RE - 12909 - Sessão: 09/03/2017 às 17:00

RELATÓRIO

A COLIGAÇÃO SÃO LOURENÇO ACIMA DE TUDO interpõe recurso em face da sentença (fls. 145-147), que julgou improcedente o pedido veiculado em ação de investigação judicial eleitoral ajuizada contra JOSÉ DANIEL RAUPP MARTINS e PÉRCIO BOHLKE LEITZKE, candidatos não eleitos aos cargos de prefeito e vice do Município de São Lourenço do Sul.

Em suas razões recursais (fls. 152-155), sustenta que os recorridos se utilizaram da máquina pública em proveito próprio, o que configurou abuso de poder e conduta vedada. Alega que, ao distribuir para a comunidade local, através de “mala direta domiciliar”, 15 mil exemplares de um fôlder onde constaram imagens (fotografias) pertencentes ao Município de São Lourenço do Sul, os recorridos utilizaram indevidamente recursos públicos em sua campanha eleitoral, o que prejudicou a normalidade e legitimidade das eleições. Afirmando estar configurado o abuso de poder, requer a reforma da sentença.

Com contrarrazões (fls. 160-165), nesta instância, os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 169-172).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Adentrando o mérito, observo que a inicial noticiou a prática de três fatos, tendo sido recebida apenas em relação ao primeiro deles, que envolve a suposta utilização de imagens fotográficas, obtidas por equipamentos usados em serviço por servidores da administração municipal, em uma peça publicitária da campanha dos candidatos representados.

Como essa corte já teve a oportunidade de se manifestar sobre casos semelhantes anteriormente, traço breve apanhado de decisões recentes.

Inicio mencionando o julgamento do Recurso Eleitoral em Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 465-60, realizado em 30.01.2013. O acórdão, que teve a relatoria do Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, consignou que fotos do sítio eletrônico do Município de Candiota coincidiam com algumas das empregadas na propaganda eleitoral de candidatos. Naquela oportunidade, observou-se que uma das imagens teria sido obtida através de uma aeronave ou artefato semelhante e que custou ao erário o valor de R$ 5.520,00. Concluindo que os representados utilizaram-se de material fotográfico pago com recurso público, fazendo incidir a hipótese do art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97, assim ficou ementada a decisão:

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Condutas vedadas. Eleições 2012. Utilização indevida de imagens do acervo fotográfico municipal na propaganda eleitoral impressa.

Decisão de parcial procedência no juízo originário, aplicando a sanção de multa aos candidatos eleitos, abstendo-se de cassar-lhes os diplomas.

[...]

O emprego de material pago com dinheiro público para beneficiar os recorridos em sua propaganda eleitoral vai de encontro ao que preconiza o inc. II do art. 73 da Lei n. 9.504/97. Afastada, no entanto, a imputação de ofensa às vedações impostas pelo art. 73, I e IV, e art. 74 da Lei Eleitoral.

Aplicação do princípio da proporcionalidade, para reduzir o valor da sanção pecuniária imposta ao mínimo legal.

Provimento parcial ao apelo dos candidatos e desprovimento do recurso ministerial.

(Recurso Eleitoral n. 46560, Acórdão de 30.01.2013, Relator Dr. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 19, Data 01.02.2013, Página 4.)

Logo em seguida, em 31.01.2013, foi trazida à apreciação da corte, nos autos do Recurso Eleitoral em Representação n. 581-43, também da relatoria do Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, a suposta prática de conduta vedada, consistente no uso, na propaganda eleitoral impressa, de imagens do acervo fotográfico do Município de Arroio do Sal.

Também se concluiu, nesse caso, pela caracterização da conduta vedada, conforme segue:

Recurso. Condutas vedadas. Abuso de autoridade. Art. 74 e art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Sentença de procedência no juízo originário com cassação dos diplomas dos eleitos e condenação ao pagamento de multa.

Preliminares superadas. A nulidade de sentença restou afastada em todos os argumentos trazidos pelo recorrentes. A tese de que o pedido de cassação de diploma seria juridicamente impossível também não se sustenta. O procedimento observou o rito do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. A declaração de nulidade exige a demonstração de prejuízo para as partes.

Conjunto probatório que evidencia o emprego de material pago com dinheiro público para beneficiar os recorridos em sua propaganda eleitoral. No entanto, não é possível saber quantas fotos foram efetivamente sacadas do acervo fotográfico do município. Ilicitude revelada pela própria natureza das fotografias. Incidência do art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

Não subsistência da imputação de abuso de poder. Manutenção da sanção pecuniária aplicada.

Procedência parcial para afastar a sanção de cassação dos mandatos.

(Recurso Eleitoral n. 58143, Acórdão de 31.01.2013, Relator Dr. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 20, Data 4.02.2013, Página 10.)

Em 07.11.2013, ao examinar o Recurso Eleitoral na Representação n. 256-24, de relatoria do Dr. Jorge Alberto Zugno, foi trazido caso em que algumas fotografias estampadas em informativo da administração municipal figuraram no plano de governo dos candidatos à majoritária. Naqueles autos, o autor intelectual da arte, em sede de audiência, informou que cedeu gratuitamente seu trabalho ao Município de Seberi, para que este elaborasse seu informativo. O fotógrafo destacou que não vendeu as fotos para o município, bem como não doou o material, apenas cedeu para o impresso do Poder Público.

Diante dessa peculiaridade, não se reconheceu a prática de conduta vedada em relação a esse fato.

Tive a oportunidade de analisar situação semelhante à descrita na inicial no julgamento do Recurso Eleitoral n. 313-93, em 23.7.2013. Naquela ocasião, diante da notícia de veiculação de propaganda eleitoral impressa por candidatos na qual constaram fotografias de bens da prefeitura, com símbolos, frases e imagens utilizados pela administração municipal, verifiquei a existência de imagens que retratavam áreas internas dos mais variados prédios públicos, afetos à atividade administrativa ou à prestação de serviços de interesse social, às quais o público em geral não tinha acesso.

Considerando a quebra da igualdade entre os candidatos, em especial porque os adversários não teriam a menor condição de tirar fotografias internas de eventuais estruturas precárias da prefeitura municipal, entendi configurada conduta vedada.

Assim constou da ementa do julgado:

Recurso. Conduta vedada prevista no art. 73, incs. I e III, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Imagens de bens móveis e imóveis da administração municipal em propaganda impressa. Representação julgada improcedente no juízo originário. Reconhecimento da propaganda eleitoral. Afastada a configuração de uso indevido dos meios de comunicação social e abuso de poder político.

Divulgação de fotografias de bens da prefeitura, com símbolos, frases e imagens utilizados pela administração municipal. Propaganda contratada pelo partido político, inexistência de indícios de utilização de fotografias custeadas pelo próprio Poder Público. Não configurado o abuso de poder político.

Utilização pelos representados de imagens de bens e serviços públicos de acesso restrito, não podendo qualquer cidadão ou candidato neles adentrar sem prévia autorização. Áreas afetadas à atividade administrativa ou a prestação de serviços de interesse social. Os candidatos à reeleição ao utilizarem em suas propagandas a fotografia de espaços internos dos prédios públicos, valeram-se de suas posições para obter o benefício eleitoral. Uso indevido de bem público.

Caracterização da prática da conduta vedada tipificada no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97.

Aplicação da pena de multa a cada um dos representados em seu patamar mínimo. Afastado pedido de cassação dos diplomas. Provimento parcial.

Aliás, acerca do princípio da igualdade entre os candidatos e sua tutela pelo ordenamento jurídico, cabe a lição de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 606-607):

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Os atos de conduta vedada são espécies tipificadas de abuso de poder político, que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10 do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

[...]

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, desnecessário qualquer cotejo com eventual violação à normalidade ou legitimidade do pleito. Basta apenas seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. O legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Feitas essas observações, é de concluir-se que este Regional, em seus precedentes, tende a considerar conduta vedada a utilização de imagens provenientes do acervo de órgãos públicos ou que só possam ser produzidas por aquele que é titular da Administração Pública, salvo prova de que o ente público não tenha custeado sua produção.

Retornando à análise jurisprudencial do abuso de poder, conforme já citado nestes autos, o Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, no julgamento da Representação n. 844-53, em 09.9.2014, afirmou que a “mera utilização de fotografias que se encontram disponíveis a todos em sítio eletrônico oficial, sem exigência de contraprestação, inclusive para aqueles que tiram proveito comercial (jornais, revistas, blogs, etc.), é conduta que não se ajusta às hipóteses descritas nos incisos I, II e III, do art. 73 da Lei das Eleições”.

Constou no voto condutor o seguinte excerto, que trata especificamente sobre o uso de fotografias disponíveis a qualquer pessoa na internet:

[...] fotografias se amoldam ao conceito - considerada a destinação - de bens de uso comum, que são aqueles afetados "por sua própria natureza ou por lei, a uma utilização indistinta do todos os administrados, independente do qualquer ato administrativo que o anteceda". Ajustam-se, outrossim, à definição inscrita no art. 37, § 4º, da Lei Eleitoral, porquanto acessíveis a qualquer pessoa, que, para tanto, basta baixá-las do sítio eletrônico da Presidência da República.

Passando a análise do caso dos autos, e atento ao contido no julgado do TSE, verifiquei que o recorrente afirma, na inicial (fl. 06), o que segue:

[...] verificamos que essa imagem fotográfica (nº 2) foi encaminhada juntamente com a matéria “São Lourenço do Sul inicia obras de pavimentação asfáltica” pela Assessoria de Comunicação da Prefeitura Municipal de São Lourenço do Sul em 09/06/2016 para o site da Acústica – Camaquã, restando assim comprovado que é propriedade da PM de São Lourenço do Sul. (Grifos no original.)

Do mesmo modo, consta na fl. 30, reprodução da página do sítio particular na internet, onde se lê: “Por: Ascom Prefeitura Municipal de São Lourenço do Sul”.

Ora, conforme afirmado pelo representante e comprovado na captura de tela, a prefeitura, por meio de sua assessoria de comunicação, tem por procedimento enviar a particulares as imagens que produz, juntamente com releases (notícias distribuídas à imprensa, ao rádio, à TV, etc., para serem divulgadas gratuitamente).

Assim, é de concluir-se que as fotografias produzidas pelo órgão público não ficavam restritas a seu uso próprio; além de poderem ser obtidas pelo simples acesso ao sítio da Administração, também eram cedidas gratuitamente a terceiros, de forma que é lícito concluir que o conceito que melhor define as imagens aqui examinadas é o de bem de uso comum.

No mesmo sentido são as ponderações do juízo a quo (fl. 146 e verso), as quais transcrevo pela sua pertinência:

As fotografias nº 01 e 02 são idênticas, sendo que a segunda está publicada no site da Rádio Acústica FM, do município de Camaquã (http://www.acusticafm.com.br/noticias/8143/sao-lourenco-do-sul-inicia-obras-de-pavimentacao-asfaltica.html). Independente de quem tenha sido o autor da fotografia - servidor público ou particular - o certo é que a administração municipal deve ter encaminhado o material para divulgação pela rádio, o que lhe é perfeitamente lícito e possível porque é direito do administrador levar ao conhecimento da população as obras e serviços que são realizados durante sua administração, assim o fazendo de forma impessoal. Logo, a fotografia em questão, ao ser publicada na rede mundial de computadores, passou a ser acessível por qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, possibilitando sua utilização por terceiros dentro dos limites da lei, inclusive para uso em campanha eleitoral dos representados.

De outra banda, não existe qualquer prova em contrário apta a infirmar as alegações dos representados de que as fotografias nº 04 e 06, obviamente tiradas no mesmo contexto e provavelmente pelo mesmo fotógrafo que capturou as imagens nº 05 e 07, tenham sido publicadas ou no site da Prefeitura Municipal de São Lourenço do Sul ou em sites de órgão de imprensa para publicação, de modo que, assim disponibilizadas, passaram a integrar mídias de acesso universal na internet, inclusive, querendo, pela coligação representante.

A prova para desqualificar a tese dos representados é por demais difícil, haja vista a profusão de sites existentes na internet, o que impediria qualquer rastreamento das fotografias. Para tanto, lancei algumas palavras-chave no site www.google.com.br e verifiquei várias fotos desses mesmos contextos entre centenas de outras, situação que provoca o juízo de plausibilidade das alegações dos requeridos. O mesmo se dá quando lançada pesquisa no mesmo site relativamente às imagens de animação por computador de fl. 12 (fotos nº 10 e 11).

Registre-se que o informante JOSÉ CARLOS DOS SANTOS SOARES negou serem de sua autoria as fotografias de fls. 29/31 ou qualquer uma das presentes na petição inicial, reconhecendo como suas algumas fotografias contidas no folder juntado às fls. 27/28, portanto sem qualquer relação com as imagens impugnadas pela coligação autora.

Ademais, mesmo que algumas das fotografias tivessem sido tiradas por servidores municipais com o uso de máquinas da administração pública e, na sequência, não tenham sido, de alguma forma, publicadas em site oficial ou de terceiros para fins de divulgação (lícita, diga-se de passagem), ainda assim não vislumbro qualquer conduta vedada pelo art. 73, incisos I a III, da Lei nº 9.504/97 (como imputado na exordial pela coligação representante), porque parcela das fotos, no mesmo contexto, foi publicada comprovadamente na internet, de modo que as obras ou fatos por elas retratados já eram de notório conhecimento público, nada inovando a publicação das fotografias eventualmente “novas”. Ou seja, é tão irrisória a conduta “melhor, a interpretação trazida pela parte autora, na ânsia de criar fato político a ser investigado por ação tão séria como a AIJE, beira o exagero jurídico” que é impossível entender-se de que modo ela poderia, de algum forma, causar desequilíbrio na disputa política a partir do suposto uso abusivo da máquina pública.

Cumpre também esclarecer que, mesmo não compreendido como conduta vedada o uso das imagens que aqui se analisa, a regularidade da publicação e distribuição dos impressos ainda poderá vir a ser objeto de verificação pela Justiça Eleitoral, sobretudo considerando que os gastos com sua elaboração e distribuição deverão estar apontados em prestação de contas, sujeitos ao limite legal e passíveis de apuração da ocorrência de abuso do poder econômico.

Com essas considerações, a sentença merece ser mantida.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.