RE - 4859 - Sessão: 19/12/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso do PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO - PMDB de Alvorada/RS, abrangendo a movimentação financeira do exercício de 2010, contra sentença que julgou desaprovadas as contas ante o recebimento de valores de fontes vedadas, consoante o art. 27, inc. III, da Resolução TSE n. 21.841/04, determinando o recolhimento do valor de R$ 14.033,00 (quatorze mil e trinta e três reais) para o Tesouro Nacional, com fundamento no § 1º do art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15, bem como a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 1 (um) ano, conforme art. 28, inc. IV da Resolução TSE n. 21.841/04.

O partido interpôs recurso (fls. 222-232), sustentando que o ofício encaminhado pela Prefeitura de Alvorada/RS, contendo os detentores de cargos em comissão, refere-se ao exercício de 2011, e não ao de 2010, razão pela qual não há se falar em fontes vedadas. Ainda, alegou a licitude das contribuições percebidas, nos termos do art. 5º, §1º, da Resolução TSE n. 21.841/04, bem como ressalvou a existência de cargos de assessores e outros eminentemente administrativos, sem poder de decisão. Requereu a diminuição do prazo de suspensão das quotas do Fundo Partidário, diante da inexistência de má-fé.

Nesta instância, os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pela nulidade da sentença em face da ausência de citação dos responsáveis e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Preliminar

Inicialmente, abordo a questão suscitada pelo d. Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, relativa à nulidade da sentença para inclusão dos dirigentes partidários no polo passivo.

Conforme recente julgamento desta Corte, restou pacificado o entendimento de afastar a nulidade suscitada, de modo a respeitar e salvaguardar os feitos já julgados sob a égide da anterior jurisprudência desta Casa, tendo em conta o princípio da vedação da reformatio in pejus, da segurança jurídica e da isonomia processual:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014. Sentença que desaprovou as contas do partido referentes ao exercício de 2014, determinando a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um mês. 1. Afastada a preliminar de inclusão dos dirigentes partidários no polo passivo. Jurisprudência da Corte Superior no sentido da necessária citação dos dirigentes das agremiações nos processos de prestação de contas partidárias, ao argumento de que as novas disposições contidas na Resolução TSE n. 23.464/15 caracterizam-se como regras de direito processual, a serem aplicadas imediatamente aos processos em tramitação. Matéria enfrentada por esta Corte. Todavia, no caso em exame, não vislumbrada utilidade na declaração de nulidade e consequente baixa dos autos para reabertura de instrução. Desaprovação das contas por falha insanável, a falta de abertura de conta bancária específica, sem ter havido a determinação judicial para restituição de valores ao Fundo Partidário ou ao Erário. Prevalência da regra geral do sistema de nulidades, que condiciona sua declaração à demonstração do prejuízo. Manutenção apenas da agremiação como parte no processo, dada a natureza subsidiária da responsabilização, a impedir o reconhecimento de litisconsórcio necessário entre partidos e dirigentes. 2. Não apresentação de livros obrigatórios e omissão na abertura de conta bancária específica, considerada esta última falha de natureza grave, suficiente a inviabilizar o emprego dos procedimentos técnicos de exame das contas pela Justiça Eleitoral no exercício da sua atividade fiscalizatória. Provimento negado.

(RE 28-09, julgado em 13.12.2016, Relator: Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes.)

Rejeito, pois, a preliminar.

 

Mérito

As contas da agremiação recorrente foram desaprovadas em razão do recebimento de recursos provenientes de fonte vedada, no montante de R$ 14.033,00 (quatorze mil e trinta e três reais), mais precisamente de detentores dos seguintes cargos (tabela das fls. 82-88): diretor-geral, diretor de departamento, coordenador, chefe de setor, chefe de unidade e secretário municipal.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

No conceito de autoridade pública inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.)

(Grifei.)

Reproduzo trechos extraídos do referido acórdão, que bem explicitam a decisão:

[…] podemos concluir que os detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, e por via reflexa os dos Estados e dos Municípios, são considerados autoridade pública, ante a natureza jurídica dos cargos em comissão, bem como das atividades dele decorrentes.

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

Esse recebimento poderia quebrar o equilíbrio entre as agremiações partidárias. Contraria o princípio da impessoalidade, ao favorecer o indicado de determinado partido, interferindo no modo de atuar da administração pública. Fere o princípio da eficiência, ao não privilegiar a mão-de-obra vocacionada para as atividades públicas, em detrimento dos indicados políticos, desprestigiando o servidor público. Afronta o princípio da igualdade, pela prevalência do critério político sobre os parâmetros da capacitação profissional.

[…] Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

A vedação decorre do entendimento firmado pela Corte Superior na aludida consulta, e vem sendo confirmada pelos Tribunais, como se verifica pelas seguintes ementas:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2013.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridade, vale dizer, desempenhem função de direção ou chefia.

Redução, de ofício, do período de suspensão do recebimento de cotas do Fundo Partidário, conforme os parâmetros da razoabilidade. Manutenção da sanção de recolhimento de quantia idêntica ao valor recebido irregularmente ao Fundo Partidário.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 2346, Acórdão de 12.3.2015, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 16.3.2015, Página 02.) (Grifei.)

 

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/2007 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 100000525, Relatora Desa. Federal Elaine Harzheim Macedo, 25.4.2013.) (Grifei.)

Além disso, razão não assiste ao recorrente quando dispôs sobre a existência de cargos de assessoramento, pois inexistem nos autos.

Diante do exposto, não merece prosperar a alegação do partido de regularidade das doações recebidas, pois em dissonância com o regramento legal e o entendimento jurisprudencial acima expostos.

Conclui-se, dessa forma, que o recebimento de recursos de fonte vedada, por si só, enseja a desaprovação das contas, sendo irrelevante a averiguação de má-fé ou do percentual correspondente ao total arrecadado, pois trata-se de vedação de cunho objetivo.

Quanto ao recolhimento dos valores recebidos, é decorrência lógica do ilícito, pois, se assim não fosse, a norma restaria inócua. Com efeito, declarar que o recurso era vedado e permitir a sua utilização seria o mesmo que incentivar os partidos a continuarem com a prática e se locupletarem com verbas irregulares.

Entretanto, no tocante à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, fixado pelo prazo de 1 ano, tenho ser possível reduzi-lo ao montante de 3 meses, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, que tem entendido pela aplicação dos parâmetros fixados no § 3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos – suspensão pelo prazo de 1 a 12 meses, adotando-se os critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Destaco o seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 - consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, Página 71.) (Grifei.)

Veja-se que, apesar do montante significativo da irregularidade, não há indícios de má-fé da agremiação, nem o propósito de prejudicar a fiscalização das contas. Dessa forma, afigura-se adequada a pena de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de três meses.

Ante todo o exposto, VOTO pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso para reduzir a suspensão das quotas do Fundo Partidário para 3 meses, nos termos da fundamentação.