RE - 27717 - Sessão: 05/04/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso (fls. 96-100) interposto por MARCOS ERNANI SENGER contra decisão  (fls. 89-93v.) proferida pelo Juízo da 81ª Zona Eleitoral – São Pedro do Sul –, que julgou procedentes as Representações n. 277-17.2016.6.21.0081 e n. 278-02.2016.6.21.0081 (esta apensa àquela), ambas propostas pela COLIGAÇÃO UNIÃO E COMPROMISSO (PP – PTB – DEM – PPL – PMDB), condenando-o ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00, em virtude da utilização de espaço na programação da Rádio Municipal São Pedrense durante a campanha eleitoral de 2016, conduta vedada de acordo com o art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões, o recorrente suscita, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, defende a legalidade das condutas, ao argumento central de que suas manifestações não tiveram o intuito de beneficiar candidaturas, pois concedeu as entrevistas na condição de prefeito e a pedido da radialista condutora do programa Jornal da Manhã, para informar a população acerca do funcionamento do hospital municipal e do andamento de obras públicas. Pleiteia a reforma da sentença para que a ação seja julgada improcedente, afastando-se a imposição da penalidade de multa (fls. 96-100).

A coligação recorrida não apresentou contrarrazões (fl. 104).

Nesta instância, com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo afastamento da preliminar de ilegitimidade passiva e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, recomendando, apenas, a conversão do valor da multa, fixado em UFIR, para reais, em conformidade com a sistemática prevista no § 4º do art. 62 da Resolução TSE n. 23.457/15 (fls. 108-115v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo, tendo sido interposto dentro do prazo de 03 (três) dias estabelecido no art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97 (fls. 94 e 96).

Preliminar de Ilegitimidade Passiva

Em suas razões recursais, Marcos Ernani Senger argui, em preliminar, a sua ilegitimidade passiva para responder às representações por conduta vedada.

Argumenta que as ações eleitorais foram propostas contra ele na condição de prefeito (agente político) e, desse modo, contra o Município de São Pedro do Sul, o que lhe conferiria a prerrogativa de ser defendido em juízo pela procuradoria jurídica do município, em vez de advogado constituído nos autos.

Contudo, a argumentação não prospera.

As petições iniciais (fls. 02-07 destes autos e fls. 02-06 do apenso), em sua forma e conteúdo, evidenciam que ambas as representações foram dirigidas ao recorrente na condição de agente público (chefe do Poder Executivo), e não ao Município de São Pedro do Sul.

A juíza eleitoral de primeiro grau, ao apreciar os embargos de declaração opostos pelo município em face da decisão concessiva do pedido de medida liminar (fl. 47 destes autos e fl. 34 do apenso) e proferir a sentença, enfrentou essa questão preliminar, esclarecendo que as representações não abarcavam o Município de São Pedro do Sul (fl. 90 e verso).

E o entendimento adotado mostra-se em consonância com a estrutura normativa do art. 73 da Lei das Eleições, a partir do qual se conclui que a legitimidade para figurar no polo passivo das ações em que se apura o cometimento de conduta vedada é do agente público responsável pela infração e dos candidatos, partidos políticos e coligações por ela beneficiados.

O ente estatal, ao qual o agente público se encontra vinculado, não detém legitimidade para responder a demandas dessa natureza, pois a responsabilidade pela conduta vedada eventualmente praticada é da pessoa física que o representa e age em seu nome (TSE, RP n. 1920-54/DF, Relator Min. Henrique Neves da Silva, publicado na sessão de 14.9.2010).

Nesse sentido, cito o seguinte precedente do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá:

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73 DA LEI Nº 9.504/97. USO DE RÁDIO ESTATAL PARA PROMOÇÃO DE CANDIDATO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA RÁDIO DIFUSORA DE MACAPÁ. ACOLHIMENTO. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA, LITISPENDÊNCIA, INÉPCIA DA INICIAL, INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, ILEGITIMIDADE PASSIVA, INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO, FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL E DECADÊNCIA. REJEIÇÃO. USO EM BENEFÍCIO DE CANDIDATO, PARTIDO POLÍTICO E COLIGAÇÃO DE BEM IMÓVEL PERTENCENTE À ADMINISTRAÇÃO INDIRETA (RÁDIO DIFUSORA - AUTARQUIA ESTADUAL). USO DE MATERIAIS OU SERVIÇOS CUSTEADOS PELO GOVERNO QUE EXCEDE AS PRERROGATIVAS DAS NORMAS DO ÓRGÃO. CONFIGURAÇÃO. INCISOS I E II DO ART. 73 DA LEI DAS ELEIÇÕES. PROCEDÊNCIA.

1. Agentes públicos e beneficiários são os legitimados legais a atuarem no polo passivo de representação em que se apura conduta vedada. O ente público, nessa hipótese, constitui apenas instrumento da prática da vedação. Não é sujeito infrator, mas, sim, o objeto utilizado para a transgressão da lei (art. 73, caput e § 5º, da Lei nº 9.504/97).

2. Todo candidato e coligação possuem legitimidade para ajuizar representação eleitoral por conduta vedada, nos termos do art. 22, caput, da LC 64/90. Precedente do TSE.

3. Causa de pedir distinta entre representações eleitorais afasta litispendência.

4. Conquanto nosso sistema processual adote a teoria da substanciação, o errôneo enquadramento jurídico dos fatos não induz inépcia, porquanto o julgador não fica adstrito ao enquadramento jurídico feito pela parte autora, mas à descrição fática. Ao decidir, o órgão judicante procederá à subsunção legal a que o fato se enquadra, de modo que eventual erro na tipificação pela parte não impede a correta aplicação do direito. Precedente do TSE.

5. Basta a afirmação de que o candidato foi beneficiado pela conduta vedada para atrair sua legitimidade passiva na demanda, porquanto nosso sistema processual adota a teoria da asserção (in status assertionis).

6. Nada impede que fatos objeto de representações com espeque no art. 45 da Lei das Eleições sejam apurados sob o ângulo das condutas vedadas do art. 73 da Lei nº 9.504/97, desde que ajuizadas até o dia da diplomação, nos termos do art. 73, § 12, da Lei nº 9.504/97.

7. Comprovado nos autos o uso da Rádio Difusora de Macapá, autarquia estadual, para fazer propaganda política em benefício do candidato e governador à época, Carlos Camilo Góes Capiberibe e seu vice, e desfavorável em relação ao candidato opositor, o que se amolda aos incisos I e II do art. 73 da Lei nº 9.504/97.

8. A sanção de multa mostra-se suficiente à reprovabilidade das condutas praticadas, sem contar que os beneficiários não foram eleitos.

9. Ficam excluídos da distribuição dos recursos do fundo partidário oriundos da aplicação da multa imposta, os partidos políticos integrantes da Coligação "Frente Popular a Favor do Amapá", nos termos do § 9º do art. 73 da Lei das Eleições.

(TRE-AP, RP n. 224506, Relator Juiz JUCÉLIO FLEURY NETO, DJE – Diário da Justiça Eletrônico Tomo 118, Data 1°.7.2016, Página 5.) (Grifei.)

Logo, o recorrente, na qualidade de agente público (prefeito), detém legitimidade passiva para atuar no processo, sendo a sua defesa exercida por advogado constituído nos autos, já que o objeto da lide não se refere a direito ou interesse próprio do Município de São Pedro do Sul a justificar a atuação da sua procuradoria jurídica.

Por essas razões, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva e passo a analisar questão, também prejudicial ao mérito, relativa à necessidade de formação de litisconsórcio passivo para o desenvolvimento válido dos processos.

Preliminar de ofício:  Litisconsórcio Passivo Necessário

As representações n. 277-17.2016.6.21.0081 e n. 278-02.2016.6.21.0081 foram ajuizadas porque, nos dias 30.8.2016 e 13.9.2016, o recorrente, à época prefeito de São Pedro do Sul, teria utilizado espaço no programa Jornal da Manhã, transmitido pela Rádio Municipal São Pedrense, para rebater críticas que haviam sido feitas por Victor Doeler (candidato à eleição majoritária pela coligação representante) durante o horário de propaganda eleitoral gratuito e enaltecer as obras e serviços prestados pela administração municipal, com o intuito de beneficiar a candidatura de Loreni Maciel, candidato da situação pela Coligação São Pedro Para Todos.

As condutas teriam ocasionado desequilíbrio de oportunidades entre os candidatos que disputaram o pleito de 2016, pelo uso indevido de bem público do município com finalidade eleitoral, o que é vedado pelo art. 73, inc. I, da Lei das Eleições:

Art. 73 São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;
[…]
§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.
§ 5° Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4º, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.
§ 7º As condutas enumeradas no caput caracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere o art. 11, inciso I, da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em especial às cominações do art. 12, inciso III.
§ 8º Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem. (Grifei.)

As ações, portanto, foram ajuizadas contra o recorrente, na condição de agente público (chefe do Poder Executivo municipal), não tendo sido citados, para integrar o polo passivo das demandas, os candidatos que concorreram à eleição majoritária pela Coligação São Pedro Para Todos, supostamente beneficiados pelas condutas ilícitas perpetradas pelo recorrente.

Diante desse cenário, reporto-me ao art. 73 da Lei das Eleições, do qual se extrai a impossibilidade de as representações por conduta vedada serem ajuizadas somente contra o agente público responsável pelo ilícito.

O próprio sancionamento previsto no dispositivo em tela remete à figura do agente público (independentemente da sua qualidade de servidor), dos candidatos, partidos políticos e coligações beneficiados pelo cometimento da conduta vedada. No caso de desatendimento da norma, todos tornam-se destinatários da ordem de suspensão da conduta e de eventual penalidade de multa que venha a ser aplicada pelo juízo eleitoral competente. O candidato beneficiário, por sua vez, agente público ou não, fica sujeito à pena de cassação do registro ou do diploma.

Além disso, como a responsabilidade pelo cometimento do ilícito possui natureza solidária, o Tribunal Superior Eleitoral consolidou entendimento de que, à exceção das hipóteses em que o agente público atua como mandatário do candidato (RMS n. 1349-86/RN, de relatoria da Ministra Luciana Lóssio, em acórdão publicado no DJE de 29.10.2015, páginas 41-42), tanto o agente público quanto os candidatos favorecidos pelo ilícito devem ser chamados ao processo como litisconsortes passivos necessários.

Cito, a título exemplificativo, o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2010. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. ART. 47 DO CPC. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. DECADÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A reiteração de teses recursais atrai a incidência da Súmula nº 182/STJ.

2. Na representação para apuração de condutas vedadas, há litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e o agente público tido como responsável pelas práticas ilícitas (precedente: RO nº 169677/RR, DJe de 6.2.2012, rel. Min. Arnaldo Versiani).

3. In casu, o próprio agravante afirma que não há como identificar o agente público autor da conduta vedada, mantendo-se incólumes os fundamentos da decisão agravada.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, AgR-RO n. 505126/AM, DJE Tomo 62, Data: 01.4.2014, Página: 59, Julgamento: 27.02.2014, Relator Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI.) (Grifei.)

Logo, a ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário importaria a nulidade da sentença, do que decorreria a restituição dos feitos ao juízo de origem para integração dos candidatos beneficiários das condutas, sob pena de extinção dos processos sem julgamento de mérito, de acordo as regras dispostas no art. 115, inc. I e parágrafo único, do Código de Processo Civil.

No entanto, a meu juízo, há outra situação jurídica que se sobrepõe, além de ligar-se à exposição feita.

Os candidatos eleitos no Município de São Pedro do Sul foram diplomados em cerimônia realizada no dia 15.12.2016. O art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.462/15 determina que as ações fundadas, dentre outros, no art. 73 da Lei n. 9.504/97 devem ser propostas até a data da diplomação. O prazo é decadencial e flui sem que possa ser interrompido. Dessa forma, decorre a consequência de que petição inicial, incompleta em si mesma quanto aos candidatos como partes obrigatórias, não mais pode ser emendada para suprir a inaptidão e a nulidade.

De encontro aos candidatos, decaiu o direito de fazê-lo concomitante à diplomação, e a pretensão não tem mais como prosperar. Assim, pronuncia-se a decadência do direito de ação, não mais sendo possível a providência processual da emenda à petição inicial, em cada representação, com o que se justifica a extinção dos processos com amparo no art. 487, inc. II, do Código de Processo Civil.

Nesse contexto, colho ementa de julgado deste Tribunal:

Recurso. Representação. Propaganda institucional. Condutas vedadas a agentes públicos. Abuso do poder político. Art. 73, inc. VI, letra “b”, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

Irresignação contra sentença do juízo eleitoral que julgou parcialmente procedente a representação por condutas vedadas a agentes públicos e abuso de poder político, por afronta ao art. 73, inc. VI, letra “b”, da Lei n. 9.504/97, que proíbe a publicidade institucional nos três meses que antecedem o pleito. Veiculação de vídeos em perfil da rede social Facebook, com a informação de que foram inauguradas obras públicas durante mandato de candidato enquanto gestor público.

Preliminar de ofício. Não observância do litisconsórcio necessário entre os candidatos beneficiados com o ato impugnado e os agentes públicos implicados na conduta objeto da representação. Falta de citação dos referidos candidatos.

Afronta aos arts. 114 e 115, inc. I, do Código de Processo Civil.

Retorno dos autos à origem para a notificação de todos os envolvidos, observado o prazo decadencial previsto no art. 73, § 12, da Lei n. 9.504/97.

Decretação de nulidade do feito.

(RE n. 139-09, Relator Dr. SILVIO RONALDO DOS SANTOS DE MORAES, julgado em 07.12.2016.) (Grifei.)

Em conclusão, a representação para reconhecimento da conduta vedada deve ser ajuizada contra o agente público e os candidatos.

Ajuizada somente contra o agente público, sem a inclusão obrigatória dos candidatos, a petição inicial é inepta ou nula e só pode ser emendada ou suprida até a diplomação dos eleitos, porque tal ação ou representação deve ser exercida até a referida data, a qual tipifica o encerramento do prazo decadencial, que, dada a sua natureza, deixa de ser suscetível de interrupção.

Apresentadas as petições iniciais subjacentes sem a inclusão dos candidatos, decaiu o direito de representação contra os mesmos, sendo insuscetível de suprimento, exceto se este ou a emenda advier dentro do prazo decadencial.

 

Diante do exposto, VOTO por afastar a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e pelo reconhecimento da decadência do direito de ação, extinguindo os processos com resolução de mérito, com base no art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.462/15 c/c o art. 487, inc. II, do Código de Processo Civil.