RE - 2057 - Sessão: 27/01/2017 às 11:00

RELATÓRIO

O PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – PMDB de Tupanci do Sul (fls. 107-109) recorre da sentença do Juízo da 103ª Zona Eleitoral, segundo a qual se desaprovou a prestação de contas referente ao exercício financeiro de 2014, determinou-se a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 6 (seis) meses e o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 1.540,00 (um mil e quinhentos e quarenta reais), com base no art. 27, inc. III, da Resolução TSE n. 21.841/04 (fls. 101-104).

Em suas alegações (fls. 107-109), o partido recorrente pede a reforma da sentença para que as contas sejam aprovadas sem o recolhimento, ao Tesouro Nacional, dos valores correspondentes às contribuições oriundas dos ocupantes dos cargos em comissão, ou, alternativamente, que a aprovação contemple a imposição desse recolhimento.

Apresentadas contrarrazões (fl. 111), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença, para que os autos sejam restituídos à origem para citação dos dirigentes partidários e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 116-121)

É o relatório.

 

VOTO

Sistematizo por tópicos em ordem jurídica.

Admissibilidade

A sentença foi publicada em 07.7.2016, uma quinta-feira (fl. 106), e a petição recursal foi protocolada em cartório no dia 11.7.2016, uma segunda-feira (fl. 107), sendo, portanto, tempestivo o recurso, além de cabível diante da sentença indeferitória da prestação de contas, mandamental em relação à suspensão das quotas e condenatória em relação à multa.

Justifica-se, pois, o conhecimento do recurso.

Questão preliminar da inclusão dos responsáveis partidários suscitada pelo Ministério Público 

Em razão da ausência dos dirigentes partidários no processo, atuantes no exercício financeiro em exame, o Procurador Regional Eleitoral requereu a declaração da nulidade da sentença, com a remessa dos autos ao juízo originário para que se proceda à sua citação (fls. 117-8v. e 121).

Tocante a essa temática, no julgamento do RE 35-04.2014.6.21.0057 no dia 24.01.2017, o qual foi objeto de desempate pela Desª. Liselena Schifino Robles Ribeiro, esta Corte alterou seu posicionamento ao efeito de assentar a irrestrita necessidade de citação dos responsáveis das agremiações nos processos de prestação de contas partidárias. Assim:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Preliminar. Citação. Dirigentes partidários. Resoluções TSE n. 23.432/14 e 23.464/15. Exercício financeiro de 2013.

Acolhida a preliminar de inclusão dos responsáveis partidários (presidente e tesoureiro) no polo passivo. Jurisprudência da Corte Superior no sentido da necessária citação dos responsáveis das agremiações nos processos de prestação de contas partidárias, ao argumento de que as novas disposições contidas na Resolução TSE n. 23.464/15 caracterizam-se como regras de direito processual, a serem aplicadas imediatamente aos processos em tramitação.

Anulação do feito desde a citação. Retorno dos autos ao juízo de origem.

(TRE-RS – RE 35-04.2014.6.21.0057 – Rel. DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA – J. Sessão de 24.01.2017).

O meu entendimento, faço questão de ressalvar, vinha sendo no sentido de afastar a nulidade apregoada para salvaguardar os julgados sob a égide da anterior jurisprudência do Tribunal, tendo em consideração os princípios da vedação da reformatio in pejus, da segurança jurídica e da isonomia processual – como no RE 4-46.2016.6.21.0143, julgado em 23.01.2016.

Entretanto, em prestígio ao atual entendimento deste Colegiado, no presente feito, o meu voto é pela anulação do processo desde a citação do partido para apresentação de defesa sobre o parecer conclusivo, determinando o retorno dos autos à origem, para que sejam citados os responsáveis, na linha dos fundamentos lançados no precedente acima destacado, verbis:

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral, em reiteradas decisões monocráticas, tem reformado as sentenças proferidas por esta Corte, determinando a inclusão dos responsáveis no feito, sob o fundamento de que as normas determinantes de sua citação possuem natureza processual e incidem imediatamente aos processos que ainda não tenham sido julgados, conforme estabelece o art. 65, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Reproduzo a seguinte passagem da decisão proferida pelo Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin sobre o tema:

Tal regra, ao contrário do que entendeu o TRE/RS, tem cunho eminentemente processual, porquanto aptidão de determinado sujeito para assumir o posto, seja de autor ou de réu, relaciona-se com normas instrumentais, não se subordinando ao mérito das contas. Assim, nos termos do art. 65, § 1º, do referido diploma normativo, aplica-se a processos de outros exercícios financeiros ainda não julgados (RESPE n. 670, Decisão monocrática, Relator: Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 06.10.2016.)

No mesmo sentido, foram proferidas outras decisões: Agravo de Instrumento n. 11508 (Decisão monocrática, Relator: Min. Luiz Fux, DJE: 24.10.2016); Recurso Especial Eleitoral n. 6008 (Decisão monocrática, Relator: Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 26.9.2016);  e RESPE n. 11253 (Decisão monocrática, Relator: Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 15.9.2016).

Dessa forma, entendo adequado o realinhamento das nossas decisões com o entendimento que vem se formando no egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a finalidade de evitar maiores tumultos processuais e morosidade na resolução de mérito das contas partidárias.

Ademais, a determinação de citação dos responsáveis pelas contas partidárias, sendo norma de cunho processual, como definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, estabelece a formação de litisconsórcio necessário no processo de prestação de contas de forma imperativa, como condição de validade da sentença.

A formação desse litisconsórcio necessário já na prestação de contas partidária se dá pela unificação de dois procedimentos previstos na revogada Resolução TSE n. 21.841/04: 1.o julgamento das contas e 2. tomada de contas especial contra os responsáveis.

Inicialmente, havia o julgamento das contas da agremiação e, caso não fossem prestadas ou não houvesse a regularização de valores do Fundo Partidário, seria iniciado um procedimento de tomada de contas especial “visando a apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano” (art. 35 da Resolução TSE n. 21.841/04), no qual se verificava o nexo de causa entre o comportamento do responsável e o prejuízo ou o dano (art. 36, § 1º, da Resolução TSE n. 21.841/04).

Com a revogação da Resolução TSE n. 21.841/04 e a determinação da citação dos responsáveis partidários pela Resolução TSE n. 23.464/15, vislumbram-se duas consequências.

Primeiro, não há mais procedimento específico previsto no ordenamento jurídico para apurar a responsabilidade dos dirigentes partidários em caso de irregularidades praticadas com recursos do Fundo Partidário. Daí a importância, sob o viés do interesse público, da citação dos responsáveis na prestação de contas do partido.

Em segundo lugar, a participação do responsável pelas contas partidárias antes da decisão que as julga lhe permite trazer elementos, documentos e esclarecimentos capazes de levar à aprovação ou reduzir o montante irregular inicialmente apurado. Na antiga tomada de contas especial, buscava-se apurar a responsabilidade do dirigente pelas irregularidades já declaradas judicialmente. No atual procedimento, ao responsável partidário é permitido trazer esclarecimentos antes mesmo do julgamento das contas, o que pode, inclusive, impedir a formação do título executivo. Daí a importância, também sob o viés individual, da participação do responsável na prestação de contas.

Dessa forma, não se pode entender que a citação dos responsáveis lhes cause prejuízo, pois terão a possibilidade de trazer esclarecimentos capazes, inclusive, de levar à aprovação das contas.

Ademais, não se pode projetar as possibilidades abstratas de defesa dos responsáveis para concluir que a ausência de citação não lhes causaria prejuízo. O direito de defesa é pressuposto constitucional de legitimidade da própria atividade jurisdicional, como leciona Guilherme Marinoni:

A jurisdição, para responder ao direito de ação, deve necessariamente atender ao direito de defesa. Isso pela simples razão de que o poder, para ser exercido de forma legítima, depende da participação dos sujeitos que podem ser atingidos pelos efeitos da decisão. E a participação das partes interessadas na formação da decisão e a fidelidade da jurisdição ao Direito que conferem legitimidade ao exercício da jurisdição. (Curso de Direito Civil, vol 1., 2015, p. 347.)

Sendo a defesa requisito imprescindível para a formação da decisão, e determinada a citação dos responsáveis pelo ordenamento, a nulidade não se convalida por eventual preclusão ou ausência de prejuízo. [...]

 

Diante do exposto, acolho a preliminar suscitada pelo douto Procurador Regional Eleitoral, a fim de anular o feito desde a citação do partido para apresentação de defesa sobre o parecer conclusivo, determinando o retorno dos autos à origem, para que sejam citados os responsáveis.