RE - 57243 - Sessão: 17/02/2017 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ALCEU SCHAFER contra decisão do Juízo da 20ª Zona Eleitoral que julgou procedente a representação ajuizada pela COLIGAÇÃO TRÊS ARROIOS PARA TODOS, considerando caracterizada a captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Nas razões recursais (fls. 118-135), suscita a nulidade da gravação ambiental realizada sem o consentimento de um dos interlocutores e a nulidade do testemunho de Ilse Festl e Dione Correa, por derivação. No mérito, sustenta conhecer a família da eleitora de longa data e alega a ausência de dolo específico, pois não pretendia obter seu voto, nem ofereceu benefício a ela, a qual foi conduzida por sua neta no dia da votação. Argumenta a desproporcionalidade das sanções aplicadas. Requer a improcedência da representação.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 154-161).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura (relator):

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no dia 03.11.2016 (fl. 115); e o apelo, interposto no dia 04 do mesmo mês (fl. 117), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no art. 41, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

O recorrente alega a ilicitude da gravação ambiental, bem como dos testemunhos de Ilse e Dione, por derivação, pois seriam simples decorrência da mídia ilícita.

Inicialmente, as gravações juntadas aos autos não foram obtidas por interceptação telefônica, meio de prova no qual terceiro estranho aos interlocutores capta a conversa, e que está efetivamente sujeito à reserva judicial por força do art. 5º, inc. XII, da CF.

Ao contrário, houve a gravação clandestina sem o conhecimento de um dos interlocutores. Nessa hipótese, não há que se falar em necessidade de autorização judicial, pois não há interceptação, e sim gravação por um dos envolvidos no diálogo, porém seu conteúdo pode estar submetido à tutela da intimidade ou privacidade – nos termos do art. 5º, inc. X, da Constituição Federal – quando a conversa em si tratar de temas que mereçam a tutela desses direitos fundamentais.

Nessas hipóteses, de tutela especial da intimidade, nem mesmo o interlocutor poderia testemunhar sobre a conversa, pois o direito fundamental à intimidade preserva o seu conteúdo propriamente dito, e não a gravação em si. Excepcionadas tais situações, é perfeitamente possível a captação de conversas por um dos interlocutores, conforme já definiu o egrégio Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, como se extrai da seguinte ementa:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.

(RE 583.937-QO-RG, Relator Min. CEZAR PELUSO, julgamento em 19.11.2009, Plenário, DJE de 18.12.2009.) (Grifei.)

No caso dos autos, o representado não tratava de nenhum tema especialmente protegido pela privacidade. Ao contrário, a conversa poderia ser reproduzida em audiência por qualquer um dos interlocutores, sem qualquer ofensa à Constituição Federal.

Ademais, como bem pontuou o magistrado, o diálogo ocorreu na residência de Ilse e Dione, “em que a proteção constitucional da intimidade e da privacidade contemplava a esfera individual dessas moradoras, e não dos interlocutores ROQUE KLEIN e ALCEU SCHAFER” (fl. 110v.). Assim, nenhuma expectativa de privacidade do recorrente foi frustrada.

Lícita, portanto, a gravação juntada aos autos, conforme pacífica posição desta Corte:

Ação Penal. Imputação da prática do crime de corrupção eleitoral. Artigo 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Competência originária deste Regional para o julgamento, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função.

Matéria preliminar afastada. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Entendimento sedimentado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Não evidenciada a inépcia da inicial, vez que clara a descrição dos fatos.

Distribuição de cestas básicas a eleitores em troca de voto. Conjunto probatório frágil quanto à compra de votos narrada na inicial. Prova testemunhal contraditória, embasada em depoimentos de eleitores comprometidos com adversário político, que não conduz à certeza acerca da materialidade dos fatos alegados. Imprescindível, para um juízo de condenação na esfera criminal, a verdade material, alcançada por meio da produção de provas do fato e da respectiva autoria.

Improcedência.

(Ação Penal de Competência Originária n. 46366, Acórdão de 02.12.2015, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 223, Data 04.12.2015, Página 4.) (Grifei.)

Afasto, assim, a pretensão de reconhecimento da ilicitude da gravação.

Da mesma forma, deve ser afastada a pretendida nulidade do testemunho de Ilse Festl e Dione da Silva por derivarem da gravação ambiental.

Primeiro porque a mídia é lícita, conforme exposto acima. Segundo porque os testemunhos de Ilse e Dione não derivam da gravação. Pelo contrário, Ilse era interlocutora direta e teria ciência do diálogo mesmo que não existisse a gravação. Trata-se de dois meios de prova distintos, obtidos de forma independente um do outro.

Legítimos, portanto, os testemunhos prestados em juízo.

Quanto ao fato ilícito, Alceu Schafer, candidato ao cargo de vereador, foi condenado pela prática de captação ilícita de sufrágio, vedada pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97, em razão da oferta de transporte no dia da eleição em troca do voto de Ilse Festl.

Reproduzo o texto do art. 41-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

O aludido artigo tem por objetivo proteger a liberdade de escolha do eleitor, vedando que seu voto seja definido ou influenciado pelo oferecimento de bens e vantagens.

Tendo presente o bem jurídico protegido pela norma, veda-se a entrega ou oferta de vantagens especificamente em troca do voto do eleitor. Assim, a jurisprudência não exige pedido expresso de voto, bastando apenas que a entrega de benefícios ocorra com a finalidade específica de obtenção do voto do eleitor, conforme expressamente prevê o § 1º do art. 41-A:

Art. 41-A. [...]

§ 1º. Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

No caso sob análise, ouvindo-se a gravação da conversa entre Ilse Festl e Alceu Schafer (fl. 43), verifica-se que ambos falavam sobre um valor de R$ 150,00 doado por Alceu a Ilse para ajudar um familiar da eleitora.

Percebe-se que Ilse estava bastante alterada, pois ouviu de terceiros que o vereador estaria cobrando o seu voto em troca dessa ajuda.

Alceu negou de forma veemente essa troca e, em algumas oportunidades, cobra de Ilse o nome de quem teria lhe dito isso, pois queria esclarecer os fatos com esse terceiro. Esclarece que não sabia de seu domicílio eleitoral em Três Arroios, pedindo que confirmasse, com sua filha, sua surpresa quando soube, a fim de demonstrar como não poderia ter cobrado o seu voto.

Durante a conversa, o vereador foi bastante claro, dizendo que Ilse tinha toda a razão de estar irritada com a situação, mas sempre negou a cobrança do voto e se mostrou bastante preocupado em descobrir quem havia falado com a eleitora. Reafirmou, em algumas passagens, a espontaneidade de sua ajuda e que a eleitora não é obrigada a votar nele por conta daquele auxílio, embora chegue a referir que seria normal tal retribuição.

A eleitora Ilse, em determinada oportunidade, afirmou sempre ter votado no vereador e que confirmaria seu voto nele, mas esse boato sobre a exigência do voto mudaria tudo.

Em determinado momento da conversa, Ilse afirmou que nem iria mais votar, pois sua filha não poderia pegá-la, tendo em vista a distância da sua residência. Alceu então disse que alguém precisava levá-la para votar, afirmando que pagaria a gasolina para Ieda, sua filha, buscá-la:

Ilse: Eu tinha dito inté, que eu nem ia mais vota, porque Dione é presidente ná, lá em Santo Antônio

Alceu: Hum.

Ilse: Ela tem que sair sete horas antes

[…]

Alceu: Não, não, alguém tem que levar.

Ilse: Pois é, mas quem?

Alceu: Isso eu não sei como é que é, vai até lá, se tu pega compromisso comigo, eu vou mandar pagar a gasolina pra Ieda vir aqui te pegar, leva lá em cima e volta.

No final da conversa, Alceu pede para Ilse uma ajuda para o prefeito também, e conversam de forma breve sobre os dois candidatos em disputa. O vereador afirma esperar a ajuda da eleitora novamente e diz que, se ela precisar de carona, é para falar com a Ieda.

De toda a longa conversa, percebe-se que não está presente a finalidade específica de mercancia, de troca da benesse pelo voto, essencial para a caracterizar captação ilícita de sufrágio.

Desde o princípio da conversa, o vereador mostra-se bastante preocupado em esclarecer o mal-entendido havido com a eleitora, explicando que a ajuda anterior nada tinha a ver com o seu voto. Concorda com a irritação de Ilse e tenta saber, por várias oportunidades, quem havia dito que ele estava cobrando seu voto.

O diálogo evidencia ainda que Ilse é eleitora de longa data de Alceu, e deixa transparecer ser desnecessária qualquer oferta por parte do vereador para ter o seu apoio.

Quando já esclarecida a situação, e ambos conversam sobre amenidades, Ilse menciona que talvez não poderia votar, por falta de quem a levasse para a seção eleitoral. Alceu então, oferece uma ajuda com a gasolina, para assegurar o voto da eleitora.

O contexto deixa claro que a oferta da gasolina destinava-se a garantir o voto de uma eleitora assídua, e não uma benesse para captar, em troca, a preferência de Ilse, tanto que durante todo o diálogo Alceu tenta convencer a eleitora de que não estava cobrando seu voto em troca de favores do passado.

Somente após ficar evidente a preferência da eleitora pelo candidato houve a oferta de ajuda para seu transporte no dia da eleição, demonstrando também que era desnecessário oferecer qualquer vantagem em troca do voto dela, pois este já seria destinado a Alceu.

A confirmar a ausência de dolo, a própria eleitora Ilse, em seu testemunho perante o juízo, afirmou de forma veemente que Alceu não lhe ofereceu nada em troca do voto.

A jurisprudência é pacífica no sentido de que, para a configuração do ilícito descrito no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, a oferta da benesse deve se dar com a finalidade específica de obter, em troca, o voto do eleitor:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. ELEIÇÕES 2012. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. DESNECESSIDADE.

1. A configuração de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97) demanda a existência de prova robusta de que a doação, o oferecimento, a promessa ou a entrega da vantagem tenha sido feita em troca de votos, o que não ficou comprovado nos autos.

2. Conforme a jurisprudência do TSE, o fornecimento de comida e bebida a serem consumidas durante evento de campanha, por si só, não configura captação ilícita de sufrágio.

3. A alteração das conclusões do aresto regional com fundamento nos fatos nele delineados não implica reexame de fatos e provas. Na espécie, a mudança do que decidido pela Corte Regional quanto à finalidade de angariar votos ilicitamente foi realizada nos limites da moldura fática do acórdão, sem a necessidade de reexame fático-probatório.

4. Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 47845, Acórdão de 28.4.2015, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 95, Data 21.5.2015, Página 67.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. FINALIDADE ELEITORAL DA CONDUTA. AUSÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a captação ilícita de sufrágio somente ocorre quando evidenciado o fim especial de agir, materializado pela intenção de obter-se o voto, a teor do art. 41-A da Lei 9.504/97.

2. Na espécie, demonstrou-se que o agravado intermediou a compra e venda de materiais de construção entre determinado estabelecimento comercial e alguns eleitores com restrições de crédito. Todavia, não se comprovou que essa vantagem teria sido oferecida em troca de votos. Dessa forma, o acórdão regional merece reforma, pois não indicou qualquer circunstância de caráter eleitoral associada à conduta do agravado.

3. Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 111485, Acórdão de 05.6.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 142, Data 04.8.2014, Página 46.) (Grifei.)

Resta demonstrado, portanto, que a oferta de combustível para ajudar a filha da eleitora a conduzi-la até seu local de votação no dia da pleito não se destinava especificamente a captar seu voto, mas a garantir seu comparecimento às urnas, não havendo que se falar em captação ilícita de sufrágio.

 

Diante do exposto, afastada a preliminar, VOTO pelo provimento do recurso para julgar improcedente a representação.

 

(Após votar o relator, afastando a preliminar e dando provimento ao recurso, pediu vista o Dr. Losekann. Demais julgadores aguardam. Julgamento suspenso.)