RE - 57680 - Sessão: 30/01/2017 às 13:30

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos por ADRIANA KÁTIA TOZZO, GENTIL ZATTI, CÉLIO FIABANI, JÚLIA ANTONIA BAGNARA CONSOLI, MARINÊS TERESA ROSSI SBARDELOTTO, VALDEMAR CIBULSKI e COLIGAÇÃO POPULAR: A FORÇA QUE VEM DO POVO, de um lado, e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, de outro, contra a sentença do Juízo da 20ª Zona Eleitoral – Erechim – proferida nos autos da representação por conduta vedada, capitulada no art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97, proposta em desfavor dos primeiros recorrentes. Referida decisão julgou parcialmente procedente a demanda.

O Ministério Público Eleitoral (fls. 123-126v.) indica irresignação relativamente às penas aplicadas aos representados Adriana Kátia Tozzo e Gentil Zatti, candidatos eleitos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Itatiba de Sul, nas eleições de 2016. Aduz que a gravidade das condutas praticadas enseja a cassação do diploma da representada, pois restou evidenciada a quebra de paridade de forças na disputa majoritária em questão. Requer o provimento do recurso, julgando-se totalmente procedente a ação e sendo declarada a inelegibilidade de Adriana pelo prazo de 8 (oito) anos.

Por seu turno, os recorrentes Adriana, Gentil, Célio, Júlia, Marinês, Valdemar e a Coligação Popular: A Força Que Vem Do Povo aduzem, em suas razões (fls. 128-142), não terem praticado ato que possa ser considerado como conduta vedada. Sustentam que os representados Célio, Júlia e Marinês ocupam cargos de secretário de município, e Valdemar, o cargo de vice-prefeito, de forma a serem considerados agentes públicos e não servidores públicos em sentido estrito, e que não se encontravam, ao tempo dos fatos, submetidos à jornada fixa de trabalho, de modo que a participação nos eventos não prejudicou o desempenho das respectivas funções. Defendem não ter ocorrido a potencialidade de desequilíbrio do pleito nas condutas perpetradas. Entendem desproporcional as penas de multa aplicadas e indicam doutrina e jurisprudência. Pugnam pela reforma da sentença, via provimento do apelo, para que se entenda improcedente a representação.

Com as contrarrazões das partes (fls. 148-164 e fls. 174-177v.), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso dos representados e provimento do apelo do Ministério Público Eleitoral (fls. 182-190).

É o relatório.

 

VOTO

Ambos os recursos são tempestivos e, presentes os demais requisitos de admissibilidade, devem ser conhecidos.

Ao mérito.

Há, em ambos os pedidos, considerações acerca da dosimetria das penalidades impostas: de um lado, o Ministério Público Eleitoral entende que as penas a serem aplicadas aos representados Adriana Kátia Tozzo e Gentil Zatti devem ser a cassação de seus diplomas, e não somente as multas pecuniárias.

Os representados, muito embora defendam a perspectiva de que os atos perpetrados não configuram conduta vedada, haja vista a ocupação de posições de “agentes públicos”, igualmente demonstram contrariedade relativamente às penas aplicadas, entendendo-as desproporcionais quando confrontadas com a gravidade da conduta e com as remunerações praticadas no Município de Itatiba do Sul.

Os fatos em si, portanto, são incontroversos: as participações de Júlia, Marinês, Célio e Valdemar em reuniões com a Justiça Eleitoral, visando o esclarecimento de questões relativas ao registro de candidaturas e à propaganda eleitoral do pleito de 2016, em um total de 3 (três) oportunidades, nos dias 11.07.2016, 27.07.2016 e 17.08.2016.

O juízo de origem, como já ressaltado, entendeu por julgar parcialmente procedente a representação, cominando as seguintes sanções:

- multa equivalente a 20.000 UFIRs a Adriana Kátia Tozzo e a Gentil Zatti, cada um;

- multa equivalente a 10.000 UFIRs à Coligação Frente Popular: A Força Que Vem Do Povo;

- multa equivalente a 5.000 UFIRs a Célio Fiabani, Júlia Antonia Bagnara Consoli, Marinês Teresa Rossi Sbardelotto e Valdemar Cibulski, cada um.

Inicia-se a análise do caso pela literalidade do art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

Diante do preceito legal, deve-se examinar a existência da irregularidade apontada na inicial, primeiramente sob o prisma da tese esposada pelos representados – de que, na condição de agentes públicos, a eles não caberia a proibição do art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97, pois não submetidos a horário fixo de expediente.

Sem razão.

De início, cumpre ressaltar que houve desobediência clara aos ditames da legislação eleitoral. Nessa linha, os representados Célia, Júlia, Marinês e Valdemar não poderiam ter participado de reuniões relativas ao pleito de 2016 durante o horário de expediente da Prefeitura de Itatiba do Sul. Trata-se exatamente da irregularidade estampada no art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97.

Isto posto, não pode prosperar o argumento de que tais eventos foram realizados mediante convocação do Juízo Eleitoral – outros integrantes da campanha deviam ter se feito presentes, e não os servidores públicos representados, no decorrer do período em que deveriam estar à disposição da municipalidade.

Note-se, além, que a lei não realiza o corte conceitual desejado pelos recorrentes (agentes públicos versus servidores públicos stricto sensu). Isso porque, além de tratar do termo “servidor público” de maneira ampla, indica também, por exemplo, os empregados públicos de forma expressa, denotando-se daí o intuito de amplitude de incidência. Não faria sentido, sob tal viés lógico, que empregados da administração indireta municipal, por exemplo, estivessem obrigados pelo comando e ocupantes de cargos em comissão do Poder Executivo do mesmo município a ele não se submetessem.

Pois é de tal situação que se está a tratar: Célio, Júlia e Marinês ocupavam cargos comissionados. É certo que a condição de agentes públicos era, à época dos fatos, aplicável à relação funcional por eles composta; contudo, antes disso e na condição de gênero, todos eram servidores públicos (sentido lato), pois ocupantes nomeados, providos em cargo em comissão (espécie do gênero cargo público). O posicionamento de que a regra somente se dirigiria aos “servidores públicos em sentido estrito”, dessarte, não pode ser aqui albergada, sobremodo que a norma tem o nítido desiderato de evitar desequilíbrio na competição eleitoral.

Nessa linha, a jurisprudência das Cortes regionais, já ressaltada no parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral, e que vai grifada:

ELEIÇÕES 2010. CONDUTA VEDADA. PARTICIPAÇÃO DE SECRETÁRIO ESTADUAL EM ATO DE CAMPANHA. CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA VEDADA NO ART. 73, III, DA LEI ELEITORAL. CONDENAÇÃO. MULTA. 1. O Secretário Estadual de Turismo, não licenciado do cargo, não pode participar ativamente, inclusive com discurso, em prol de Governador candidato à reeleição, em ato de campanha, sob pena de incorrer na conduta vedada pelo inciso III do art. 73 da lei 9.504/1997. 2. Representação julgada procedente, com imposição de pena em seu grau mínimo.

(TRE-CE, Representação n. 561463, de 17.9.2010, Rel. Juiz Luiz Roberto Oliveira Duarte.)

 

Secretário de Estado ocupante de cargo em comissão. Comparecimento a ato de comités de campanha em horário de expediente normal do funcionalismo público. Conduta vedada nos termos do art. 73, inc. III, da Lei 9.504/97. Imposição de pena de multa ao agente público, ao candidato e à coligação beneficiados cabível nos termos do § 8° do art. 73 da Lei 9504/97. 

(AGRAVO EM REPRESENTACAO n. 1361, Acórdão n. 31343 de 16.8.2006, Relator HAROLDO SAGBONI MONTANHA TEIXEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 16.8.2006.)

No que concerne a Valdemar, ainda que se argumente que a ocupação de cargo eletivo de vice-prefeito não caracterize condição de servidor público (posição de todo discutível, aqui trazida apenas a título de argumentação), note-se que o próprio caput do art. 73 veda ao agente público a prática, não sendo igualmente lógico que o agente público não possa ceder outros servidores mas possa, ao mesmo tempo, “ceder” a si mesmo para campanhas eleitorais, em período que deveria gerir os interesses da cidade de Itatiba do Sul.

E, novamente, jurisprudência de Tribunal Regional:

Recurso. Eleições 2004. Utilização de servidor público em favor de campanha. Farta prova nos autos. Interpretação ampla do art. 73, III, da Lei n° 9.504/97. Provimento negado. Nega-se provimento a recurso porquanto a norma encartada no inciso III do art. 73 da Lei n° 9.504/97, devido ao seu alcance moral e isonômico, deve, para o fim de atingir a finalidade prevista pelo legislador eleitoral, ser interpretada de forma ampla, a fim de identificar todo e qualquer agente público que se dedique a atos de campanha política quando em horário normal de expediente, punindo com o rigor necessário os responsáveis pela conduta ilícita.

(RECURSO ELEITORAL n. 7622, Acórdão n. 422 de 10.7.2007, Relatora CYNTHIA MARIA PINA RESENDE, Publicação: DPJBA Diário do Poder Judiciário da Bahia, Data 13.7.2007, Página 97.)

Ademais, colho trecho do parecer do d. Procurador Regional Eleitoral, impecável no ponto, em argumentação que, expressamente, tomo como razões de decidir (fls. 186v.-187):

Cumpre, ainda, acrescentar que a norma em comento, em razão de sua finalidade de proteger a probidade e legitimidade da disputa, bem como de garantir a igualdade entre os candidatos, deve ser submetida à interpretação ampliativa, coadunando-se, inclusive, com o princípio da moralidade administrativa, indispensável no trato da coisa pública em qualquer circunstância.

Nessa toada, ao conceito de servidor público, para os fins da norma em tela, deve-se conferir a maior amplitude possível, a fim de melhor retratar a mens legis que o legislador ordinário intentou consubstanciar na norma, garantindo que agentes de alguma forma vinculados ao Poder Público não desempenhem atividades eleitoreiras no horário normal de expediente da repartição.

No que toca ao horário, a alegação de que não estão sujeitos a controle de jornada não socorre aos recorrentes. Ora, ainda que não sujeitos a um controle mais rigoroso por meio de relógio ponto, e que se imagine, pela natureza do cargo, que tenham de exercer, eventualmente, atividades fora da repartição, é evidente que esses fatores não podem se materializar em liberdade para que o servidor chegue e saia do trabalho de acordo com sua conveniência, inserindo, principalmente, como no caso, atividades particulares, quando deveriam estar à disposição da Prefeitura.

[...]

Note-se que a participação dos servidores não foi realizada a título do múnus publico de seus cargos, mas sim como representantes de partidos, a fim de aplicar o conhecimento lá transmitido para a campanha daquele partido e candidato que apoiaram para vencer a batalha eleitoral.

Dessa forma, só poderiam ter participado dos eventos se estivessem dentro da exceção da norma, ou seja, se estivessem licenciados ou em algum momento de folga, e não no horário útil de expediente da repartição à qual estão vinculados, que, conforme especificado à fl. 83, é de segunda-feira a sexta-feira, das 7h30min às 11h330min e das 13h às 17h. Observe-se a ausência de comprovação quanto à ressalva prevista em lei, qual seja “se o servidor ou empregado estiver licenciado”. Na espécie, o Ofício nº 134/2016 (fl. 83), acompanhado dos contracheques dos servidores (dos meses de julho e agosto/2016), não contém ressalva de que os servidores tivessem de férias, licença ou algum outro afastamento legal. A mera referência, no documento à fl. 90, ao pagamento de férias para a servidora JÚLIA ANTONIA BAGNARA CONSOLI, no mês de julho, não comprova, por si só, que ela estivesse em férias, mas que os efeitos financeiros lhe foram computados naquele período.

Caracterizadas as condutas irregulares e aplicadas as penas pecuniárias de forma proporcional, na exata medida das respectivas responsabilidades, tenho que as sanções não merecem modificação, exatamente por espelharem o “potencial lesivo” presumido legalmente, conforme precedentes do e. Tribunal Superior Eleitoral:

[...]. Ação de investigação judicial eleitoral. Conduta vedada. Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97. Aplicação de penalidade de multa. [...] 4. O TRE, analisando as circunstâncias do caso e a gravidade da conduta, entendeu suficiente a imposição da pena de multa, afastando a cassação em observância ao princípio da proporcionalidade. Tal conclusão está alinhada com a jurisprudência do TSE. Precedentes: [...]

(Ac. de 25.6.2014 no AgR-AI n. 80997, rel. Min. Henrique Neves.)

 

[…] 6. A configuração das condutas vedadas prescritas no art. 73 da Lei nº 9.504/97 se dá com a mera prática de atos, desde que esses se subsumam às hipóteses ali elencadas, porque tais condutas, por presunção legal, são tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos no pleito eleitoral, sendo desnecessário comprovar-lhes a potencialidade lesiva. […]

(Ac. de 26.9.2013 no REspe n. 45060, rel. Min. Laurita Vaz.)

Note-se: os representados entenderam altos os valores, contudo as penas aplicadas a Célio, Júlia, Marinês e Valdemar foram fixadas no patamar mínimo legal, não podendo ser minoradas em vista da caracterização do ilícito.

Ademais, parece claro que à Coligação Frente Popular: A Força Que Vem Do Povo há de ser aplicada multa em valores majorados, seja porque se trata do conjunto de agremiações que veicularam a campanha beneficiária da conduta, seja porque cabia a ela, ao cabo, a definição dos representantes nas referidas reuniões.

Nessa linha, aos componentes da chapa majoritária, Adriana Katia Tozzo e Gentil Zatti, restou a multa em valor mais alto exatamente pela inarredável função pedagógica que a pena há de ter, mas, também, pelo fato de que se trata de chapa que espelha a continuidade de gestão – Adriana é prefeita reeleita, absolutamente responsável pela ida irregular dos servidores às reuniões eleitorais. Ainda assim, a multa restou definida de forma distante do teto legal – R$ 106.410,00 (cento e seis mil quatrocentos e dez reais) –, equivalendo a um quinto de tal valor.

Por outro lado, a cassação do diploma de Adriana, como requerido pelo Ministério Público Eleitoral, dadas as já analisadas circunstâncias das irregularidades, afigura-se como demasiada. A modificação da vontade popular há de estar reservada somente para aqueles casos extremos, de gravíssimas desobediências à legislação, das quais não se está a tratar. As condutas merecem reprimendas, é verdade – e tais reprimendas foram corretamente mensuradas na sentença.

Finalmente, tenho por acolher o posicionamento do d. Procurador Regional Eleitoral, no sentido da adequação dos valores das multas aplicadas pelo juízo de origem, transformando-as em cifras na moeda corrente nacional, convertida a Unidade Fiscal de Referência – UFIR–, como segue:

a) Multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais com cinquenta centavos) a Célio Fiabani;

b) Multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais com cinquenta centavos) a Júlia Antonia Bagnara Consoli;

c) Multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais com cinquenta centavos) a Marinês Teresa Rossi Sbardelotto;

d) Multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais com cinquenta centavos) a Valdemar Cibulski;

e) Multa no valor de R$ 10.641,00 (dez mil, seiscentos e quarenta e um reais) à Coligação Frente Popular: A Força Que Vem Do Povo;

f) Multa no valor de R$ 21.282,00 (vinte e um mil, duzentos e oitenta e dois reais) a Gentil Zatti;

g) Multa no valor de R$ 21.282,00 (vinte e um mil, duzentos e oitenta e dois reais) a Adriana Kátia Tozzo.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento de ambos os recursos, mantendo-se a sentença pelos próprios fundamentos, e para converter os valores expressos em UFIR para a moeda corrente nacional – Real –, nos termos da fundamentação.