RE - 56036 - Sessão: 08/02/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pela COLIGAÇÃO DO POVO PARA O POVO (REDE-DEM-PV-PSDB-PRB) e pelos partidos que a compõem (fls. 32-34) em face da sentença prolatada pelo Juízo Eleitoral da 50ª Zona, de Charqueadas (fls. 28-30), que indeferiu a petição inicial e julgou extinta, sem resolução do mérito, a ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) instaurada para apuração de abuso de poder e conduta vedada.

Pelo disposto na exordial, percebe-se que a AIJE em exame foi ajuizada em face do então Prefeito de Charqueadas/RS, DAVI GILMAR DE ABREU SOUZA, dos candidatos (eleitos) a prefeito e vice SIMON HEBERLE DE SOUZA e EDILON OLIVEIRA LOPES, bem como da COLIGAÇÃO CHARQUEADAS SEMPRE EM FRENTE (PDT-PMDB-PTB-PP-SD-PPS), sob o argumento de que o primeiro representado, em benefício próprio e da candidatura dos demais representados, praticou diversas condutas lesivas à disputa eleitoral, buscando a perpetuação no poder. Os fatos compreenderiam, em suma, a distribuição de ranchos à comunidade, com a transferência do local de entrega desses produtos às vésperas do pleito como forma de cooptação de votos, e o pagamento de equipes para realização de boca de urna.

A inicial foi indeferida quanto à coligação demandada porque esta seria parte manifestamente ilegítima; nos demais aspectos, em razão de litispendência, de modo que não estaria demonstrado o interesse processual.

A recorrente, Coligação do Povo Para o Povo (REDE-DEM-PV-PSDB-PRB), em suas razões recursais, rebate os fundamentos que conduziram ao indeferimento da inicial, dizendo que os fatos aqui versados não se confundem com o objeto e a causa de pedir de outra AIJE em curso, pedindo o provimento do recurso para que os autos retornem à origem, sendo oportunizada a regular instrução até a sentença de mérito.

Com contrarrazões (fls. 40-5), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo não conhecimento do recurso (fls. 58-61v).

É o relatório

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Contudo, tal como consignado pelo ilustre Procurador Regional, não comporta conhecimento, pois a irresignação não ataca os fundamentos da sentença.

Transcrevo a percuciente análise realizada pelo órgão ministerial (fls. 59v-61v):

Conforme a sentença, a presente ação seria uma renovação da AIJE nº 546-52.2016.6.21.0050 (atualmente em fase de instrução, ajuizada perante a mesma Zona Eleitoral), configurando o instituto da litispendência, razão pela qual a Magistrada indeferiu a petição inicial, na forma do artigo 330, incisos I, II e III, do Código de Processo Civil, declarando o feito extinto, com base no artigo 485, incisos I, V e VI, do mesmo Diploma Processual.

Pontuou a Magistrada sobre os fatos trazidos na inicial (fl. 29): “Entendo que tal narrativa diz diretamente do fundamento de fato geral já em andamento – cooptação de votos através da entrega de kits ranchos – e não fato que, isolado, mereça o recebimento da inicial para instauração de nova AIJE”.

No recurso, a sentença foi combatida com os seguintes argumentos:

'(...) O que buscam os representantes é exata e unicamente o fato narrado na inicial: uma pessoa desembarca de um veículo VW/GOL identificado com adesivo da candidatura majoritária (terceiro e quarto representados), portando uma sacola azul igual àquelas distribuídas pela Prefeitura Municipal, da qual é gestor o segundo representado. Em seguida, embarca em um ônibus que faz a linha São Jerônimo-Porto Alegre (via Charqueadas) e segue viagem.

O fato e a causa petendi estão bem delineados e comprovados na inicial.

Entretanto, no despacho proferido, a Magistrada diz que tal fato é o mesmo que consta em outra representação, em curso no mesmo Juízo, dizendo não serem documentos e fatos novos e todos contemporâneos ao ajuizamento de outra representação.

Assim não é: Vejam Vossas Excelências que o fato ora em exame ocorreu no dia da eleição (02/10), enquanto os da outra representação foram nos dias 04/10 – entrega de outros kits ranchos e o outro fato no dia 03/10, quando o Prefeito estava pagando as pessoas que atuaram na boca de urna, prática ilegal.

A alusão, pelos representantes a esses outros fatos nesta ação, visou dar um corolário ao Poder Judiciário da reiteração de atos visando fraudar a lisura da disputa eleitoral.

(…)

Diz a magistrada que os representantes deixaram para ajuizar a representação somente passadas as eleições. Ora, o fato em exame ocorreu exatamente no dia da eleição, às 16,40h. Como poderia ajuizar em data anterior? Muito embora não seja objeto da decisão, mas somente referido em passant, aludiu a Juíza dizendo que o fato seria a um caso de litispendência. Ora, se assim fosse, deveria receber a inicial e determinar que os autos fossem apensados à ação que entendesse ser a principal, instruir e julgá-las concomitantemente. Não o fez!'

Já nas contrarrazões, os recorridos SIMON e EDILON sustentaram que (fls. 41-42):

'(...)

Na primeira ação interposta não lograram êxito, pois julgada IMPROCEDENTE, processo n. 544-82.2016.6.210050, como podemos verificar junto ao sistema. Posteriormente, ajuizaram a ação n. 546-52.2016.6.21.0050 que na presente data encontra-se em fase de instrução, onde apresentam objetos e provas idênticas a da ação aqui contra-arrazoada. Os fatos são os mesmos, porém as provas, depois de contestadas, se mostraram frágeis o que ensejou a divisão em duas ações, a presente, n. AIJE 560-36.2016.6.21.0050 e a AIJE 561-21.2016.6.21.0050 que também encontra-se em recurso pelos idênticos motivos aqui expostos.

Se as partes, os fatos e o objeto são os mesmos correta está a decisão da Magistrada em não receber a inicial por litispendência.

(…)

Inegável que os fatos todos são CONTEMPORÂNEOS à primeira ação, mas a presente demanda nada mais pretende do que acrescentar provas que lá deixaram de serem indicadas, tanto material como testemunhal.

Por certo que a alternativa para a PRECLUSÃO E DECADÊNCIA, ante a má técnica direcionou a saída para o REAJUIZAMENTO DAS MESMAS AÇÕES, disfarçando em dois os pedidos, de forma a ETERNIZAR O PLEITO.

Essa situação muito bem foi descrita pela magistrada a fl. 29, últimos parágrafos, onde indica que uma ação foi ajuizada no dia 02/10/2016 às 10,28h e determinada sua emenda, foi realizada no dia 03/10/2016 às 18,51h SEM A INDICAÇÃO DAS PROVAS E TESTEMUNHAS QUE AQUI QUEREM FAZER.

(...)'

E o recorrido DAVI GILMAR (fl. 48):

'O presente recurso versa sobre pedido que possui em parte da narrativa litispendência, pois se repete em outros pedidos interpostos e em trâmite.

(…)

Na realidade a parte recorrente aborda a mesma questão em outras duas demandas, em trâmite, sendo evidente a litispendência. (...)'

Visto isso, não há como recomendar provimento ao recurso, pois compreendo que a peça de recurso não apresenta, dialeticamente, os fundamentos de fato e de direito aptos a infirmar as razões de decidir do Juízo sentenciante, acerca da questão da litispendência.

Como se sabe, o recurso deve fornecer as razões, de fato e de direito, pelas quais deva a sentença recorrida ser reformada, de modo que, sem as razões do inconformismo, ou, como no caso em apreço, sem que se possa compreender exatamente essas razões, o recurso não pode ser conhecido.

Quanto à litispendência, a parte traz apenas alegações. Contudo, para permitir a exata compreensão do tema controvertido, caberia instruir o recurso, pelo menos, com peças das demais ações, que comprovassem sua alegação de não caracterização do instituto da litispendência, ou, ainda, melhor detalhar os pontos de diferença entre esta e aquela outra AIJE mencionada na decisão.

Não é suficiente, pois, só a parte repetir que um cidadão pilchado recebeu kit rancho no dia do pleito, e que esse fato não integra o objeto de outra AIJE em andamento, sem a indicação dos motivos de fato e de direito que infirmem o que decidiu, a respeito, a Magistrada a quo. A contraposição lógica entre o fundamento decisório e a razão recursal é uma exigência, que, a meu ver, não se cumpriu.

Não se pode perder de vista que a exposição dos fundamentos de fato e de direito pelo recorrente não visa tão somente possibilitar adequadamente o exercício do contraditório pela parte adversa, como também permitir, no órgão ad quem, e aqui se insere a atuação desta Procuradoria Regional Eleitoral, o confronto dos fundamentos da decisão judicial com as razões contidas no recurso, possibilitando a todos a compreensão exata da controvérsia e dos motivos pelos quais a decisão hostilizada, no todo ou em parte, merece ser reformada ou mantida.

Assim, por não depreender do recurso maiores elementos que permitam ir mais a fundo na inconformidade, vejo como não atendido o princípio da dialética, de modo que o recurso não reúne condições para ser admitido. Em decorrência, prejudicadas estão as demais questões postas em sede recursal. (Grifei.)

Da análise do recurso percebe-se que as razões são desconexas dos fundamentos constantes na sentença a qual a parte busca ver reformada.

E, nesse ponto, é oportuno registrar ser estritamente necessária a correlação entre os fundamentos da pretensão recursal e as razões expostas no decisum contestado, a fim de possibilitar o reexame do feito pelo órgão Colegiado. Caso contrário, impõe-se o não conhecimento do recurso, pois não preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Portanto, estando as razões recursais dissociadas do que foi decidido pela sentença, o não conhecimento do apelo é medida que se impõe.

Ante o exposto, VOTO pelo não conhecimento do recurso, mantendo íntegra a sentença de primeiro grau.