RE - 2971 - Sessão: 15/12/2016 às 13:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA – PSDB, LOTÁRIO WALLAUER, JOÃO CARLOS FERREIRA DOS REIS e SÉRGIO RODRIGO COLLA contra sentença que desaprovou as contas da agremiação referentes à movimentação financeira do exercício de 2015, em virtude do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas.

Em suas irresignações (fls. 103-105), os recorrentes sustentam que as doações apontadas como ilegais são provenientes de ocupantes de cargos em comissão e função gratificada, cujas atribuições não são classificadas como de autoridade, motivo pelo qual não podem ser vedadas pela legislação. Requerem a reforma da decisão recorrida.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 124-130).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. Os recorrentes foram intimados da decisão no dia 31 de agosto de 2016 (fl. 101), e o apelo foi interposto no dia 02 de setembro, respeitando o prazo de 3 dias previsto pelo art. 258 do Código Eleitoral.

Preliminarmente, os recorrentes requerem a exclusão de Lotário Wallauer do feito, pois somente passou a ocupar a função de tesoureiro da agremiação após o recebimento das doações entendidas ilegais pelo juízo de primeiro grau.

Não merece prosperar a preliminar, pois o partido recebeu doações após a mudança da administração e, em caso de manutenção da rejeição, a grei – por meio dos responsáveis pelas contas – será obrigada a providenciar a transferência do valor irregular para o Tesouro, como bem destacou o douto Procurador Regional Eleitoral em seu parecer:

Ocorre que as contribuições ilícitas seguiram mesmo após a mudança da administração, havendo quatro doações, sendo três de fontes vedadas, no dia 31/08/2015, como consta dos demonstrativos de doações à fl. 21.

Salienta-se que, verificando a ocorrência de doação oriunda de fonte vedada, é dever do gestor providenciar a devolução ou transferência dos valores, conforme o art. 46, inciso I, da Resolução TSE nº 23.432/2014, que assim dispõe (grifado):

 

Art. 46. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o órgão partidário sujeito às seguintes sanções:

I – no caso de recebimento de recursos das fontes vedadas de que trata o art. 12 desta Resolução, sem que tenham sido adotadas as providências de devolução à origem ou recolhimento ao Tesouro Nacional na forma do art. 14 desta Resolução, o órgão partidário ficará sujeito à suspensão da distribuição ou do repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário pelo período de um ano;

 

Destarte, tem-se que LOTÁRIO é parte legitima neste feito, não sendo caso de sua exclusão.

No mérito, as contas da agremiação recorrente foram desaprovadas em razão do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38

No conceito de autoridade pública prevista no artigo referido, inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.)

(Grifei.)

Reproduzo trechos extraídos do referido acórdão, que bem explicitam a decisão:

[…] podemos concluir que os detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, e por via reflexa os dos Estados e dos Municípios, são considerados autoridade pública, ante a natureza jurídica dos cargos em comissão, bem como das atividades dele decorrentes.

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

Esse recebimento poderia quebrar o equilíbrio entre as agremiações partidárias. Contraria o princípio da impessoalidade, ao favorecer o indicado de determinado partido, interferindo no modo de atuar da administração pública. Fere o princípio da eficiência, ao não privilegiar a mão-de-obra vocacionada para as atividades públicas, em detrimento dos indicados políticos, desprestigiando o servidor público. Afronta o princípio da igualdade, pela prevalência do critério político sobre os parâmetros da capacitação profissional.

[…]

(...) Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

A vedação, decorrente do entendimento firmado pela Corte Superior na aludida consulta, vem sendo confirmada pelos Tribunais, como se verifica pelas seguintes ementas:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2013.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridade, vale dizer, desempenhem função de direção ou chefia.

Redução, de ofício, do período de suspensão do recebimento de cotas do Fundo Partidário, conforme os parâmetros da razoabilidade. Manutenção da sanção de recolhimento de quantia idêntica ao valor recebido irregularmente ao Fundo Partidário.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 2346, Acórdão de 12.3.2015, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 16.3.2015, Página 02).

 

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/2007 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 100000525, Relatora Desa. Federal Elaine Harzheim Macedo, 25.4.2013.)

Da mesma forma, insere-se no conceito de autoridade pública os agentes políticos, tais como prefeito e secretários, conforme já se posicionou esta Corte:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2014.

Prefacial afastada. Manutenção apenas do partido como parte no processo. A aplicabilidade imediata das disposições processuais das Resoluções TSE n. 23.432/14 e n. 23.464/15 não alcança a responsabilização dos dirigentes partidários, por se tratar de matéria afeta a direito material.

Recebimento de recursos de fonte vedada. Doação de valores por ocupante de cargo eletivo de vereador, agente político enquadrado no conceito de autoridade pública e abrangido pela vedação prevista no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Manutenção da penalidade de recolhimento da quantia indevida ao Tesouro Nacional.

Redução, de ofício, do período de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário estabelecido no primeiro grau.

Provimento negado.

(TRE/RS, Recurso Eleitoral n. 2276, Acórdão de 16.6.2016, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 108, Data 20.6.2016, Página 7.)

No caso dos autos, verifica-se que a agremiação recebeu um total de R$ 1.330,00 proveniente de doações realizadas por “Chefe da Seção de Execução de Projetos”, “Coordenador de Serviços” e do “Diretor do Departamento de Turismo” (fl. 59). A própria nomenclatura dos cargos evidencia que os seus ocupantes possuem atribuições de direção ou chefia, pouco importando se tais cargos conferiam poderes sobre a gestão de dinheiro público.

Dessa forma, correto o juízo de primeiro grau ao considerar o valor de R$ 1.330,00 como originário de fonte vedada, o qual deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional, de acordo com a orientação firmada por esta Corte:

Prestação de contas anual. Partido político. Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012.

Verificada a existência de recursos de origem não identificada, bem como de arrecadações oriundas de fontes vedadas, realizadas por titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, na condição de autoridades e desempenhando funções de direção ou chefia. No caso, Chefe de Gabinete, Coordenador-Geral e Diretor.

Nova orientação do TSE no sentido de que tais verbas - de origem não identificada e de fontes vedadas - devem ser recolhidas ao Tesouro Nacional, nos termos do disposto na Resolução TSE n. 23.464/15.

Aplicação dos parâmetros da razoabilidade para fixar a sanção do prazo de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário em um mês.

Desaprovação.

(TRE-RS - PC 72-42 ,Rel. Dra. MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALEZ. Sessão de 04.05.2016.)

Por fim, no tocante à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, fixado pelo prazo de seis meses na sentença, este Tribunal tem entendido pela aplicação dos parâmetros fixados no § 3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, que prevê suspensão pelo prazo de 1 a 12 meses, aplicando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

No mesmo sentido, o Tribunal Superior Eleitoral utiliza tais parâmetros, a fim de verificar a adequação da sanção. Destaco o seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 -consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, Página 71.)

No caso dos autos, o partido obteve receitas no total de R$ 2.570,00 (fl. 59), das quais praticamente a metade, R$ 1.330,00, são provenientes de fontes vedadas. Ademais, a agremiação apresentou esta única falha a macular a sua prestação contábil, esclarecendo a sua movimentação financeira sem evidenciar má-fé do ente partidário. A sanção de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário deve ser mantida pelo período de seis meses.

 

Ante todo o exposto, VOTO por rejeitar a preliminar e, quanto ao mérito, pelo desprovimento do recurso.