RE - 3323 - Sessão: 12/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de RECURSO ELEITORAL interposto por AMAREGIA CENTRO AUTOMOTIVO LTDA. - EPP, em face de sentença (fls. 96-100), que julgou procedente a representação formulada pelo Ministério Público Eleitoral para, nos termos do § 2º do art. 81 da Lei n. 9.504/97, condená-lo ao pagamento de multa no valor mínimo legal, ou seja, cinco vezes o valor doado em excesso, o que equivale à quantia de R$ 64.370,00 (sessenta e quatro mil e trezentos e setenta reais), devendo o referido valor reverter em favor do Fundo Partidário.

A sentença, ainda, aplicou cumulativamente a proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de 5 (cinco) anos, com apoio nas disposições do § 3º do art. 81 da Lei das Eleições.

Em suas razões recursais (fls. 106-108), alega que a Suprema Corte decretou a inconstitucionalidade dos arts. 81, § 1º, 23 e 24, todos da Lei n. 9.504/97, sendo que os efeitos dessa decisão projetam-se para o futuro, de tal sorte que não se pode considerar ilegal a doação realizada sob a égide do dispositivo em comento. Suscitou o reconhecimento da perda do objeto e da impossibilidade jurídica do pedido.

Com contrarrazões do Ministério Público Eleitoral (fls. 111-113), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 118-122).

É o relatório.

 

VOTO

Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal.

Registro que esse feito já veio a esta Corte em outra oportunidade, sendo reconhecida a nulidade da sentença por cerceamento de defesa.

Oferecida a resposta e realizada a instrução, foi prolatada nova sentença que ora está sendo combatida por meio do presente recurso.

Rejeito a alegada perda de objeto e impossibilidade jurídica do pedido, suscitadas no apelo.

Em 29 de setembro de 2015, foi publicada a Lei n. 13.165, a também chamada Minirreforma Eleitoral ou Reforma Política.

O art. 15 da mencionada lei revogou expressamente o art. 81 da Lei n. 9.504/97, que permitia doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, até o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

Dessa forma, surge questão de direito intertemporal no sentido de se verificar se a nova lei teria aplicação retroativa para alcançar as doações realizadas na vigência do art. 81, da Lei das Eleições, hoje revogado expressamente.

Na doutrina de Carlos Maximiliano (Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis, 2. ed., 1955, p. 28) é dito que:

Os preceitos sob cujo império se concretizou um ato ou fato estendem o seu domínio sobre as consequências respectivas; a lei nova não atinge consequências que, segundo a anterior, deviam derivar da existência de determinado ato, fato ou relação jurídica, ou melhor, que se unem à sua causa como um corolário necessário e direto. Exemplo: a morte de um homem: deste fato resultam direitos (herança etc), regulados pelas normas vigentes no dia em que o mesmo ocorreu.

Então, se houve a doação de bens ao tempo em que disciplinada essa relação jurídica sob o império do art. 81 da Lei n. 9.504/97, é este dispositivo legal que deverá ser aplicado. E se houve excesso ao limite permitido pela lei (2%), ficará o doador sujeito às consequências do seu ato, no caso, previstas nos §§ 2º e 3º do art. 81 da Lei das Eleições, os quais transcrevo:

Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.

Em julgado de minha relatoria tratei do tema como segue na ementa abaixo transcrita:

Recursos. Representação. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Pessoa jurídica. Art. 81, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

Afastadas as preliminares de cerceamento de defesa e de intempestividade na apresentação da peça defensiva. Não vislumbrado prejuízo na referida ausência de intimação, já que a defesa teve a oportunidade de manifestar-se sobre o documento proveniente da Receita Federal. No tocante à tempestividade, não pode a omissão cartorária, relativa à ausência da data da juntada aos autos da notificação para contestar, vir em prejuízo à parte.

Doação de bem estimável em dinheiro consistente em material gráfico para propaganda. Inviável a pretendida aplicação do disposto no art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/97, pois trata-se de regramento direcionado às doações realizadas por pessoas físicas. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral neste sentido. Ultrapassados os limites impostos, que restringe a doação a dois por cento do faturamento bruto auferido pela pessoa jurídica no ano anterior à eleição, há incidência objetiva de sanção eleitoral.

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que revogaram o art. 81 da Lei n. 9.504/97, não têm aplicação aos fatos ocorridos antes da sua vigência. Manutenção da multa imposta no patamar mínimo estabelecido pela legislação. Afastada, entretanto, a penalidade de proibição de licitar e contratar com o Poder Público, aplicável apenas nos casos de grave extrapolação dos limites impostos pelo parágrafo 2º do citado dispositivo.

Provimento parcial ao apelo da empresa recorrente.

Provimento negado ao recurso ministerial. (Grifei.)

(RE 34-90.2015.6.21.0022, julgado em 18 de novembro de 2015).

Registro que o STF, na ADI n. 4650, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais.

Entretanto, ficou assentado na decisão de julgamento, publicada em 25 de setembro de 2015, que os efeitos apenas seriam aplicáveis às eleições de 2016.

A reforçar o aqui consignado, transcrevo o que constou no parecer da douta Procuradoria:

Em que pese a declaração de inconstitucionalidade do art. 81 da Lei nº 9.504/97, em virtude da necessidade de salvaguardar-se o ato jurídico perfeito, as doações realizadas sob sua égide devem ser consideradas lícitas, desde que obedecido o limite legal.

Por outro lado, não há razão para deixar-se de penalizar as pessoas jurídicas que realizaram doações em desacordo com o parâmetro então vigente. Se antes se proibiam as doações feitas acima do limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição, agora se proíbe doação feita por pessoa jurídica em qualquer valor. Ou seja, a conduta de quem efetuou a doação em desacordo com o critério então vigente não deixou de ser contrária ao ordenamento jurídico, longe disso, continua a ser proibida por ele, agora de modo absoluto.

Em outras palavras, não haveria se cogitar na retroatividade da norma mais benéfica, porque a norma que atualmente vige é seguramente mais prejudicial, na medida em que não propicia qualquer doação.

Consequentemente, hígidas as disposições que normatizavam as doações de pessoas jurídicas no pleito de 2014, especialmente o art. 81 da Lei n. 9.504/97, e com esse escopo analisarei o presente recurso.

Na espécie, restou comprovado que a pessoa jurídica declarou à Receita Federal o faturamento bruto de R$ 856.302,26 (oitocentos e cinquenta e seis mil trezentos e dois reais e vinte e seis centavos) no ano de 2013, o que lhe possibilitava doação de no máximo R$ 17.126,00 (dezessete mil cento e vinte e seis reais), equivalente a 2% (dois por cento) do referido faturamento bruto.

Entretanto, a recorrente efetuou doação no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), excedendo assim a limitação imposta pela lei, situação que autoriza a incidência de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso, tal como decidido na sentença.

Dessarte, razão não assiste à recorrente, pois a doação realizada não atendeu ao limite previsto na legislação vigente à época.

Da proibição de participar de licitações e de contratar com o Poder Público

Firmou-se entendimento de que a aludida sanção não decorre automaticamente da prática do ilícito, mas depende, para a sua incidência, da gravidade da situação e de um juízo de proporcionalidade a ser realizado casuisticamente, inexistindo a obrigatoriedade de sancionamento cumulativo.

A ilustrar, os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. DECADÊNCIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. FATURAMENTO. GRUPO EMPRESARIAL. DESPROVIMENTO.

1. [...]

2. As sanções previstas no art. 81, §§ 2º e 3º, da Lei 9.504/97 não são cumulativas, motivo pelo qual sua incidência conjunta deve ser pautada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes.

[…]

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 14825 - Belo Horizonte/MG. Acórdão de 11.3.2014. Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. [...]

2. [...]

3. As sanções previstas no art. 81, §§ 2º e 3º, da Lei 9.504/97 - respectivamente, multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso e proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos - não são cumulativas, de forma que a sua aplicação conjunta depende da gravidade da infração e deve ser pautada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedente.

[...]

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 3623, Acórdão de 13.6.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 9.8.2013, Página 166-167).

O montante da doação discutida nestes autos não revela situação grave a justificar a severa penalidade aplicada, sendo a multa suficiente para sancionar o excesso de doação, o que me leva a prover o apelo nesse ponto.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso apenas para afastar a sanção de licitar e contratar com o Poder Público, mantendo a multa aplicada na sentença.