RC - 4215 - Sessão: 12/12/2016 às 17:00

(VOTO-VISTA)

Acompanho o eminente relator quanto à caracterização do delito.

Igualmente compactuo do mesmo entendimento quanto a não recepção da pena prevista para o transporte de eleitores.

Sobre este segundo ponto, teço alguns comentários.

Não desconheço que essa matéria já foi enfrentada pela Corte, nos autos do RC 33-95, julgado em 15 de junho de 2016, no qual ficou assentada a impossibilidade de afastar-se a pena mínima cominada para o tipo penal, ainda que se possa reconhecer a desproporcionalidade de seu quantum.

Reproduzo a ementa:

Recurso criminal. Transporte ilegal de eleitores. Art. 11, inc. III, c/c art. 5º, todos da Lei n. 6.091/74. Eleições 2014.

Preliminares afastadas. 1. Arguição de atipicidade delitiva não evidenciada. O acolhimento da emenda ao libelo, que deu margem ao exato enquadramento jurídico dos fatos no tipo penal, agregada a descrição suficiente das condutas delitivas narradas na peça acusatória permitiram o pleno exercício de defesa. 2. Improsperável a alegação de não recepção do art. 11, inc. III, da Lei n. 6.091/74 pela Constituição Federal, o qual teve sua legalidade e constitucionalidade afirmada pelo TSE e pelo STF.

No mérito, estampado o transporte realizado no dia do pleito, sob as ordens da vereadora denunciada. A inexistência de relação de parentesco das duas eleitoras com os autores do delito, somado ao material de propaganda apreendido no porta-malas do veículo utilizado, afasta a tese defensiva de que a conduta perpetrada se deu sem finalidade eleitoreira.

Transporte à margem da lei, flagrado pela Brigada Militar, com o fim precípuo de obtenção de voto em favor do partido pela qual a recorrente milita. Sentença condenatória mantida.

Inviabilidade do pedido ministerial de execução provisória da sentença penal condenatória antes de consumado o seu trânsito em julgado, sob pena de solapar o princípio constitucional da presunção de inocência.

Provimento negado.

(Recurso Criminal n. 3395, Acórdão de 15.06.2016, Redatora do Acórdão: DRA. GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 108, Data 20.6.2016, Página 7.) (Grifei.)

Naquela oportunidade, trouxe caso semelhante, por mim apreciado no TRF4, versando sobre o crime de medicamento falsificado, artigo 273 do Código Penal.

Reconheci que a pena mínima de dez anos era demasiada e invocando o princípio da vedação de excesso de resposta penal, que é a segunda variante do princípio da proporcionalidade, suscitei a inconstitucionalidade da pena.

A grande preocupação, naquele caso, e neste, é que, ao afastar o preceito secundário resta o tipo sem pena. O princípio da legalidade estrita em matéria penal não pode ser tomado em desfavor do acusado. Ao substituir a pena cominada por uma menor, o acusado vai ser beneficiado. O princípio é de defesa e não poderia ser usado de modo prejudicial ao acusado.

Por elucidativo, trago a ementa do julgamento em que fui relator:

PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. FORMA EQUIPARADA. ART. 273, § 1º-B, I, V E VI, DO CP. INTRODUÇÃO EM TERRITÓRIO NACIONAL DE COMPRIMIDOS DE CYTOTEC. PENA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO. PARÂMETRO. DELITO DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES.

1. Quem introduz clandestinamente em solo nacional produto de origem estrangeira destinado a fins terapêuticos ou medicinais, sem registro, de procedência ignorada e adquirido de estabelecimento sem licença do Órgão de Vigilância Sanitária competente, pratica o delito capitulado no art. 273, § 1º-B, incisos I, V e VI, do CP.

2. A pena do delito previsto no art. 273 do CP - com a redação que lhe deu a Lei nº 9.677, de 02 de julho de 1998 - (reclusão, de 10 (dez) e 15 (quinze) anos, e multa) deve, por excessivamente severa, ficar reservada para punir apenas aquelas condutas que exponham a sociedade e a economia popular a "enormes danos" (exposição de motivos). Nos casos de fatos que, embora censuráveis, não assumam tamanha gravidade, deve-se recorrer, tanto quanto possível, ao emprego da analogia em favor do réu, recolhendo-se, no corpo do ordenamento jurídico, parâmetros razoáveis que autorizem a aplicação de uma pena justa, sob pena de ofensa ao princípio da proporcionalidade. "A criação de solução penal que descriminaliza, diminui a pena, ou de qualquer modo beneficia o acusado, não pode encontrar barreira para a sua eficácia no princípio da legalidade, porque isso seria uma ilógica solução de aplicar-se um princípio contra o fundamento que o sustenta" (Fábio Bittencourt da Rosa. In Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p. 04). Hipótese em que ao réu, denunciado por introduzir, no território nacional, 200 comprimidos de Cytotec, medicamento desprovido de registro e de licença do órgão de Vigilância Sanitária competente (art. 273, § 1º-B, incisos I, V, e VI, do CP), foi aplicada a pena de 03 anos de reclusão (vigente ao tempo dos fatos em apuração), adotado, como parâmetro, o delito de tráfico ilícito de entorpecentes, o qual tem como bem jurídico tutelado também a saúde pública.

(TRF4, EACR 2006.70.02.001187-1, QUARTA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, D.E. 27.06.2008.)

Quando proferi voto nesse feito, no TRF4, salientei que a atividade legislativa vem, nos últimos anos, sendo desenvolvida sob indiscutível e censurável influxo de conveniências políticas e, ou, de pressões sociais. Legisla-se ao sabor da ocasião. Se os índices de criminalidade aumentam, com o surgimento de novas condutas delitivas ou o recrudescimento de práticas antigas, a solução que se tem buscado é sempre a mesma: aumento de pena, endurecimento de regime etc.

Não sendo capaz o Estado brasileiro de estabelecer políticas preventivas consistentes, encontra-se na edição de leis severas uma forma de dar explicações à sociedade.

Entretanto, o resultado dessa prática não se tem revelado eficaz, como provam os dados estatísticos frequentemente divulgados pela imprensa.

A própria tão popular Lei dos Crimes Hediondos, Lei n. 8.072/90, não foi capaz de conter a prática criminosa. Ao contrário, o que se verificou, desde a edição daquele diploma legal, foi um aumento significativo de pessoas condenadas pelos delitos ali previstos.

É a cultura da improvisação gerando leis confeccionadas e aprovadas de afogadilho, que desembocam inúmeras inconsistências sistêmicas a serem resolvidas pela jurisprudência. Não há nada à vista, no entanto, que pareça suficiente para deter a compulsão legislativa.

 A condenação do réu deve se dar na medida certa de sua culpabilidade e ser imposta de forma necessária e suficiente à reprovação da infração penal perpetrada, servindo como exemplo negativo para a comunidade e, dessa forma, contribuindo com o fortalecimento da consciência jurídica, à medida que procura satisfazer o sentimento de justiça do mundo circundante. Eis o mais relevante papel da atividade jurisdicional: dar ao caso concreto o justo julgamento. O rigor punitivo não pode, de forma alguma, traduzir um conceito de lógica científica, mas sim um puro critério de política criminal.

A partir dessa perspectiva é que, penso, deve se dar aplicação concreta aos princípios informadores do Direito Penal, para o que a Constituição não serve apenas de fundamento, mas também de limite. E, entre tantos princípios fundamentadores ou limitadores, existe um de transcendental importância: o da proporcionalidade (ou da razoabilidade, ou, ainda, como denominado pelos alemães, da proibição de excesso), que exige a aplicação de uma pena proporcional ao delito.

O princípio da razoabilidade configura uma especial garantia aos cidadãos, prescrevendo um contrabalanceamento entre a tutela penal e as restrições à liberdade individual. Apesar de não previsto expressamente na Carta Magna, deriva do artigo 1º, III, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, e também do objetivo da República de buscar a construção de uma sociedade justa (artigo 2º, I). É mediante a sua aplicação que se obtém êxito na tarefa de ajustar as funções retributiva e preventiva da resposta penal.

Efetivamente, é com fundamento nesse princípio que se obterá o equilíbrio das medidas que invadem a liberdade individual, ou seja, uma intervenção ponderada, um balanceamento entre o desvalor da ação praticada e a sanção infligida ao agente. O apenamento deve ser tido como um meio razoável para um fim legítimo, de forma que não se fixem penas demasiadamente baixas, ou altas, no oferecimento da resposta estatal ao fato incriminado. Essa ideia de proporcionalidade da pena já era, inclusive, ideada por Cesare Beccaria em sua obra Dos Delitos e das Penas, de forma que um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas sim a sua infalibilidade, ou seja, a certeza de um castigo, ainda que moderado.

Aliás, como adverte o eminente Desembargador Federal Fábio Bittencourt da Rosa, ao discorrer sobre a utilização da analogia em Direito Penal, a criação de solução penal que descriminaliza, diminui a pena, ou de qualquer modo beneficia o acusado, não pode encontrar barreira para sua eficácia no princípio da legalidade, porque isso seria uma ilógica solução de aplicar-se um princípio contra o fundamento que o sustenta (Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p. 04).

Por fim, registro que posteriormente à decisão do TRF da 4ª Região, cuja ementa citei acima, o STJ reconheceu a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º – B, V, do CP, nos seguintes termos:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 273, § 1º-B, V, DO CP. CRIME DE TER EM DEPÓSITO, PARA VENDA, PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS DE PROCEDÊNCIA IGNORADA.

OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

1. A intervenção estatal por meio do Direito Penal deve ser sempre guiada pelo princípio da proporcionalidade, incumbindo também ao legislador o dever de observar esse princípio como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente.

2. É viável a fiscalização judicial da constitucionalidade dessa atividade legislativa, examinando, como diz o Ministro Gilmar Mendes, se o legislador considerou suficientemente os fatos e prognoses e se utilizou de sua margem de ação de forma adequada para a proteção suficiente dos bens jurídicos fundamentais.

3. Em atenção ao princípio constitucional da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos (CF, art. 5º, LIV), é imprescindível a atuação do Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena cominada à conduta inscrita no art. 273, § 1º-B, do Código Penal.

4. O crime de ter em depósito, para venda, produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais de procedência ignorada é de perigo abstrato e independe da prova da ocorrência de efetivo risco para quem quer que seja. E a indispensabilidade do dano concreto à saúde do pretenso usuário do produto evidencia ainda mais a falta de harmonia entre o delito e a pena abstratamente cominada (de 10 a 15 anos de reclusão) se comparado, por exemplo, com o crime de tráfico ilícito de drogas - notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde pública.

5. A ausência de relevância penal da conduta, a desproporção da pena em ponderação com o dano ou perigo de dano à saúde pública decorrente da ação e a inexistência de consequência calamitosa do agir convergem para que se conclua pela falta de razoabilidade da pena prevista na lei. A restrição da liberdade individual não pode ser excessiva, mas compatível e proporcional à ofensa causada pelo comportamento humano criminoso.

6. Arguição acolhida para declarar inconstitucional o preceito secundário da norma.

(AI no HC 239.363/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, CORTE ESPECIAL, julgado em 26.02.2015, DJe 10.04.2015.) (Grifei.)

É bem verdade que o STF, relativamente ao tema (art. 273 do CP), posicionou-se no sentido de que o Poder Judiciário não detém competência para interferir nas opções feitas pelo Poder Legislativo, a respeito da apenação mais severa daqueles que praticam determinados crimes, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes (1ª Turma. RE 829226 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10.02.2015).

Contudo, penso que são decisões corajosas como a do eminente relator nestes autos, propugnando pela não recepção da severa pena mínima do crime de transporte de eleitores, que são capazes de, quem sabe, provocar uma adequação da pena de forma razoável e proporcional ao delito.

Por essas razões, acompanho integralmente o voto do eminente relator, inclusive quanto aos acréscimos propostos pelo Dr. Losekann, no sentido de reduzir, também, a pena de multa a 50 (cinquenta) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO

Em relação ao cumprimento imediato da sanção penal, acompanho o eminente relator por sua inviabilidade, mas consigno que, em recentíssima decisão, o TSE, em decisão monocrática do Min. Henrique Neves da Silva, entendeu por sua possibilidade.

Trago a síntese da decisão, transcrevendo o que constou no relatório da Seção de Análise Jurídica, da Coordenadoria de Gestão da Informação, da Secretaria Judiciária deste TRE:

O recurso de Milton José Menusi foi desprovido, considerando o posicionamento do Tribunal de origem, que, a partir da análise soberana de todo o conjunto fático - probatório, concluiu pela configuração do delito descrito no art. 299 do Código Eleitoral, decorrente da promessa e doação de vantagens a adversária política com o objetivo de obter não só o seu apoio eleitoral, mas também o seu voto, afastando a tese do flagrante preparado, rechaçando a ausência de dolo específico, ao argumento de que inviável, a teor da Súmula 24 do TSE, reformar o aresto Regional sem novo exame das provas.

O Ministério Público Eleitoral insurge-se contra a decisão do TRE-RS que afastou a possibilidade da execução provisória da pena. O Ministro Henrique Neves, registrando os argumentos expendidos por ocasião do julgamento realizado em 5.10.2016, quando o Supremo Tribunal Federal, por maioria, entendeu que o art. 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após a condenação em segunda instância e indeferiu as liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, tendo naquela ocasião decidido que a execução provisória da pena não afronta o princípio constitucional da presunção de inocência, de modo que, confirmada a condenação por órgão colegiado em segundo grau, e ainda que pendentes de julgamento recursos de natureza extraordinária (recurso especial e/ou extraordinário), a pena poderá, desde já, ser executada, deferiu o pedido ministerial e determinou a remessa da cópia integral dos autos ao juízo da condenação, para adoção das medidas relativas à execução provisória da pena.

(Respe 5-79, originário de Coronel Bicaco, julgado em 30.11.2016 pelo TSE.)

A Carta Magna dispõe no art. 5º, inciso LVII, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

O princípio da presunção de não culpabilidade – ou do estado de inocência – como 'ideia força' derivada do texto constitucional deve orientar a formulação e a interpretação das normas de caráter penal e processual penal. Emana desse princípio uma regra de tratamento ao acusado, que não deve ser considerado como se culpado fosse, antes do pronunciamento definitivo do Poder Judiciário. Segue-se que o cumprimento da pena não pode ser imposto antes da condenação passada em julgado, a menos que seja do interesse do réu.

A propósito do interesse do réu, isso deve ocorrer sempre que não seja o caso de responder ao processo em liberdade, é dizer, quando não estiverem presentes os motivos da prisão cautelar preventiva, em que o início do cumprimento da pena presume-se seja vantajoso ao réu condenado.

A decisão do STF proferida no HC 126292/SP, tecnicamente não é vinculante, pois foi tomada pelo Plenário da Corte em um habeas corpus, não comportando o efeito vinculante, típico a outras decisões do Pretório Excelso.

É inegável que, na realidade do sistema jurídico brasileiro, os recursos aos tribunais superiores demoram muito para serem julgados. E que isso gera um incômodo legítimo na sociedade. Mas, embora se possa prever que 75% a 80% das decisões não serão modificadas, isso não justifica que o restante dos acusados deva sofrer cumprindo penas que, mais tarde, possam ser desconstituídas.

Ademais, os riscos decorrentes de uma leitura moral da Constituição pelo Poder Judiciário em matéria penal, além do abandono do direito (a moral não corrige o direito, senão que o complementa, disse Habermas), são justamente o aumento do arbítrio punitivo estatal e a quebra do fundamento de confiança que os indivíduos depositaram no Estado como protetor dos direitos fundamentais. Esses riscos só desaparecem quando essa interpretação esteja voltada para a proteção da parte mais frágil na relação entre Estado-acusador e indivíduo-acusado.

O sistema jurídico, é certo, não se pode enclausurar, precisa ouvir a sociedade, mas não deve julgar segundo o clamor social punitivo. Não existe input ou output direto do ambiente, do entorno, para dentro do sistema do direito. Tudo passa pelo filtro do direito, para o código binário direito-não direito.

É certo que os recursos à superior instância não têm efeito suspensivo e que esses tribunais não reexaminam matéria de fato, e isso gera um certo desconforto hermenêutico, mas trata-se de um problema que desafia uma mudança constitucional, uma possível emenda, quiçá. Até lá, a regra continuará sendo a exigência do trânsito em julgado para a defesa, e as exceções somente se justificarão diante de colisões insuperáveis entre princípios fundamentais e no caso a caso.

O grande problema é a prescrição. O último marco interruptivo da prescrição é a publicação da sentença ou do acórdão recorrido (art. 117 CP). E mais, se adotada uma interpretação literal do art. 112 do CP [a prescrição começa a correr do dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação...(I)], teremos uma ruptura sistêmica importante.

Não tem sentido que a acusação não possa executar a pena e ao mesmo tempo seja punida pela demora em propor a execução. Mas esse problema de incongruência sistêmica deve ser resolvido na via legislativa ou mesmo jurisprudencial, como fez o TRF4:

Penal e processual. Habeas corpus. Art. 112, inc. I, do CP. Prescrição da pretensão executória. Termo a quo. Trânsito em julgado para ambas as partes. Interpretação de acordo com o sistema constitucional vigente. 1. Na linha do entendimento manifestado pelo e. STJ (HC nº 163.261/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, public. no Dje de 25/04/2011) o artigo 112, inc. I, do CP deve ser interpretado de acordo com a ordem constitucional vigente, de modo a considerar o trânsito em julgado para ambas as partes - e não somente para a acusação - como termo inicial para a prescrição da pretensão executória. 2. Em face de interpretação dada pela Suprema Corte ao princípio da presunção de inocência (Art. 5º, LVII - "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória") o Estado somente pode executar a pena após o trânsito em julgado da ação penal, ou seja, após esgotados todos os recursos. 3. Diante disso, revela-se incongruente considerar o trânsito em julgado apenas para a acusação como marco para a prescrição, quando o Estado, em face da pendência de recurso interposto pela defesa, está impedido de executar a pena e, inobstante isso, continua fluindo o prazo prescricional. 4. Ou seja, em diversos casos ocorreria a extinção da punibilidade, sem que o Estado, em momento algum, tenha sido desidioso ou inerte. 5. Não é caso de declaração de inconstitucionalidade, porquanto "não se está negando vigência ao disposto no art. 112, I, do Código Penal, mas dando-lhe entendimento consentâneo à nova ordem constitucional".

(TRF4, "HABEAS CORPUS" N. 0025643-59.2010.404.0000, 4ª SEÇÃO, Des. Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, POR MAIORIA, D.E. 02.03.2012, PUBLICAÇÃO EM 05.03.2012.)

 

E, no que refere ao que foi recentemente decidido pelo STF nas ações declaratórias ns. 43 e 44, para evitar desnecessária tautologia, transcrevo o que constou no voto da eminente Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez (RC 17-66, julgado em 24.11.2016), acompanhando a posição de que essas decisões, tomadas em apertada maioria, não possuem efeito vinculante:

Em 05.10.2016, o Supremo Tribunal Federal julgou as ações declaratórias de constitucionalidade n. 43 e n. 44, cujo resultado se deu, ainda que em margem apertada, que o art. 283 do Código de Processo Penal “não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância”, e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade.

De início, ressalto que minha posição é pela inexistência de caráter vinculante ou de efeito erga omnes que determine aos tribunais de apelação, antes de transitado em julgado a sentença, executar a pena. Note-se que foi, nas decisões cautelares das referidas ações declaratórias de constitucionalidade, indicada apenas a inexistência de impedimento no art. 283 do CPP para o referido modo (no meu entender, precoce) de execução da pena.

Daí, parece claro que o Supremo Tribunal Federal não apontou cogência da execução da pena antes do trânsito em julgado – e nem mesmo poderia, pois o instituto da repercussão geral é reservado aos recursos especiais – art. 102, § 3º, da CF – e o caráter erga omnes das decisões em ADC cinge-se àquelas “definitivas de mérito” nos exatos termos do art. 102, § 2º, também da Constituição Federal. Ademais, e posiciono-me apenas enquanto as Cortes de 2º grau assim podem proceder, nota-se dos conteúdos dos votos dos Ministros do STF, por ocasião do julgamento das ADC's n. 43 e 44, uma série de argumentos de caráter metajurídico – estatísticas de criminalidade, notas de impunidade, abusividade do direito de defesa, alta seletividade social do direito penal e da persecução criminal – ou seja, foram utilizados valores de política criminal e judiciária, os quais – ainda que verdadeiros e com os quais se concorde – podem demonstrar um excesso de valorização do que “deveria ser” em termos de sistema criminal e diminuir o significado de uma garantia fundamental de redação bastante clara, resultando em movimento com nuances de retorno à matriz neokantiana na seara penal – a decisão judicial erguida com embasamentos fortemente teleológicos.

Daí, não tendo sido modificada a redação constitucional – art. 5º, inc. LVII, da CF – ou tampouco o conceito de “trânsito em julgado”, apenas os argumentos metajurídicos é que estão a dar suporte à guinada jurisprudencial tomada pela Corte Suprema, pois sedimentada, há tempos (por exemplo, HC n. 84.078, do ano de 2009), a posição de que a execução da sanção penal era condicionada ao trânsito em julgado da respectiva condenação. Nesses termos, entendo que o paradigma a ser seguido, nesta Corte, permanece sendo o Recurso Criminal n. 33-95, cujo julgamento foi finalizado em 15.6.2016, e designada como redatora para o acórdão a Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja. Na ocasião, restou assentada a “inviabilidade do pedido ministerial de execução provisória da sentença penal condenatória antes de consumado o seu trânsito em julgado, sob pena de solapar o princípio constitucional da presunção de inocência”. Na oportunidade, esta Corte considerou o teor do julgamento do Supremo Tribunal Federal (HC n. 126.292, ocorrido em 17.2.2016) para, respeitosamente, divergir da conclusão tomada pela Corte Suprema, até mesmo porque não vinculante, e conferiu exegese que, ao meu sentir, deu preferência à consagração da cláusula constitucional da presunção de inocência - art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal. E, pelas premissas postas, tenho que a execução da pena só possa ocorrer após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, bastando agora elencar a presunção de inocência, pois o problema da demora na execução, parece-me, seja o do retardo no trânsito em julgado da decisão condenatória – nenhum outro. Nosso sistema permite que sejam levados à Corte Constitucional praticamente todos os casos criminais, o que gerou, há tempos, o colapso da engrenagem e a impunidade. O condenado acaba não cumprindo a sanção que lhe foi imposta. É certo que cabe ao Supremo Tribunal Federal a derradeira palavra no que diz respeito à interpretação das normas constitucionais. Contudo, enquanto não sobrevier decisão vinculante, ou com efeitos erga omnes, tenho preferência por prestigiar a presunção de inocência, executando-se a pena somente após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Portanto, ainda que o TSE tenha decidido recentemente pela execução provisória de acórdão, igualmente acompanho o relator no sentido da inviabilidade do procedimento executório antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Ante o exposto, meu voto vai na linha do eminente relator, com os acréscimos proferidos pelo Dr. Losekann em relação à redução da pena de multa e, quanto à execução provisória, igualmente acompanhando o relator, pela sua inviabilidade.