RE - 16810 - Sessão: 23/03/2017 às 17:00

RELATÓRIO

JADER BORGES BRAGA interpõe recurso contra a sentença do Juízo da 14ª Zona Eleitoral – Canguçu – que julgou procedente a representação por divulgação de pesquisa eleitoral irregular no Facebook, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, para o fim de condená-lo à retirada da publicação e ao pagamento de multa no valor de R$ 53.205,00.

Em suas razões recursais, defende, à guisa de matéria preliminar, que a vedação prevista no art. 33 da Lei das Eleições só é aplicável às pessoas jurídicas, e não às pessoas físicas, e afirma ofensa à ampla defesa por não ter sido oportunizada a produção de prova oral. No mérito, sustenta a existência de erro de proibição inevitável e alega ser descabida a conclusão do juízo a quo de que o recorrente tinha ciência da ilegalidade da pesquisa com base na circunstância de ser irmão de candidato a vice-prefeito. Assevera que não houve subsunção da conduta a qualquer tipificação, uma vez se tratar de pesquisa irregular e não fraudulenta. Aponta que seu irmão não restou vitorioso nas urnas e que não houve quebra da isonomia entre os candidatos nem violação à legitimidade do pleito. Invoca o art. 5º, incs. I, II e XXXIX, da CF e postula a reforma da sentença, para ser julgada improcedente a representação, ou a anulação do feito, para que seja realizada audiência de instrução processual.

Nas contrarrazões, o órgão ministerial requereu a manutenção da sentença recorrida e reiterou o pedido de que sejam extraídas cópia dos autos para instauração de procedimento criminal, medida que foi posteriormente realizada pelo próprio Parquet eleitoral.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade.

Passo ao enfrentamento da matéria preliminar contida na peça recursal, relativa à ilegitimidade da parte, pela impossibilidade de condenação de pessoas físicas por divulgar pesquisa irregular, e à nulidade do feito, por falta de realização de audiência para oitiva de testemunhas.

O caput do art. 33 da Lei n. 9.504/97 dispõe sobre os requisitos legais e as informações necessárias para a realização e divulgação de pesquisas eleitorais, enquanto que o § 3º desse dispositivo prevê que a divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações sujeita os responsáveis ao pagamento de multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.

Assim, tendo em conta que a norma não restringe a aplicação da multa a pessoas jurídicas ou empresas, não há que se falar em ilegitimidade passiva por ser o recorrente pessoa física, uma vez que não há fundamento legal que ampare o pedido de exceção à proibição de divulgar pesquisa eleitoral sem registro.

Portanto, o recorrente possui legitimidade para figurar no polo passivo da ação, mormente considerando que assumiu ter realizado a enquete impugnada nestes autos por meio da rede social Facebook.

Do mesmo modo, não prospera a alegação de nulidade do feito por falta de coleta de prova oral, pois as representações por descumprimento à Lei das Eleições seguem o rito célere previsto no art. 96 e seguintes, que têm natureza de processo sumário e prazos exíguos, não permitindo a oitiva de testemunhas.

Destaca-se que, na peça defensiva, o recorrente fez apenas pedido genérico de produção de provas, em nenhum momento demonstrando o que objetivava comprovar com a oitiva de testemunhas que sequer arrolou no momento próprio. Nesse sentido, ausente evidência de qualquer prejuízo.

Além disso, o TSE tem firme jurisprudência de que “Não há violação aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal na decisão que indefere a prova testemunhal, ante a sua desnecessidade, aferida pelo juiz da causa” (Acórdão n. 26.171, de 09.11.2006, Rel. Min. José Delgado).

De qualquer sorte, mostra-se despicienda a produção de prova testemunhal quando reputada como desnecessária ou meramente protelatória, sendo exatamente o caso dos autos.

Com essas considerações, rejeito a matéria preliminar.

 

No mérito, o recorrente foi condenado ao pagamento de multa por divulgação de postagens no seu perfil pessoal no site Facebook, nas quais fez uma charge e referências a uma pesquisa eleitoral realizada na referida rede social em outro perfil, intitulado Coisas de Canguçu, de acordo com a informação acostada aos autos pelo Ministério Público Eleitoral à fl. 09: 

A primeira delas, datada de 25.9.2016, consiste no compartilhamento no perfil de Jader de um print extraído de outro perfil do Facebook, anônimo, entitulado “Coisas de Canguçu”, em que é divulgada uma suposta pesquisa com intenções de voto medidas por “curtidas” aos candidatos a prefeito de Canguçu. A segunda postagem, datada de 26.9.2016, consiste na publicação de uma charge com cavalinhos de corrida desenhados, ao estilo das divulgações do Campeonato Brasileiro de Futebol feitas pelo programa televisivo dominical Fantástico (da TV Globo), com os supostos percentuais de intenções de voto de cada candidato (no desenho identificados apenas pelos partidos políticos aos quais pertencem), constando, ainda, a seguinte frase: “Queriam charge a pesquisa no face não mente. Página coisas de Canguçu”.

Conforme se verifica pela própria leitura da inicial e das postagens impugnadas, a página anônima denominada “Coisas de Canguçu” disponibilizou uma enquete sobre as intenções de votos dos internautas, medida a partir do número de curtidas em candidatos.

A partir dessa avaliação o recorrente divulgou no seu perfil pessoal uma charge na qual aparecem desenhados três cavalos vestindo, cada um, uma camiseta de partido político (PP 11, PMDB 15 e PT 13), com os percentuais de curtidas recebidos.

Ao publicar esse desenho, o recorrente mencionou: “Pesquisa no face aponta os cavalinhos” (fls. 06 e 08), “A pesquisa mostra é Cássio 11. A maioria já escolheu” (fl. 10), “Queriam charge a pesquisa no face não mente. Página coisas de Canguçu”(fl. 11).

Consideradas essas peculiaridades, embora o entendimento contrário do órgão ministerial e do magistrado junto à origem, entendo que a informação quanto ao número de curtidas no site Facebook é absolutamente incapaz de influenciar minimamente a vontade do eleitor.

Não desconheço que as pesquisas possuem um papel importantíssimo para as campanhas eleitorais e escolha de candidatos. A avaliação constitui ferramenta ideal para verificação da disputa entre candidatos e a intenção de voto do eleitorado, muitas vezes espelhando e antevendo o desempenho no dia da eleição.

Conforme leciona Zilio, “Historicamente, a divulgação da pesquisa possui influência inegável junto ao público-alvo, servindo como elemento de interferência no processo eleitoral. Assim, a pesquisa realizada de modo irregular, com manipulação dos resultados e forte possibilidade de indução na vontade do eleitor, é coibida pela legislação eleitoral” (Zilio, Rodrigo L. Direito eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral (da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 441.).

Penso, no entanto, que as postagens analisadas nestes autos não se revelam como uma pesquisa eleitoral propriamente dita, nem tiveram capacidade de gerar forte possibilidade de indução na vontade do eleitor. 

Entendo que as publicações de contagem de curtidas no Facebook são incapazes de induzir ou manipular o eleitorado.

Além disso, o recorrente não realizou a enquete em questão, mas apenas fez referência aos seus resultados por meio de uma charge na qual divulga o número de curtidas. 

É possível verificar que, pela impressão das publicações juntadas aos autos às fls. 06, 08, 10 e 11, o recorrente mencionou a enquete em três postagens com privacidade restrita a seus amigos cadastrados no Facebook, e não de modo público, circunstância que restringe sobremaneira o alcance da publicação.

Considero, ainda, que o maior responsável pela realização e divulgação da pesquisa é o administrador da página “Coisas de Canguçu”, pessoa que pode ser localizada mediante a quebra do sigilo junto ao site Facebook, o que possibilita o envio de todos os dados da conta à Justiça Eleitoral, tais como endereço de e-mail cadastrado e IP, procedimento que poderia ter sido adotado junto à origem com a respectiva ordem judicial.

Portanto, entendo que as publicações em questão não atraem a severa penalidade prevista para a divulgação de pesquisa eleitoral, uma vez que a mera referência ao número de curtidas no site Facebook não se traduz em pesquisa eleitoral para fins de atrair a penalidade prevista no art. 33, § 3º, da Lei das Eleições, por ser incapaz de interferir no voto do eleitor ou influenciá-lo, assim como prejudicar a legitimidade do pleito.

A simples referência à investigação de intenções de voto desprovida de qualquer dado concreto, a exemplo do número de entrevistados, período de realização, margem de erro, comparativos, índices, entre outros, não se equipara à divulgação de pesquisa eleitoral, conforme já assentado por esta Corte Regional no julgamento do RE 9-51, relatoria Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, julgado na sessão de 30.01.2014, cuja ementa transcrevo:

Recursos. Pesquisa eleitoral. Art. 18 da Resolução TSE n. 23.364/11. Eleições 2012.

Alegada veiculação de pesquisa sem registro junto à Justiça Eleitoral no horário da propaganda gratuita de rádio.

Mensagem que não se reveste de pesquisa, porquanto desprovida de dado concreto, a exemplo do número de entrevistados, período de realização, margem de erro, comparativos, índices e outros elementos indispensáveis para a sua formatação.

Reforma da sentença. Afastada a multa imposta.

Não conhecimento do apelo ministerial, por intempestivo.

Provimento do recurso da coligação.

Desse modo, não há oferta de elementos suficientes para caracterizar a postagem como divulgação de pesquisa eleitoral nos moldes conceituais exigidos pelo art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Ante o exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo provimento do recurso para reformar a sentença e julgar improcedente a representação, afastando a multa aplicada.