato contaminado ante a ilicitude da prova ora reconhecida'.

Aqui, a meu ver, reside o argumento de maior significância a ensejar a concessão da segurança. Isso porque, ainda que a gravação fosse considerada ilícita, tal fato não teria como consequência lógica a contaminação do testemunho de seu interlocutor.

[...]

Assim, a determinação de desentranhamento de prova obtida por meio lícito e o indeferimento de prova testemunhal acabaram por violar o direito à produção de prova pela representante, impossibilitando a instrução probatória processual e contrariando o art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal, que assim prevê: 'aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes'.

Portanto, entendo presente o direito líquido e certo da impetrante, devendo ser concedida a segurança a fim de que seja determinada a reinclusão, nos autos da Rp n. 54320, das gravações ambientais e de suas respectivas degravações, bem como seja procedida a oitiva da testemunha Lucas Daniel Klering, arrolada pela parte representante.

Também aqui merece destaque o posicionamento do d. Procurador Regional Eleitoral (fl. 118v.), o qual igualmente adoto como razões de decidir:

Ocorre que, no presente caso, a oitiva de um dos interlocutores da gravação ambiental não se trata de prova que jamais seria possível sem a referida gravação, mas, muito pelo contrário, pois foi apenas a partir da testemunha que se obteve acesso à gravação, ou seja, essa derivou da conduta da própria testemunha, sem a qual sequer teria existido, razão pela qual não se pode concluir o contrário, ante a impossibilidade de uma prova antecedente ser considerada contaminada pela obtida em momento posterior.

Logo, trata-se de elementos de prova distintos, de modo que se verifica prejuízo à instrução com o indeferimento da oitiva da testemunha, por considerar o juízo a quo a contaminação pela ilicitude da gravação.

Ressalta-se ser de extrema importância a oitiva da testemunha em questão, tendo em vista ter sido a suposta conduta do art. 41-A da LE realizada em face da mesma, não podendo, dessa forma, ser considerada prova inútil e nem meramente protelatória.

Restou evidente o prejuízo sofrido pela representante, que teve cerceado o seu direito à produção probatória, o que prejudicou, inclusive, a instrução do próprio feito, levando-se em consideração ainda a gravidade da conduta a ser averiguada e a natural dificuldade de obtenção de prova em casos de captação ilícita de sufrágio.

Soma-se ao exposto o fato de tratar-se de hipótese de urgência, tendo em vista o exíguo prazo para ajuizamento das ações eleitorais como a presente, e de necessidade, pois, como mencionado, trata-se de prova indispensável para o deslinde do feito.

Merece provimento, portanto, o pedido de desconstituição da sentença, devendo ser realizada nova instrução do feito a partir da apresentação da defesa pelos representados.

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, com o retorno do processo à instância de origem, determinando-se que (a) sejam incluídas nos autos as gravações e as respectivas degravações apresentadas pela demandante, bem como (b) proceda-se à oitiva da testemunha Lucas Daniel Klering e, após, seja proferida nova sentença.