RE - 22206 - Sessão: 26/01/2017 às 14:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso em face da sentença que julgou improcedente a representação por abuso do poder político e prática de captação ilícita de sufrágio ajuizada contra SALETE BETTIO SALA, candidata eleita ao cargo de vereador, CLAIRTON CARBONI e VALDIR MACHADO SOARES, eleitos prefeito e vice-prefeito do Município de Tenente Portela, ao argumento de que não restou comprovada a conduta imputada aos representados.

Em suas razões recursais (fls. 122-129v.), sustenta ter sido comprovada nos autos compra de votos e coação à eleitora, bem como divulgação de propaganda irregular, a qual teria sido veiculada em rádio, levando a efeito a mensagem de que a atuação dos candidatos/partido ensejou a construção de casas populares, violando assim a legislação eleitoral, art. 22 da LC 64/90, arts. 40-B e 41-A da Lei das Eleições e art. 37, § 1º, da CF. Assevera que a eleitora recebeu R$ 50,00 para votar e fazer propaganda para os candidatos a prefeito e vice representados, tendo sido também ameaçada de que, caso não gravasse o áudio que veio a ser veiculado como propaganda eleitoral, perderia o benefício do aluguel social que recebia da administração municipal. Termina por afirmar que se encontra evidenciada a finalidade dos representados, presentes no momento da gravação, no sentido de obter votos.

Com contrarrazões, nesta instância, os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o Ministério Público Eleitoral ingressou com a presente ação de investigação judicial eleitoral em face de Clairton Carboni (prefeito), Valdir Machado Soares (vice-prefeito) e Salete Sala (vereadora), todos eleitos no atual pleito no Município de Tenente Portela, atribuindo-lhes a divulgação de propaganda eleitoral irregular, captação ilícita de sufrágio e abuso de poder político.

Alega que Clairton Carboni veiculou, no rádio, uma gravação de áudio, utilizada na propaganda eleitoral gratuita, em que a eleitora Sirlei do Amaral afirma que está tendo todo o apoio da prefeitura, inclusive com aluguel social e inscrição em projeto habitacional popular, e ao final pede votos para o candidato.

Transcrevo a fala da eleitora:

Meu nome é Sirlei. Moro há 15 anos no bairro São Francisco. Estou esperando a finalização da construção da minha casa no bairro São Francisco. Estou tendo todo auxílio da Prefeitura Municipal, inclusive com o aluguel social. Voto 12 porque eu confio no Carboni. Ele fez e vai fazer muito mais por nós. Eu voto 12.

A captação ilícita de sufrágio estaria consubstanciada na afirmação realizada pela eleitora Sirlei do Amaral, num vídeo por ela entregue ao Ministério Público Eleitoral, de que foi ameaçada pela candidata Salete Sala para fazer a referida gravação de áudio, sob pena de perder o benefício do aluguel social. Além disso, a candidata teria entregue à eleitora cinquenta reais para votar e fazer a referida propaganda.

Inicialmente, quanto ao conteúdo da fala da eleitora na referida gravação de áudio, consigno não haver irregularidade na divulgação do texto da propaganda eleitoral. A mensagem, por si só, não caracteriza abuso de poder, uso indevido dos meios de comunicação social ou conduta vedada, nem apresenta qualquer vício passível de repreensão.

A legislação não proíbe que o candidato utilize eleitor que recebe benefício assistencialista para fazer propaganda ou campanha em favor da sua candidatura.

De acordo com entendimento consolidado no âmbito do TSE, não há abuso de poder no fato de o candidato apresentar, em sua propaganda eleitoral, as realizações de seu governo ou daqueles que o apoiam, pois essa ferramenta é inerente ao próprio debate desenvolvido em referida propaganda (RCED n. 698/TO, Rel. Min. Felix Fischer, DJE de 12.8.2009, e RP 1.098/DF, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 20.4.2007).

Além disso, prevalece a jurisprudência da Corte Superior Eleitoral que se orienta no sentido de que não configura conduta vedada nem o ilícito previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 a realização de promessa de campanha de manter programa municipal de benefícios (AI n. 2790, Rel. Min. Fernando Neves da Silva, DJ de 22.6.2001).

Com idêntico entendimento o seguinte precedente deste Tribunal:

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Parcial procedência da ação no juízo originário. Aplicada multa aos representados.

Afastada a preliminar de inépcia da inicial. Fatos descritos de forma suficiente para a compreensão da causa de pedir. Igualmente rejeitada a prefacial de nulidade do processo por cerceamento de defesa, haja vista que o prazo para alegações finais é comum às partes. Tampouco evidenciada irregularidade na ausência de degravação da audiência de instrução.

O comparecimento de candidato em solenidade de entrega de moradias populares não afronta a legislação de regência, uma vez que ausentes atos direcionados à campanha eleitoral.

Não reconhecido o uso da máquina pública ou a captação ilegal de votos. A divulgação da construção de casas populares como promessa de campanha de candidato não enseja qualquer ilicitude, sendo elemento integrante da sua plataforma política.

Abuso de poder político não configurado. Plausível a divulgação de entrevistas e de imagens de prédios públicos na propaganda de candidatos à reeleição ou daqueles que pretendem dar continuidade ao trabalho do então prefeito. De igual modo é possível aos candidatos opositores valerem-se de imagens e de entrevistas que revelem falhas e insatisfações com a Administração atual.

Uso indevido dos meios de comunicação social não evidenciado. Matéria divulgada na imprensa escrita, com caráter meramente informativo, em que divulgada a visita de deputado ao município, inexistindo comprovação de se tratar de publicidade paga.

Não vislumbrada a utilização de ocupantes de cargos públicos na campanha dos representados durante o período de trabalho, haja vista que aludidos servidores não possuem horário de expediente determinado.

Reforma da sentença monocrática. Ação considerada improcedente.

Provimento negado ao apelo da coligação recorrente.

Provimento aos demais apelos.

(Recurso Eleitoral n. 46547, Acórdão de 24.9.2013, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 183, Data 3.10.2013, Página 6.)

Assim, o candidato pode fazer referência, na propaganda de campanha, às realizações de seu governo, a fim de favorecer sua candidatura e mostrar-se o mais apto e preparado para o cargo eletivo almejado, por tratar-se de expediente próprio do debate político em disputa pelo voto do eleitorado.

Contudo, uma vez comprovada a maneira pela qual teria sido obtida a fala da eleitora beneficiada pelo programa assistencialista, a saber, imposição de gravar o áudio, aliada à ameaça de retirada do benefício social caso se recusasse a participar da propaganda, além da entrega de R$ 50,00 para que votasse nos candidatos, estaria caracterizada a prática de abuso de poder político e a captação ilícita de sufrágio alegada na inicial.

Ocorre que, como bem ponderou a magistrada sentenciante, a prova da infração, que é exclusivamente testemunhal, não se apresenta segura, robusta e incontroversa, como se exige para a imposição de sanção, sendo insuficiente para o decreto condenatório.

A prática dos fatos está baseada nas afirmações da eleitora alegadamente corrompida, Sirlei do Amaral, e no depoimento das testemunhas Maria Fátima Vendrúsculo, Rosângela Fornari - candidata a vereadora pela agremiação adversária a dos representados - e Jonas Martins - que trabalhava no marketing da campanha da coligação opositora a dos recorridos. No entanto, os depoimentos não se mostram isentos nem trazem credibilidade sobre os fatos.

O vídeo contido na mídia da fl. 05, entregue inicialmente ao Ministério Público Eleitoral e oferecido com a inicial da representação, no qual a eleitora Sirlei afirma ter sido coagida a gravar o áudio impugnado nestes autos e ter recebido R$ 50,00, foi produzido no estúdio da coligação adversária a dos representados, onde trabalhava a testemunha Jonas Martins.

Além disso, a eleitora Sirlei reconhece que sua intenção, ao denunciar os fatos, era favorecer a campanha dos candidatos opositores aos representados. Colho as ponderações da sentença sobre a imprestabilidade de a prova conduzir à condenação:

Primeiramente, cabe tecer algumas considerações sobre o vídeo gravado pela eleitora Sirlei (fl. 05). Já começo esclarecendo que, analisando a mídia com o vídeo gravado pela eleitora (fl. 05), esta afirma ter recebido cinquenta reais da candidata Salete Sala para gravar o áudio que foi usado na propaganda eleitoral, diferentemente do que alega o representante ao afirmar na inicial que "conforme consta no vídeo em anexo, a candidata Salete Sala entregou à eleitora Sirlei Amaral R$ 50,00 (cinquenta reais) para ela não só votar, como fazer propaganda eleitoral irregular em favor do candidato Clairton Carboni". A gravação mostra-se frágil enquanto prova, já que produzida no estúdio da coligação adversária da coligação dos representados, sendo que percebe-se nitidamente a condução (diga-se, com clara finalidade político-eleitoral, ou seja, visando beneficiar a campanha da coligação adversária) das perguntas e respostas proferidas pela eleitora. Friso, inclusive, que a testemunha Jonas Martins, que estava presente na gravação do vídeo apresentado na inicial fazendo perguntas à eleitora, assumiu na audiência de 26/10/2016, ser o responsável pelo marketing da campanha da coligação do candidato Jalmo Fornari e no minuto 15:12 da mídia contendo o seu depoimento (fl. 82) diz que "era um vídeo gravado com intenção política, então a gente ia direcionar ela pra de acordo com nossa campanha, que era colocar ela favorável ao Jalmo e contrária ao Carboni..." (sic).

Além disso, o juízo a quo salientou que Sirlei declarou, em juízo, que a ideia de gravar o vídeo usado na inicial partiu da candidata a vereadora Rosângela Fornari, após conversa entre as duas na casa da eleitora, sendo que a candidata fazia oposição aos representados.

Rosângela Fornari foi ouvida em juízo e apenas relatou o que Sirlei havia lhe dito, mesma situação ocorrida com o depoimento de Jonas Martins.

Já a testemunha Maria de Fátima Vendrúsculo, ouvida de ofício pelo juízo, apenas relatou que a candidata Salete Sala esteve em seu bar pedindo votos e perguntou à Sirlei se ela podia gravar a propaganda para o candidato Carboni, mas não presenciou a entrega de dinheiro para a eleitora.

De notar-se que, em função das contradições presentes nos depoimentos colhidos durante a instrução, foi remetida cópia das oitivas para a polícia realizar apuração de eventual delito criminal por falso testemunho.

Diante da insuficiência do caderno probatório, assiste razão à magistrada sentenciante ao considerar que, por força do art. 373, I e II do CPC, o ônus da prova incumbe a quem alega o fato, e que não restou claramente configurada a prática de uma das ações necessárias à caracterização da captação ilícita de voto, quais sejam, doar, ofertar, prometer ou entregar, violentar ou ameaçar gravemente o eleitor, com o fim de obter-lhe o voto.

De fato, do exame dos autos não se evidencia grave e dolosa ameaça nas condutas imputadas aos recorridos, nem provas robustas de que houve o alegado pagamento de dinheiro para votar ou para gravar o áudio impugnado.

Além disso, para a caracterização de abuso de poder, é necessário que a gravidade da prática imputada tenha como resultado potencial o rompimento da normalidade das campanhas e da paridade de oportunidades entre os concorrentes nas eleições, circunstância que não ocorreu no caso em tela.

Com essas considerações, a sentença merece ser mantida.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.