E.Dcl. - 100000219 - Sessão: 13/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

A UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) opôs embargos de declaração da decisão deste Tribunal que, nos autos do RE 100002-19.2008.6.21.0150, não conheceu o recurso ordinário e recebeu o reexame necessário, para, afastada a prescrição intercorrente, julgar extinto o processo de execução fiscal subjacente por ausência de interesse processual, nos termos do art. 330, inc. III, do Código de Processo Civil.

Aduziu a existência de omissão e contradição no decisum. Pugnou pelo acolhimento dos embargos, para que sejam realizados os aclaramentos necessários, com a atribuição de efeitos infringentes. Requereu, sucessivamente, a emissão de tese jurídica no tocante a dispositivos e circunstâncias apontados, para fins de prequestionamento (fls. 226-229v.)

Após, vieram os autos a mim conclusos.

É o breve relatório.

 

VOTO

Os embargos declaratórios são tempestivos e preenchem os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual os conheço.

No mérito, inicio rememorando que os aclaratórios servem para afastar obscuridade, dúvida, contradição ou omissão que emergem do acórdão, nos termos do art. 275, inc. II, do Código Eleitoral.

Contudo, analisando a peça apresentada pela embargante, conclui-se que não se ajusta aos fins do recurso a que se refere, pois, na verdade, consiste em divergência quanto ao entendimento adotado na decisão vergastada.

A alegação da embargante de que houve omissão e contradição, consistiu no seguinte (fls. 228v.-229v.), verbis:

[…]

Portanto, uma vez ocorrido o óbito da parte executada, a ação de execução deve ser direcionada ao espólio, ou, nas hipóteses de ausência de abertura de inventário/arrolamento ou de encerramento destes, como é o caso do presente processo, diretamente contra os sucessores do executado.

Dito de outro modo, enquanto não proposta ou encerrada a partilha, somente caberá o redirecionamento da execução fiscal ao próprio espólio, diante da ausência de elementos que permitam saber qual montante eventualmente tocará a cada um dos sucessores.

Com efeito, por força do direito de saisine, o falecimento do executado acarreta a imediata transferência da posse de seu patrimônio aos seus sucessores (artigo 1.784 do CC); quanto à responsabilidade pelo pagamento das dívidas do falecido, contudo, esta apenas passa àqueles após a realização da partilha, na respectiva proporção da parte que lhes coube na herança (artigo 1.998 do CC).

Sendo assim, ainda que ausente notícia de abertura de inventário, deve ser redirecionado o feito, desde logo, ao espólio do devedor, cuja representação recairá numa das pessoas elencadas no artigo 1.797 do Código Civil.

É certo ser possível, assim, na hipótese dos autos (falecimento do devedor após a determinação da citação na execução fiscal, sem abertura de inventário) a citação do espólio na pessoa do cônjuge, ou, quando já falecido este, como no caso dos autos, na pessoa do herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho, nos termos dos artigos 985 e 986 do CPC/1973 c/c o art. 1.797 do Código Civil: […]

Em síntese, importa sublinhar que o raciocínio empreendido pela decisão embargada, com a devida vênia, esbarra nas normas e circunstâncias aqui expostas, não apreciadas pelo respeitável acórdão prolatado, diante do que se requer a emissão de tese jurídica no ponto, seja para integração/alteração do julgado, seja para exclusivos efeitos de prequestionamento.

Nesse contexto, de ver que a decisão vergastada foi devidamente fundamentada, tendo enfrentado as questões de fato e de direito e tratado dos elementos essenciais ao julgamento (fls. 216-222v.), debatendo especificamente os pontos trazidos pela embargante:

[…]

b) Da carência de ação

O executado Renato Selhane de Souza faleceu, conforme certidão de óbito (fl. 40), em 19.11.2010, após a propositura da execução fiscal. Porém, antes da sua citação válida.

A Fazenda Pública (fl. 77), diante do fato, requereu, com fundamento nos artigos 131, II e III, do Código Tributário Nacional - CTN, bem como no artigo 43 do Código de Processo Civil o redirecionamento da execução fiscal para a “sucessão do de cujus”, o que foi acolhido (fl. 83).

Primeiramente, conforme visto alhures, inaplicável o disposto no artigo 131 do CTN, vez que o crédito perseguido – multa eleitoral – tem natureza não tributária.

Seguindo, nos termos do art. 4º, III, da Lei 6.830⁄80, “a execução fiscal poderá ser promovida contra o espólio”.

Dessa forma, caso ainda não iniciado o inventário, poderá a execução ser direcionada ao administrador provisório; se já iniciado, ao inventariante e, se realizada a partilha, aos herdeiros, que respondem nos limites da herança.

Verifica-se, no entanto, que o óbito ocorreu antes da constituição do crédito e, em que pese não ter natureza tributária, também não é possível a aplicação do disposto no art. 43 do CPC/73 – vigente à época do fato –, uma vez que o executado Renato nunca chegou efetivamente a figurar como parte no polo passivo.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao afirmar a impossibilidade do redirecionamento da execução fiscal antes da constituição do crédito que se operacionaliza com a efetiva citação:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO FISCAL - CDA EXPEDIDA CONTRA PESSOA FALECIDA ANTERIORMENTE À CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO - REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O ESPÓLIO - IMPOSSIBILIDADE.

1. Esta Corte firmou o entendimento de que o redirecionamento da execução fiscal contra o espólio só é admitido quando o falecimento do contribuinte ocorrer depois de ele ter sido devidamente citado nos autos da execução fiscal.

2. Agravo regimental não provido.

(STJ - AgRg no AREsp: 188050 MG 2012/0119215-6, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 17.9.2013, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18.12.2015).

 

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL PROPOSTA CONTRA DEVEDOR JÁ FALECIDO. CARÊNCIA DE AÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ALTERAÇÃO DO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO PARA CONSTAR O ESPÓLIO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 392/STJ.

1. O redirecionamento da execução contra o espólio só é admitido quando o falecimento do contribuinte ocorrer depois de ele ter sido devidamente citado nos autos da execução fiscal. Precedentes: REsp 1.410.253/SE, Rel. Min. ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJe 20/11/2013; AgRg no AREsp 373.438/RS, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, DJe 26/09/2013; AgRg no AREsp 324.015/PB, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, DJe 10/09/2013; REsp 1.222.561/RS, minha relatoria, Segunda Turma, DJe 25/05/2011.

2. Nos termos da Súmula 392/STJ: “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução”.

3. Agravo regimental não provido.

(STJ - AgRg no REsp: 1515580 RS 2015/0031795-4, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 07.5.2015, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 13.5.2015).

 

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. CDA EXPEDIDA CONTRA PESSOA FALECIDA ANTERIORMENTE À CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO. NULIDADE. REDIRECIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 392⁄STJ. MATÉRIA SUBMETIDA AO RITO DO ART. 543-C DO CPC. OBRIGAÇÃO DOS SUCESSORES DE INFORMAR SOBRE O ÓBITO DO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL E DE REGISTRAR A PARTILHA. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. O redirecionamento contra o espólio só é admitido quando o falecimento do contribuinte ocorrer depois de ele ter sido devidamente citado nos autos da execução fiscal, o que não é o caso dos autos, já que o devedor apontado pela Fazenda municipal faleceu antes mesmo da constituição do crédito tributário. Precedentes: REsp 1.222.561/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 25.5.2011; AgRg no REsp 1.218.068/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 08.4.2011; REsp 1.073.494/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 29.9.2010. [...]

4. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido.

(AgRg no AREsp 324.015/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 10.9.2013).

 

Não é possível, assim, responsabilizar a sucessão/espólio do executado, uma vez que inexistente na Certidão de Dívida Ativa - CDA a sua indicação como devedor.

É que a presunção de legitimidade da CDA alcança as pessoas nela referidas, sendo inadmissível a alteração do título executivo para modificar o sujeito passivo da execução.

A Súmula n. 392 do STJ, a propósito, prevê: “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.”

Há, portanto, flagrante nulidade, carecendo a execução de título hábil.

Diante da inviabilidade do redirecionamento e de substituição da CDA, tratando-se de matéria de ordem pública, é de se reconhecer, pois, de ofício, a ausência de interesse processual da Fazenda Pública.

Assim, a oposição dos embargos direcionados ao âmago das razões de decidir, sem o efetivo respaldo de dúvida ou contradição, acaba por revestir a tentativa de rediscussão da matéria, hipótese que não encontra abrigo nessa espécie recursal.

Nesse sentido a jurisprudência:

Embargos de declaração. Prestação de contas partidária. Desaprovação. Acórdão que desaprovou as contas do partido embargante. Alegada omissão no julgado. Aclaratórios direcionados ao âmago das razões de decidir, sem o efetivo respaldo de omissão, dúvida ou contradição. Tentativa de rediscussão da matéria, o que descabido em sede de embargos. Rejeição.

(TRE-RS – E.Dcl. 52-17 – Rel. DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI – J. Sessão de 21.11.2016).

 

Embargos de declaração. Acórdão que negou provimento a recurso contra sentença de procedência em representação por doação para campanha acima do limite legal.

Alegada ocorrência de contradição e obscuridade no exame de matéria essencial ao deslinde da controvérsia. Descabimento da tese invocada e impossibilidade de inovação temática em sede de embargos.

Enfrentamento de todas as questões necessárias ao deslinde da questão.

Desacolhimento.

(TRE-RS – RE 6210 – Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – J. Sessão de 10.7.2012).

 

Ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável à espécie. [...]

(STJ – REsp 521120 – Rel. Min. Nancy Andrighi – 3ª Turma – DJE de 05.3.2008).

Basta, nesse sentido, que o julgador aborde os elementos essenciais da causa, com observância ao preconizado pela Constituição Federal, em seu art. 93, IX:

Art. 93

Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...]
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

[...]

Por fim, quanto ao pedido de prequestionamento, registro que, conforme o art. 1.025 do novo Código de Processo Civil, vigente desde 18 de março de 2016, “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

Logo, dentro de todo esse contexto, por não vislumbrar razões para o acolhimento dos embargos, a decisão embargada deve ser mantida nos seus exatos termos.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e pela rejeição dos embargos declaratórios opostos pela UNIÃO (FAZENDA NACIONAL).