RE - 36913 - Sessão: 21/03/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Desde logo reconstituo que os recorrentes obtiveram a segunda votação para prefeito e vice, conquistando o maior número de votos o candidato a prefeito por outra legenda.

Assim, os ex-candidatos IDAIR BEDIN e ADRIANA TERESINHA DE MOURA RODRIGUES TAGLIARI recorrem da sentença proferida pelo Juízo da 75ª Zona Eleitoral – Nova Prata – (fls. 170-178), que julgou parcialmente procedente representação proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, com fundamento no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, impondo a sanção de cassação do registro de candidatura da chapa majoritária integrada pelos recorrentes, e condenando o candidato ao cargo de prefeito, IDAIR BEDIN, ao pagamento de multa, declarando-o, ainda, inelegível para as eleições que se realizarem nos oito anos subsequentes ao pleito de 2016, nos termos do art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90.

Em suas razões recursais (fls. 180-210), os recorrentes sustentam, em preliminar: a) cerceamento de defesa; b) inépcia da inicial; c) impossibilidade jurídica do pedido; d) ilegitimidade passiva da representada Adriana Teresinha Tagliari; e e) ilicitude da prova. No mérito, requerem a improcedência da representação arguindo, em síntese, que a narrativa contida na inicial não traduz a realidade dos fatos, consistindo em trama urdida por adversários políticos. Aduzem que o conjunto probatório carreado aos autos mostra-se insuficiente para amparar decreto condenatório em sede de representação fundada no art. 41-A da Lei das Eleições e pugnam pela improcedência da representação.

Com contrarrazões (fls. 221-227), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo parcial provimento do recurso, apenas para ser afastada da decisão a declaração de inelegibilidade do recorrente IDAIR BEDIN (fls. 231-238v.).

É o relatório.

 

VOTO

Prossigo em ordem jurídica.

Antes de desenvolver meu voto, procedo algumas observações.

A sentença, ampla e completa, demonstra a dedicação na sua elaboração, em caso que é propício à divergência por causa das suas circunstâncias determinantes do julgamento.

As alegações recursais são enfáticas e exaustivas, às vezes excedem sem necessidade, como reconheço também a dedicação do advogado constituído.

Admissibilidade do recurso

O recurso foi interposto dentro do tríduo legal, sendo, portanto, tempestivo (fls. 179-180). Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço a irresignação.

Questões preliminares do mérito

1. Nulidade por cerceamento de defesa

É de ser afastada a alegação de ocorrência de cerceamento de defesa pela suscitada omissão do juízo em apreciar pedido apresentado por ocasião da defesa, por meio do qual pretendiam os recorrentes que fossem expedidos ofícios à Câmara de Vereadores e à Prefeitura de André da Rocha.

Como cediço, para que a respectiva produção seja deferida, a prova deve ser vislumbrada, ainda que em tese, como potencialmente modificadora da convicção do julgador.

Encontra-se sedimentado na jurisprudência o entendimento segundo o qual não configura cerceamento de defesa o indeferimento de prova quando o julgador entender que ela é prescindível para o deslinde da demanda.

A respeito, a título exemplificativo, os seguintes julgados deste Tribunal:

Recurso. Propaganda eleitoral. Eleições 2012.

Procedência da representação no juízo originário. Aplicação de pena pecuniária no patamar máximo, de forma solidária, aos representados.

Afastada a prefacial de desconstituição da sentença por indeferimento de oitiva de testemunhas. É cediço que o magistrado tem a faculdade de presidir a instrução, determinando as provas que entender necessárias e indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Ademais, o rito sumário das representações por propaganda irregular não prevê a realização de coleta de depoimentos.

Acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva do diretório municipal da agremiação partidária, à luz do art. 6º, § 4º, da Lei n. 9.504/97. O partido político coligado somente possui legitimidade para atuar de forma isolada no processo eleitoral quando questionar a validade da própria coligação. Não é factível a substituição processual do partido ilegítimo pela coligação a qual integra. Ainda que a referida coligação tenha sido intimada para a retirada da propaganda impugnada, foi o diretório municipal do partido político quem apresentou defesa e a peça recursal.

Afixação de bandeiras em rótulas de trânsito do município, dificultando a visibilidade e aumentando o risco da ocorrência de acidentes envolvendo veículos e transeuntes em geral.

Incontroverso que não houve atendimento à determinação judicial para retirada do material, providência somente efetuada após o prazo concedido aos representados pelo chefe do cartório eleitoral.

Redução do valor da multa, a ser aplicada exclusivamente ao candidato recorrente.

Extinção do feito, sem resolução do mérito, em relação ao diretório municipal da agremiação partidária.

Parcial provimento ao recurso.

(TRE-RS - RE n. 63452, Relator Dr. LEONARDO TRICOT SALDANHA, PSESS em 08.8.2013.) (Grifei.)

 

Recurso. Registro de candidatura. Impugnação. Cargo de vereador. Inelegibilidade. Desincompatibilização. Lei Complementar n. 64/90. Eleições 2016.

Decisão do juízo eleitoral pela improcedência da impugnação e deferimento do registro de candidatura, por entender preenchidos os requisitos legais.

Preliminar afastada. Não vislumbrado cerceamento de defesa. Cabe ao magistrado verificar a pertinência ou não das provas requeridas pelas partes.

Exigência de afastamento de três meses anteriores à data do pleito para os membros de conselhos municipais, porquanto equiparados a servidores públicos, nos termos do art. 1º, inc. II, al. “l”, da LC n. 64/90. Na condição de membro do conselho municipal da saúde, provada a sua desincompatibilização por meio da declaração firmada pelo presidente do aludido órgão, no sentido do desligamento das funções em tempo hábil.

Provimento negado.

(TRE-RS - RE n. 23550, Relatora Dra. GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA, PSESS em 11.10.2016.) (Grifei.)

O juízo de primeiro grau entendeu desnecessária sua produção, uma vez que, conforme pontuado à sentença de fls. 175-176:

De forma inaugural, quanto aos pedidos de diligências formulados pela Defesa na contestação e reiterados em sede de memoriais, ante a possibilidade de que seja ventilado o cerceamento de defesa, tenho que as diligências são desnecessárias porquanto já satisfatoriamente evidenciadas nos autos mediante a inquirição das testemunhas e da própria Assistente Social, o que torna dispensável a requisição de informações que, de outra forma, já se encontram nos autos no corpo dos depoimentos colhidos.

A prefacial foi muito bem analisada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer acostado às fls. 231-238v., cujos argumentos a seguir transcrevo e adoto como razões de decidir:

Consoante art. 370 do Código de Processo Civil, cabe ao juiz determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Em análise ao caso concreto e às diligências postuladas, nota-se que em nada a expedição dos ofícios contribuiria para o conjunto probatório.

Ademais, como bem destacado pelo Ministério Público Eleitoral nas contrarrazões apresentadas, não demonstram os recorrentes os prejuízos sofridos com a ausência da prova a ser obtida com as diligências requeridas e indeferidas pelo Juízo de origem.

Gize-se, também, que com a produção da prova oral restou demonstrado que o advogado Alex Hermindo Nuss trabalha junto à Câmara de Vereadores, bem como que a depoente Solange de Fátima Moraes é beneficiária dos serviços de assistência social disponibilizado pelo Município de André da Rocha.

Assim, a preliminar deve ser afastada.

Por tais razões, afasto a preliminar suscitada.

2. Inépcia da petição inicial da representação

Os recorrentes suscitam inépcia da inicial devido à ausência de degravação do conteúdo da mídia acostada à fl. 27 dos autos, afirmando tratar-se de documento de “natureza essencial à lide”, o qual deveria ter acompanhado a inicial por força do estabelecido no art. 24, § 1º, da Resolução TSE n. 23.462/15, que assim dispõe:

Art. 24.

[...]

§ 1º No caso de representação instruída com imagem e/ou áudio, uma via da respectiva degravação será encaminhada com a notificação, devendo uma cópia da mídia e da degravação permanecer no processo e uma cópia da mídia ser mantida em cartório, facultando-se às partes e ao Ministério Público, a qualquer tempo, requerer cópia, independentemente de autorização específica do Juiz Eleitoral.

A ação foi ajuizada com base em vídeo no qual o recorrente teria sido filmado realizando captação ilícita de sufrágio. Do exame dos autos, verifica-se que o procedimento previsto pelo TSE na referida resolução não foi observado pelo representante.

Encontrando-se a mídia nos autos, seu conteúdo pode ser facilmente acessado, de forma que a ausência da degravação constituiu mera situação formal que não importou em óbice à defesa.

Os representados tiveram pleno acesso ao conteúdo da referida mídia, garantido, assim, de forma absolutamente ampla, o exercício do direito constitucional de defesa.

Para a configuração do cerceamento de defesa é necessário demonstrar o prejuízo sofrido.

Contudo, os recorrentes não lograram demonstrar prejuízo concreto advindo da inobservância, por parte do representante, da regra insculpida no § 1º do art. 24 da Resolução TSE n. 23.462/15.

Assim a jurisprudência, conforme ementa abaixo transcrita exemplificativamente:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. DEGRAVAÇÃO PARCIAL. UMA VIA. PREJUÍZO. AUSÊNCIA. VALIDADE. PROVA. NÃO PROVIMENTO.

1. A falta de demonstração de prejuízo decorrente da degravação parcial da única via da mídia apresentada afasta a possibilidade de decretação de nulidade.

2. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe n. 7763 - Serra Caiada/RN - Acórdão de 15.10.2013 - Relator Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI – Pub. DJE de 05.11.2013.)

Estamos a tratar, ressalto, da ausência de degravação de conteúdo de mídia nos autos (formalidade que não gerou prejuízo aos ora recorrentes), situação diversa da hipótese de ausência de entrega de cópia de documentos anexados à representação e que poderia justificar eventual declaração de nulidade do procedimento com esteio na jurisprudência deste Tribunal (MS n. 0600091-91.2016.6.21.0000, julgado na sessão de 09.02.2017, Relator Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Prolator do Voto-Vista e Redator para o acórdão Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura).

Além disso, o art. 330, § 1º, do Código de Processo Civil estabelece que:

Art. 330.

[...]

§ 1º Considera-se inepta a petição inicial quando:

I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;

II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;

III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;

IV - contiver pedidos incompatíveis entre si.

Portanto, não configurada, no caso, nenhuma das hipóteses elencadas no texto legal, afasto a questão preliminar.

3. Impossibilidade jurídica do pedido

Sustentam os recorridos que, diante do insucesso da chapa na eleição, não há registro ou mandato passíveis de cassação por esta Justiça especializada, encontrando-se, assim, prejudicada a presente ação.

A questão foi analisada com percuciência pelo Procurador Regional Eleitoral, motivo pelo qual transcrevo os fundamentos expostos no parecer de fls. 231-238v., adotando-os também como razões de decidir:

A parte recorrente sustenta que, frente ao trânsito em julgado do registro da chapa e a não conferência de diplomas, uma vez que os candidatos perderam o pleito, o pedido resta prejudicado, devendo a ação ser extinta na forma dos arts. 17 e 585, IV e V, do CPC.

Como o bem jurídico tutelado pelo art. 41-A da Lei nº 9.840/99 é a vontade do eleitor, dispensa-se a prova da potencialidade de ofensa à lisura do pleito para que a representação seja procedente. Rodrigo López Zílio, referenciando o Ministro Nélson Jobim, deixa claro que o art. 41-A não tem como objetivo proteger o resultado da eleição².

O art. 41-A da Lei n. 9.504/97 prevê a aplicação da sanção de cassação do registro ou do diploma cumulativamente com a sanção pecuniária.

Nesse sentido, o TSE firmou entendimento acerca da necessidade de imposição da penalidade de cassação do registro ou do diploma, a fim de se proteger a liberdade individual do eleitor e do seu sufrágio, bem como de preservar a isonomia entre os candidatos, eleitos ou não:

'AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

1. A jurisprudência deste Tribunal Superior se firmou no sentido de que as sanções descritas no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 são cumulativas e de que, verificado o término do mandato, não há propósito para a continuidade do feito sob a alegação de subsistência da possibilidade de aplicação de multa.

2. O fato de o agravante não ter sido eleito não impossibilita a imposição da penalidade cumulativa de cassação a que se refere o art. 41-A da Lei nº 9.504/97, uma vez que a reprimenda é cabível em relação ao registro de candidatura.

3. A sanção de cassação não se justifica apenas em relação àqueles que lograram êxito no pleito, mas também em relação a candidatos derrotados, tendo em vista o bem protegido pela norma, consistente na proteção à liberdade individual do eleitor e do seu sufrágio, bem como a necessidade de observância da isonomia entre candidatos, eleitos ou não.

4. A despeito de o art. 41-A da Lei nº 9.504/97 prever a possibilidade de "cassação do registro ou do diploma " pela prática de captação ilícita de sufrágio, o juízo de primeiro grau impôs aos candidatos recorridos apenas a sanção de multa, sem que tenha havido irresignação da autora da representação quanto ao ponto, o que torna preclusa a discussão acerca da eventual possibilidade de cassação dos registros de candidatura no caso em exame, bem como da aplicação cumulativa das sanções. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 23073, Acórdão de 18/12/2015, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 03/03/2016, Página 108.)'

Ademais, eventual cassação do registro de candidato decorrente da condenação por captação ilícita de sufrágio, mesmo que não eleito o réu objeto da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, pode gerar o efeito reflexo da inelegibilidade estatuída no art. 1º, inciso I, alínea j, da LC nº 64/90. Pelo que, também por essa razão não se deve acolher a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.

Nesse sentido, sem razão o recorrente quando sustenta incompatibilidade entre o pedido formulado e a situação fática.

² ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 581.

Com essas considerações, afasto a prefacial.

4. Ilegitimidade Passiva “Ad Causam”

Os recorrentes aduziram a ilegitimidade passiva da representada Adriana Teresinha Tagliari.

No entanto, a presente representação foi ajuizada contra IDAIR BEDIN (prefeito do Município de André da Rocha e candidato à reeleição em 2016) e ADRIANA TERESINHA DE MOURA RODRIGUES TAGLIARI (candidata ao cargo de vice-prefeito, pela mesma chapa majoritária).

O Tribunal Superior Eleitoral, ao editar a Súmula n. 38, consolidou entendimento no sentido de determinar a formação de litisconsórcio passivo necessário entre os integrantes da chapa majoritária nas ações em que se busca a cassação do registro, do diploma ou do mandato, justamente porque eventual procedência desses pedidos importa prejuízo a ambos os candidatos.

Eis o inteiro teor da referida súmula: “Nas ações que visem à cassação de registro, diploma ou mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o respectivo vice da chapa majoritária”.

Desse modo, sendo impositiva a inclusão do candidato ao cargo de vice-prefeito no polo passivo da demanda, inexiste vício no processo decorrente da sua integração na relação processual.

Afasto a preliminar.

5. Ilicitude da prova

Alegam os recorrentes, ainda, ter sido obtida de forma ilícita a gravação contida na mídia juntada à fl. 27 dos autos.

Trata-se de gravação, em vídeo, de conversa havida entre Idair Bedin e Solange de Fátima Moraes, na residência desta, oportunidade em que, de acordo com a inicial, o representado teria entregado à interlocutora um panfleto com sua propaganda eleitoral e R$ 500,00 (quinhentos reais) em dinheiro, dizendo que “era para votar nele”.

A gravação teria sido realizada pelo filho de Solange, Bruno Moraes, por meio de aparelho celular de sua genitora.

O TSE tem entendimento de que a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro e sem a prévia autorização judicial, é prova ilícita, conforme a jurisprudência citada no recurso interposto (fls. 195-198).

Entretanto, conforme entendimento sedimentado do Supremo Tribunal Federal, a gravação da conversa feita por um dos interlocutores não se amolda à disposição constitucional que exige autorização judicial para sua realização.

De acordo com o STF, é considerada lícita a prova colhida através da denominada "gravação clandestina", em que há gravação do diálogo por um interlocutor sem o conhecimento do outro, desde que não haja causa legal específica de sigilo nem reserva de conversação, como no caso concreto.

A título exemplificativo, cito os seguintes precedentes: HC 91613, ReI. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 14.9.2012; AI 560223 AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 28.4.2011; RE 402717, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJe 12.02.2009.

A matéria foi discutida em Questão de Ordem no Recurso Extraordinário n. 583.937, de relatoria do Ministro Cezar Peluso (DJe 18.12.2009), sendo reconhecida como de repercussão geral, conforme se lê:

AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-13, § 31, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. (Grifei.)

A respeito do tema, trago, também, as considerações tecidas pelo Dr. Hamilton Langaro Dipp no julgamento do RE  n. 884-79, em sessão realizada neste Tribunal em 03.6.2014:

Esta Corte já decidiu, com base em decisão proferida em regime de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, que a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro é plenamente lícita, de acordo com a ementa que segue:

'Recurso. Condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio. Alegada oferta à eleitora de inclusão em programa habitacional em troca de apoio, em ofensa aos art. 41-A e art. 73, inc. IV, ambos da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Improcedência da representação no juízo originário.

Matéria preliminar rejeitada. É lícita a gravação ambiental realizada sem o conhecimento de um dos interlocutores quando ausente motivo que justifique uma especial proteção da intimidade. (Grifei.)

Acervo probatório frágil a amparar juízo condenatório. A gravação ambiental juntada aos autos, embora legal, é imprestável como meio de prova, haja vista a qualidade do som, praticamente inaudível. Tampouco a imagem e o áudio permitem a efetiva identificação dos interlocutores.

Manutenção da sentença prolatada.

Provimento negado.

(TRE-RS, Relator Dr. LEONARDO TRICOT SALDANHA, julg. em 27.6.2013.)'

Trata-se, pois, de conversa havida entre um dos representados, Idair Bedin, e a testemunha Solange de Fátima Moraes. Não se vislumbra qualquer situação que mereça especial proteção da intimidade dos interlocutores.

Sendo lícito à eleitora testemunhar a respeito dessa conversa, como o fez, aliás, em juízo (fls. 126-128), nada impede que apresente a gravação realizada.

Dessa forma, de acordo com os julgados deste Tribunal, em consonância com o entendimento firmado pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, deve ser afastada a nulidade suscitada.

No mérito estou dando provimento ao recurso interposto pelos recorrentes.

DESTACO as questões preliminares, para votação individual ou em conjunto.

 

Mérito da representação, da sentença e do recurso

O MPE ajuizou representação contra IDAIR BEDIN (prefeito do Município de André da Rocha e candidato à reeleição em 2016) e ADRIANA TERESINHA DE MOURA RODRIGUES TAGLIARI (candidata ao cargo de vice-prefeito), porque o primeiro representado teria supostamente entregue a quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais) à eleitora Solange de Fátima Moraes, prometendo alcançar-lhe em oportunidade futura mais R$ 400,00 (quatrocentos reais), com o intuito de angariar voto em seu favor, conduta que configuraria captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990.

A seu turno, os recorrentes negam a prática descrita e asseveram que tudo não passou de trama engendrada por seus adversários políticos, em razão da acirrada disputa estabelecida no cenário político-eleitoral do pleito de 2016 em André da Rocha. Destacam que o advogado Alex Hermindo Nuss, procurador da coligação formada pelos partidos PP e PTB na eleição municipal do ano passado, acompanhou os denunciantes Solange e Bruno em suas visitas ao MPE local, inclusive firmando com os declarantes os respectivos termos de depoimento.

Além disso, afirmam os recorrentes, as testemunhas do representante são parentes entre si, todos com flagrante comprometimento político com a coligação adversária. Sustentam, também, que Solange havia sido contratada como cabo eleitoral do representado Idair, informação que, afirmam, foi por ela sonegada e que o encontro gravado em vídeo (mídia da fl. 27) registra, na verdade, a oportunidade em que Idair efetuou o pagamento de R$ 500,00 como parte do pagamento pelos serviços prestados por Solange. Juntam contrato de prestação de serviços datado de 1°.9.2016 (fls. 90-91).

Asseveram, igualmente, que, embora Solange tenha negado que a assinatura constante no referido contrato seja sua, é idêntica à que a testemunha apôs no termo de audiência da fl. 127. E mais, que a eleitora faltou com a verdade quando afirmou que o representado teria telefonado para ela para marcar o encontro a fim de entregar-lhe dinheiro em troca do voto; ao contrário, de acordo com o histórico de chamadas disponibilizado pela operadora de telefonia Vivo, a chamada teria partido do telefone da eleitora, e não da linha pertencente ao representado.

Tenho que, no mérito, as razões recursais merecem ser acolhidas.

No magistério de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 490-491.):

Captação ilícita de sufrágio, em verdade, é uma das facetas da corrupção eleitoral e pode ser resumida como ato de compra de votos. Tratando-se de ato de corrupção necessariamente se caracteriza como uma relação bilateral e personalizada entre o corruptor e o corrompido. Em síntese, a captação ilícita de sufrágio se configura quando presentes os seguintes elementos: a) a prática de uma conduta (doar, prometer, etc.); b) a existência de uma pessoa física (o eleitor); c) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter voto); d) o período temporal específico (o ilícito ocorre desde o pedido de registro até o dia da eleição).

Os verbos nucleares da captação ilícita de sufrágio (doar, oferecer, prometer ou entregar) encontram similitude com os previstos para o crime de corrupção eleitoral ativa (dar, oferecer, prometer), restando como diferenciador, apenas, a conduta de doar – que é prevista na captação ilícita de sufrágio e inexistente na corrupção eleitoral, evidenciando-se o desiderato legislativo de ampliar o espectro punitivo. Entregar, pelo léxico, significa passar às mãos ou à posse de alguém; doar importa a transmissão gratuita; oferecer significa apresentar ou propor para que seja aceito; prometer é obrigar-se a fazer ou dar alguma coisa.

Francisco de Assis Sanseverino (Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 274) leciona que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 protege genericamente a legitimidade das eleições e, especificamente, o direito de votar do eleitor e a igualdade de oportunidades entre candidatos, partidos e coligações.

Para o enquadramento da conduta na moldura do texto do art. 41-A, deve haver a compra ou negociação do voto, com promessas de vantagens específicas, de forma a corromper o eleitor.

Segundo a interpretação do TSE, a captação ilícita pressupõe pelo menos três elementos: 1. a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer, etc.); 2. a existência de uma pessoa física (eleitor); 3. o resultado a que se propõe o agente (obter o voto).

Este terceiro elemento necessário para a caracterização da captação ilícita do sufrágio está previsto no art. 41-A, § 1º, segundo o qual “para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir”.

Para que se desvele o dolo específico do candidato, leciona Rodrigo Zilio que “o fato praticado deve ser avaliado a partir das circunstâncias inerentes ao caso concreto, revelando-se necessário perscrutar qual o real interesse do candidato em praticar aquela conduta determinada, a origem e situação pessoal do eleitor que é o beneficiário do ato (v.g., capacidade econômica, cultural, etc.) e a preexistência eventual de relação pessoal entre ambos.” (Direito Eleitoral. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 491.).

Ou seja, para a configuração da hipótese do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 é necessária a conjugação dos citados elementos subjetivos e objetivos.

A meu juízo inexiste prova condenatória.

O decreto condenatório baseia-se na afirmação da eleitora alegadamente corrompida e em vídeo contido na mídia acostada à fl. 27, entregue inicialmente ao MPE e trazido com a representação subjacente.

Por causa da péssima qualidade da gravação contida na referida mídia, não é possível concluir de forma segura o propósito do encontro havido entre o representado e Solange de Fátima. Nele é possível verificar apenas que o recorrente entrega dinheiro a sua interlocutora. Todavia, impossível compreender a conversa havida entre os dois ou sequer determinar a quantia entregue.

Dessa forma, a gravação não basta para o fim de confirmar a versão dos fatos apresentada por Solange.

No que concerne à prova oral, apenas um dos seis depoimentos colhidos, o da própria Solange, sustenta a versão que amparou o veredito de procedência da representação.

Ao depor perante o Juízo da 75ª Zona Eleitoral, Solange, declarou que, no início de setembro de 2016, recebeu uma ligação telefônica do representado Idair Bedin, o qual informou que iria levar-lhe dinheiro em troca de seu voto na eleição majoritária daquele ano.

De acordo com a testemunha, em encontro realizado em sua residência na mesma data, o recorrente entregou-lhe material publicitário de campanha (fl. 29) e a quantia de R$ 500,00, prometendo alcançar-lhe mais R$ 400,00 em ocasião futura. Declarou, ainda, que a pedido seu, o encontro foi gravado por seu filho Bruno de Moraes; e que, dias após, foi procurada por Tânia Mara Toscan da Silva, servidora pública municipal, que lhe ofereceu mais R$ 500,00 para apagar a gravação, proposta que foi recusada pela depoente. Acrescentou ter sido procurada também por um casal de parentes de seu marido, os quais lhe entregaram a quantia de R$ 5.000,00 para que assinasse um documento, mas que não assinou e não sabe o conteúdo.

Bruno de Moraes, filho de Solange e autor da gravação, por sua vez, afirmou que a mãe lhe falou que Idair Bedin iria até a residência da família para levar dinheiro para comprar-lhe o voto, ocasião em que lhe pediu que filmasse o encontro com o telefone celular. Afirmou desconhecer os termos da conversa havida entre Solange e a assistente social Tânia Mara Toscan da Silva. Informou, ainda, que, no pleito de 2016, a mãe votou no candidato adversário do recorrente e que uma tia concorreu ao cargo de vereador pelo partido adversário. Reconheceu como sendo da mãe (Solange) a assinatura aposta no contrato de prestação de serviços acostado às fls. 90-91.

Osmar da Silva de Moraes, marido de Solange, declarou, em síntese, que não presenciou os fatos, limitando-se a relatar o que afirmou ter ouvido de Solange.

A testemunha Delvino Tondo informou ter sido contratado por Idair para trabalhar na campanha eleitoral. Afirmou que, certa vez, acompanhou o recorrente à casa de Solange. Acrescentou que, à ocasião, o recorrente informou que ia levar R$ 500,00 a Solange como adiantamento pela prestação de serviços contratada. Esclareceu, também, que não presenciou o encontro, pois permaneceu aguardando no carro, mas viu que Idair levava na mão um “papel” e que não se tratava de propaganda política.

Por sua vez, Tânia Mara Toscan da Silva negou integralmente a ocorrência dos fatos a ela atribuídos por Solange.

A testemunha Derli Schappo nada presenciou, restringindo-se a prestar depoimento abonatório da conduta do representado.

Um único testemunho não oferece certeza para caracterizar, de forma inequívoca, a prática do ilícito descrito no art. 41-A da Lei das Eleições.

Conforme se extrai da mídia acostada à fl. 128 – gravação da audiência de inquirição de testemunhas –, o depoimento de Solange em juízo conflita em pontos cruciais com as declarações por ela anteriormente prestadas ao MPE (fls. 23, 41 e 52). Além disso, ao longo do depoimento prestado em juízo, ao ter sua versão confrontada com outros elementos de informação contidos nos autos, altera respostas anteriormente dadas.

Assim fez, por exemplo, quando, após ter afirmado categoricamente por mais de uma vez que fora Idair quem havia lhe telefonado, foi informada pelo juiz que o histórico de chamadas disponibilizado pela operadora de telefonia Vivo (fls. 118-122) demonstra o contrário.

De acordo com o citado documento, a chamada para o número do telefone do recorrente na data de 06.9.2016 partiu do telefone celular da eleitora (Solange), e não o oposto, como por ela afirmado em diversas oportunidades. Não se verifica no relatório da empresa de telefonia, o qual abrange o período compreendido entre 05 e 08 de setembro de 2016, uma única chamada da linha pertencente a Idair para o número de Solange.

A testemunha negou que tivesse celebrado contrato de prestação de serviços com o recorrente, não reconhecendo como sua a assinatura aposta no documento das fls. 90-91. Contudo, em que pese a ausência de perícia técnica, a assinatura guarda extrema semelhança com as encontradas nos termos de declaração das fls. 23, 41, 52 e 52v., bem como no termo de audiência da fl. 127.

Destaco que foi juntada aos autos via original do instrumento em referência, sendo digno de nota o fato de a assinatura ter sido reconhecida pelo filho de Solange, Bruno de Moraes, por ocasião de seu depoimento em juízo.

Outro ponto duvidoso diz com a participação do advogado Alex Hermindo Nuss no episódio.

Consta dos autos que o citado profissional acompanhou Solange e seu filho Bruno nas oportunidades em que foram ao MPE, tendo assinado os termos de declarações das fls. 23 e 25, circunstância característica, pois se trata de pessoa ligada aos partidos integrantes da coligação adversária à chapa dos recorridos, conforme documentos juntados às fls. 86-89v. Interrogada pelo juiz porque Alex Nuss teria solicitado cópias do presente expediente ao Cartório Eleitoral de Nova Prata, Solange silenciou.

Ao se assistir ao vídeo da fl. 27, não se vislumbra no material entregue pelo representado a Solange qualquer semelhança com a propaganda à fl. 29. A imagem coaduna-se mais com a declaração da testemunha Delvino Tondo de que não se tratava de material de campanha, e sim que, à ocasião em que foi à casa de Solange, Idair Bedin portava um “papel”.

De acordo com Bruno de Moraes, a mãe não só votou no candidato adversário do representado como participou ativamente de sua campanha, indo a comícios portando bandeira.

Esses diversos elementos, somados, demonstram que a ocorrência do ilícito não se encontra demonstrada, formada por gravação unilateral de péssima qualidade, que não permite compreender o que realmente ocorreu, e por um único testemunho, comprometido pela orientação política da eleitora envolvida.

Consoante pacífica jurisprudência, a ocorrência do ilícito do art. 41-A da Lei das Eleições do Tribunal Superior Eleitoral não pode ser presumida, dada a gravidade do sancionamento cominado pela legislação eleitoral.

Cabe citar, em caráter exemplificativo, os seguintes precedentes do Tribunal Superior Eleitoral e deste Regional:

RECURSO ESPECIAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROVA ROBUSTA. AUSÊNCIA. PROVIMENTO.

1. Considerando a contradição da prova analisada pela Corte Regional, não há como se entender pela configuração da captação ilícita de sufrágio, a qual demanda a presença de prova robusta e inconteste, o que não se verifica na hipótese dos autos.

2. Recurso especial provido.

(TSE – AC 79143 BA, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Data de Julgamento: 25.3.2014, Data de Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 95, Data 23.5.2014, Página 67.) (Grifei.)

 

Recursos. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei 9.504/97. Doação de ranchos a eleitores em troca do voto. Eleições 2012. A ausência de comprovação da participação do candidato ou sua anuência impede o juízo condenatório. Ausência de esclarecimentos sobre a origem do material que suporta a acusação e do vínculo do representado com o suposto esquema de compra de votos. Necessidade, diante da severa sanção embutida na norma, de prova contundente e não apenas indícios da prática do delito.

Provimento negado.

(TRE-RS – RE 80385 RS, Relator Dr. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Data de Julgamento: 28.8.2014, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 155, Data 1°.9.2014, Página 2.) (Grifei.)

 

Recurso. Representação. Propaganda eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Abuso de poder. Art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Improcedência. Eleições 2016.

Suposta entrega de dinheiro a eleitor beneficiário de programa social da prefeitura, em troca de voto e de participação em gravação de áudio para veiculação na propaganda eleitoral em rádio dos candidatos majoritários representados. Alegada prática de coação, com ameaça de perda do aludido benefício no caso de recusa do voto e da cooperação com a publicidade.

Acervo probatório alicerçado em depoimentos de pessoas ligadas ao candidato adversário dos representados e em prova oral contraditória.

Elementos insuficientes a comprovar a captação ilícita de voto e o abuso de poder. Não demonstrado o potencial rompimento da normalidade das campanhas e da paridade de oportunidades entre os concorrentes nas eleições.

Sentença de improcedência confirmada.

Provimento negado.

(TRE-RS – RE 222-06 – Relator Dr. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES – P. Sessão de 26.01.2017.)

Destaca-se, por oportuno, que, por força do art. 373, incs. I e II do CPC, o ônus da prova incumbe a quem alega o fato e que, no presente caso, o contexto probatório não permite que se reconheça a prática de captação ilícita de sufrágio atribuída ao recorrente Idair Bedin, pois não identifico, nos autos, elementos suficientes a demonstrar que o representado tenha efetivamente entregue a Solange de Fátima de Moraes valor em dinheiro com a finalidade específica de obter-lhe o voto.

Assim, pelas razões expostas, deve ser julgada improcedente a representação.

 

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo provimento do recurso interposto por IDAIR BEDIN e ADRIANA TERESINHA DE MOURA RODRIGUES TAGLIARI, para julgar improcedente a representação subjacente e, por via de consequência, afastar as sanções impostas.