E.Dcl. - 42990 - Sessão: 19/12/2016 às 14:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL opõe embargos de declaração contra acórdão deste Tribunal que, à unanimidade, negou provimento a recurso que pretendia a fixação de multa por propaganda irregular em veículo.

Nas razões, o Parquet aduz que o acórdão embargado não podia ter adentrado no mérito da questão, qual seja, a licitude da propaganda, uma vez que o recurso se limitava a pedir a fixação de multa, independentemente da remoção. Sustenta que a questão restava transitada em julgado, bem como que o acórdão promoveu reformatio in pejus para a acusação. Requer a concessão de efeitos infringentes aos embargos.

É o relatório.

VOTOS

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes (relator):

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

O embargante sustenta que o acórdão não poderia ter analisado a questão da licitude da propaganda, uma vez que o recurso se limitava a pedir a fixação de multa, independente da remoção da propaganda. Ainda, argumenta que a questão da irregularidade da propaganda havia transitado em julgado, pois ausentes recursos dos representados. Aponta que o acórdão teria promovido a reformatio in pejus para a acusação.

A questão suscitada nos presentes embargos já foi analisada por esta Corte em 17.11.2016, no julgamento dos E. Dcl. 48186, da relatoria do Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, merecendo transcrição a seguinte ementa:

Embargos de declaração com pedido de efeitos infringentes. Recurso. Propaganda irregular. Eleições 2016.

Aclaratórios opostos contra acórdão que negou provimento a recurso que buscava a cominação de multa por propaganda irregular. Sustenta que o acórdão embargado não podia analisar a licitude da propaganda, pois o recurso se limitava a pedir a fixação de multa. Argumenta que a questão transitou em julgado e que o acórdão promoveu reformatio in pejus.

A regularidade, ou não, da propaganda é matéria que integra o pedido de aplicação de multa, pois pressuposto necessário para a sua fixação. Tratando-se de matéria devolvida ao Tribunal pelo efeito devolutivo do recurso, não há se falar em trânsito em julgado por ausência de recurso dos representados. Não vislumbrada a reformatio in pejus para a acusação. A situação da coligação recorrente em nada foi modificada, pois apenas teve negada a pretendida multa aos representados, mas por fundamento diverso do que empregado na sentença.

Acolhimento parcial dos embargos, apenas para agregar ao acórdão embargado a fundamentação supra, que é incapaz de infirmar as suas conclusões.

Idêntica solução foi adotada pela Corte em 23.11.2016, no julgamento dos E.Dcl. 46195, da relatoria do Des. Carlos Cini Marchionatti. No mesmo sentido, a conclusão adotada pela Dra. Maria de Lourdes Galvao Braccini de Gonzalez em 13.12.2016, no julgamento dos E.Dcl. 47834.

Na sessão do dia 14.12.2016, o tema foi novamente enfrentado quando do julgamento do RE 35-939, quando o relator, Dr. Luciano André Losekann, entendeu que, por tratar-se de recurso exclusivo da defesa, em que era requerida apenas a aplicação da sanção pecuniária prevista no dispositivo legal que a sentença alega restar infringido, estaria preclusa a matéria atinente à regularidade ou não da propaganda, sendo a aplicação da pena pecuniária seu consectário legal. Por essa razão, concluiu pela anulação do decisum e determinou a baixa dos autos à origem para prolação de nova sentença.

Todavia, restou vencedora a tese divergente, apresentada pelo Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, cujas razões de decidir acompanhei integralmente, merecendo transcrição os argumentos pelos quais a maioria entendeu que o Tribunal pode reconhecer a licitude da propaganda como questão prejudicial à adequação da sanção pecuniária sem que se configure a vedada reformatio in pejus:

Peço vênia ao eminente relator para dele divergir.

A matéria versada nestes autos é idêntica àquela que examinei no dia 01.12.2016, no julgamento do RE 361-09.2016.6.21.0084, originário também do município de Tapes e tendo por objeto bandeira fixada em bem particular.

Esta Corte já se manifestou acerca da licitude da propaganda:

Recurso. Representação. Propaganda eleitoral. Bem particular. Bandeira. Art.

37, §§ 1º e 2º, da Lei n 9.504/97. Multa. Eleições 2016.

Propaganda eleitoral realizada em bens particulares deve ser feita em papel ou adesivo e respeitar a dimensão máxima definida por lei, sob pena de multa.

No caso, veiculação de propaganda por meio de bandeira em propriedade de eleitor. Não evidenciada a extrapolação às dimensões legais. Regularidade da propaganda impugnada. Reforma da sentença.

Provimento.

(RE 178-72, Rel. Dr. Jamil Bannura, julgado em 24.11.2016.)

Por essa razão, tenho que o desprovimento do recurso é consectário lógico do reconhecimento da licitude da propaganda.

A Súmula 48 do TSE apenas teria incidência se a propaganda em bem particular pudesse ser considerada como irregular, o que não é o caso.

Para evitar desnecessária tautologia, reproduzo as razões deduzidas naquele

julgamento:

Não se alegue que o reconhecimento da licitude da propaganda representa reformatio in pejus porque o recurso é apenas da representante. É que o exame da legalidade da propaganda, aqui, constitui um caminho necessário para se chegar ao juízo de legalidade da aplicação da multa. Trata-se de uma questão prejudicial que é devolvida integralmente à Corte como pressuposto para enfrentamento da adequação da sanção aplicada. O desprovimento da pretensão à incidência da multa não representa que a sentença esteja sendo reformada no que não constitui objeto do recurso. O acórdão diz que apenas não incide a multa, mantendo intocada a r. sentença.

Em relação ao aqui referido, trago interessantes considerações doutrinárias acerca da amplitude do efeito devolutivo dos recursos, ainda sob a vigência do CPC de 1973, mas que não sofreu alteração em sua essência (CHACPE, Juliana Fernandes. O efeito devolutivo da apelação - apontamentos sobre a aplicação do art. 515 do CPC. Princípio do duplo grau de jurisdição e perspectivas frente à reforma do Código de Processo Civil.Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10943. Acesso em 01.12.206):

A exata configuração do efeito devolutivo resulta na análise de dois aspectos: o primeiro concerne à extensão do efeito; o segundo, à sua profundidade.

Delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que matéria há de trabalhar o órgão ad quem para julgar.

Ainda segundo Barbosa Moreira, a decisão apelada tem o seu objeto: pode haver julgado o mérito da causa (sentença definitiva), ou matéria preliminar ao exame do mérito (sentença terminativa). Deve-se analisar se a decisão do tribunal cobrirá ou não área igual á coberta pela do juiz a quo. A questão é analisada aqui do ponto de vista horizontal.

Por outro lado, a decisão apelada tem os seus fundamentos: o órgão de primeiro grau, para decidir, precisou enfrentar e resolver questões, isto é, pontos duvidosos de fato e de direito suscitados pelas partes ou apreciados de ofício. Cumpre averiguar se todas essas questões, ou nem todas, devem ser reexaminadas pelo tribunal, para proceder, por sua vez, ao julgamento; ou ainda se, porventura, hão de ser examinadas questões que o órgão a quo, embora pudesse ou devesse apreciar, de fato não apreciou. Aqui o problema é tratado em perspectiva vertical.

No primeiro aspecto, o parágrafo 1º do art. 515 do CPC tem aplicação quanto à extensão do recurso de apelação, ampliando em caráter excepcional o campo de atuação do órgão ad quem. Isso ocorre quando as questões a que se refere a aludida norma estão (ou deveriam estar) contidas no dispositivo da sentença, como, por exemplo, quando o órgão a quo, ao decidir a lide, julga prejudicado algum pedido do autor em virtude de haver acolhido o pedido anterior. Interposto recurso de apelação pelo réu, o órgão ad quem, ao reformar a decisão de mérito que tinha julgado procedente o pedido do autor pelo primeiro fundamento apresentado, deverá analisar o subsidiário, formulado para o caso de rejeição do primeiro. Isso significa que o tribunal estará analisando pela primeira vez fundamento nunca antes apreciado pelo juiz em primeiro grau de jurisdição.

Num segundo aspecto, o parágrafo primeiro do art. 515 do CPC diz respeito à profundidade do efeito devolutivo da apelação. Sua função aqui é possibilitar o conhecimento pelo órgão ad quem de todos os elementos que estavam à disposição do órgão a quo no momento em que este proferiu a sentença. Por essa razão é que Barbosa Moreira destaca que o efeito devolutivo da apelação, em relação à profundidade, é “amplíssimo”.

 

Não se exige que as questões tenham sido decididas na sentença para que se opere a devolução ao órgão ad quem. Apesar de haver imposição legal para que todas as questões suscitadas pelas partes sejam analisadas e decididas pelo órgão jurisdicional (art. 458, II e III, CPC), do ponto de vista prático as questões não resolvidas na sentença são devolvidas ao conhecimento do órgão ad quem, inexistindo prejuízo aos litigantes, salvo quando se referem a capítulos de mérito não julgados, caracterizando julgamento infra petita e, portanto, nulidade da decisão.

Portanto, como resulta dos parágrafos 1º e 2º do art. 515, a profundidade do efeito devolutivo não se cinge às questões efetivamente resolvidas na sentença apelada: abrange também as que nela poderiam tê-lo sido. Estão aí compreendidas:

a) as questões examináveis de ofício a cujo respeito o órgão a quo não se manifestou;

b) as questões que, não sendo examináveis de ofício, deixaram de ser apreciadas, a despeito de haverem sido suscitadas e discutidas pelas partes.

Se o autor invocara dois fundamentos para o pedido e o juiz o julgou procedente apenas por um deles, silenciando sobre o outro, ou repelindo-o expressamente, a apelação do réu, que pleiteia a declaração de improcedência, é suficiente para devolver ao tribunal o conhecimento de ambos os fundamentos. Caso entenda o tribunal que o pedido merece acolhida justamente pelo segundo fundamento, e não pelo primeiro, o tribunal deverá negar provimento ao recurso, confirmando a sentença na sua respectiva conclusão, mas fazendo a correção dos motivos. Também se o juiz julgou improcedente o pedido apenas à luz do fundamento a, omitindo-se quanto ao fundamento b, a apelação do autor permite ao tribunal julgar procedente o pedido, sendo o caso, quer pelo fundamento a, quer pelo fundamento b.

Daí a desnecessidade de a parte vencedora apelar, para ver examinado fundamento sobre o qual o juiz se omitiu. A profundidade do efeito devolutivo da apelação do vencido é suficiente para provocar ampla atividade cognitiva do tribunal sobre as questões debatidas em primeira instância.

Contudo, é importante relembrar que a devolutividade da apelação só abrange a causa de pedir deduzida na inicial, sendo inadmissível qualquer inovação. A profundidade desse efeito é ampla, mas, no que se refere à pretensão inicial, deve ser respeitado o limite objetivo da demanda.

(...)

A devolução do conhecimento da causa ao tribunal é ampla, não obstante a existência do duplo grau de jurisdição, ainda que não como uma garantia constitucional. Por essas razões, o tribunal deve julgar a causa com os mesmos elementos de que dispunha o juiz em primeira instância. Se o juiz não se valeu de todos os elementos, apesar de estarem ao seu alcance, não se poderá impedir ao tribunal deles se utilizar. É possível, inclusive, que o juiz singular não tenha dado à causa a solução mais justa precisamente em virtude de não haver se utilizado de um dos elementos de que dispunha – seja em razão de inexperiência ou de outras deficiências por ter-se omitido quanto a fundamento invocado por uma das partes e que constituía o verdadeiro esclarecimento para a solução do litígio.

Todavia, esclarece Joana Carolina Lins Pereira (2004) que a distinção entre os parágrafos 1º e 2º do art. 515 não reside propriamente no fato de o parágrafo 1º tratar de questões e o parágrafo 2º tratar de fundamentos, haja vista que a distinção entre fundamentos e questões é apenas de grau (aqueles, se impugnados, discutidos, transformam-se nestas). A principal diferença reside na atitude do julgador de primeira instância: omitir-se, não conhecendo, ou conhecer, porém, rejeitando. Em ambas as situações, há devolução das questões ou fundamentos ao órgão ad quem, independentemente de serem os mesmos renovados nas razões recursais, condicionando-se apenas à existência de recurso.

(Grifei.)

Nessa medida, a extensão do que se pode examinar no recurso é dada pelo recorrente quando deduz a matéria impugnada que, segundo Barbosa Moreira, é analisada do ponto de vista horizontal.

Já a profundidade, que será a matéria com a qual o Tribunal trabalhará, segundo o mesmo doutrinador, é tratada em perspectiva vertical.

Pelo efeito devolutivo, o tribunal poderá apreciar todas as questões que se relacionarem ao ponto que foi impugnado, ou seja, de início a extensão do recurso será determinada pelo recorrente, porém a sua profundidade não, podendo a sua análise ser feita no todo pelo Tribunal, que não ficará adstrito só ao que foi impugnado quando do julgamento do recurso.

Na espécie, ao postular a incidência da multa em face do reconhecimento da irregularidade da propaganda, ao Tribunal é dada a possibilidade de examinar todas as questões , inclusive a regularidade da propaganda como fundamento para o não do cabimento da sanção, mantendo-se a sentença por razões jurídicas diversas.

Como ficou assentado na ementa do julgado, tenho que o Tribunal pode reconhecer a licitude da propaganda como questão prejudicial à adequação da sanção pecuniária, sem que se configure a vedada reformatio in pejus. Amplitude do efeito devolutivo dos recursos no que tange à sua profundidade sob a perspectiva vertical, limitado apenas à extensão horizontal dada pela matéria impugnada no apelo.

Na espécie, ao postular a incidência da multa em face do reconhecimento da irregularidade da propaganda, ao Tribunal é dada a possibilidade de examinar todas as questões, inclusive a regularidade da propaganda como fundamento para o não do cabimento da sanção, mantendo-se a sentença por razões jurídicas diversas.

 

De fato, perfilho o entendimento de que o exame da licitude ou regularidade da propaganda é etapa inexorável à verificação da procedência do pedido de cominação de pena pecuniária, visto que constitui questão prejudicial devolvida integralmente à segunda instância quando do julgamento do recurso, pois: O desprovimento da pretensão à incidência da multa não representa que a sentença esteja sendo reformada no que não constitui objeto do recurso. O acórdão diz que apenas não incide a multa, mantendo intocada a r. sentença.

ANTE O EXPOSTO, na esteira dos julgados análogos deste Tribunal, VOTO por acolher parcialmente os embargos declaratórios, apenas para agregar ao acórdão os presentes fundamentos, pertinentes às razões de decidir quanto à negativa de ofensa ao princípio da vedação da reformatio in pejus, sem que isso implique efeito infringente.