RE - 56988 - Sessão: 19/12/2016 às 14:00

RELATÓRIO

MÁRIO ROGÉRIO ROSSI interpõe recurso em face da sentença que julgou procedente a representação por captação ilícita de sufrágio contra o recorrente, proposta pela COLIGAÇÃO ERECHIM 100 ANOS DE HISTÓRIA, impondo àquele as sanções de cassação do registro de candidatura, do diploma, e multa no valor equivalente a 20.000 (vinte mil) UFIRs, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões, o recorrente sustenta, em preliminar, a ilicitude da prova, constituída por gravação ambiental de áudio, pois realizada em residência particular de eleitoras, sem autorização judicial e sem o seu conhecimento. Aponta jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que a gravação ambiental realizada em ambiente privado, na hipótese dos autos, constituiria prova ilícita. Também em preliminar, afirma a ocorrência de cerceamento de defesa, pois teria tido acesso ao parecer do Ministério Público somente em momento posterior ao do término do prazo recursal. Ainda em sede prefacial, requer o desentranhamento de CD juntado extemporaneamente, bem como realização de perícia no vídeo contido na referida mídia. No mérito, alega que o almoço referido na petição inicial foi patrocinado pela própria empresa, Tucano Obras e Serviços Ambientais Ltda - TOS, visando a estimular o comparecimento de seus colaboradores ao trabalho no feriado farroupilha (20.9.2016), não tendo havido qualquer custeio ou participação sua na realização do evento festivo. Aduz que fazia campanha nas proximidades e decidiu pedir autorização aos responsáveis para conversar com os funcionários, tendo permanecido no local por aproximadamente dez minutos. Postula a reforma da sentença, a fim de que se julgue improcedente o pedido objeto da representação. Caso não reformada a sentença, requer que, em face dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, as sanções sejam readequadas, aplicando-se apenas a multa (fls. 173-187v.).

Com as contrarrazões (fls. 214-223), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 232-239v.).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Luciano André Losekann (relator):

Senhora Presidente, eminentes colegas.

O recurso é tempestivo e comporta conhecimento.

As preliminares foram analisadas com extrema percuciência pelo douto Procurador Regional Eleitoral, motivo pelo qual a seguir transcrevo os fundamentos expostos no parecer de fls. 232-239v., adotando-os também como minhas razões para afastar as prefaciais suscitadas:

II.I.II. Ilicitude da gravação ambiental

Tal prefacial não merece acolhida.

A respeito do tema, conforme entendimento sedimentado do Supremo Tribunal Federal, a gravação da conversa feita por um dos interlocutores não se enquadra no conceito etimológico e jurídico de interceptação. Logo, não se amolda à disposição constitucional que exige autorização judicial para sua realização.

De acordo com o Supremo, é considerada lícita a prova colhida através da denominada "gravação clandestina", em que há gravação do diálogo por um interlocutor sem o conhecimento do outro, desde que não haja causa legal específica de sigilo nem reserva de conversação, como no caso concreto. A título exemplificativo, vale citar os seguintes precedentes: HC 91613, ReI. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 14.9.2012; AI 560223 AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 28.4.2011; RE 402717, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJe 12.2.2009.

A matéria, inclusive, foi discutida em Questão de Ordem no Recurso Extraordinário nº 583.937, de relatoria do Ministro Cezar Peluso (DJe 18.12.2009), sendo reconhecida como de repercussão geral, conforme se lê:

Ementa: AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-13, § 31, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.

Questão de Ordem:

A matéria em nada se entende com o disposto no art. 5º, XII, da Constituição da República, o qual apenas protege o sigilo das comunicações telefônicas, na medida em que as põe a salvo da ciência não autorizada de terceiro, em relação ao qual se configura, por definição mesma, a interceptação ilícita.

Esta, na acepção jurídica, vizinha à etimológica, na qual há ideia de subtração (<interceptus< intercipere< inter+capere), está no ato de quem, furtivamente, toma conhecimento do teor da comunicação privada da qual não é partícipe ou interlocutor.

A reprovabilidade jurídica da interceptação vem do seu sentido radical de intromissão que, operada sem anuência dos interlocutores, excludente de injuricidade, nem autorização judicial na forma da lei, rompe o sigilo da situação comunicativa, considerada como proprium dos respectivos sujeitos, que, salvas as exceções legais, sobre ela detêm disponibilidade exclusiva, como expressão dos direitos fundamentais de intimidade e liberdade.

Ora, quem revela conversa da qual foi partícipe, como emissor ou receptor, não intercepta, apenas dispõe do que também é seu e, portanto, não subtrai, como se fora terceiro, o sigilo à comunicação, a menos que seja recoberta por absoluta indisponibilidade legal proveniente de obrigação jurídica heterônoma, ditada pela particular natureza da relação pessoal vigente entre os interlocutores, ou por exigências de valores jurídicos transcendentes.

Diz-se com efeito:

“O que fere a inviolabilidade do sigilo é, pois, entrar na comunicação alheia, fazendo com que o que deve ficar entre sujeitos se comunicam privadamente passe ilegitimamente ao domínio de um terceiro. Ou seja, a inviolabilidade do sigilo garante, numa sociedade democrática, o cidadão contra a intromissão clandestina ou não autorizada pelas partes na comunicação entre elas... o objeto protegido pelo inc. XI do art. 5º da CF, ao assegurar a inviolabilidade do sigilo, não são os dados em si, mas sua comunicação. A troca de informações (comunicação) é que não pode ser violada por sujeito estranho à comunicação”. (RE 583937 QO-RG, Rei. Min. CEZAR PELUSO, DJe 17.12.2009)

Nessa assentada, o STF evidenciou a necessidade de preservação da verdade real não só no processo penal, com mitigação do direito à privacidade, sob pena de se frustrar a própria atividade jurisdicional na solução das lides. Confira-se:

Tirante as situações excepcionais em que, no fundo, prepondera a exigência de proteção da intimidade, ou de outra garantia da integridade moral da pessoa humana, nenhuma consideração pode sobrepor-se à divulgação do relato de conversa telefônica, cuja prova seja necessária à reconstituição processual da verdade e, pois, à tutela de direito subjetivo do proponente ou ao resguardo do interesse público da jurisdição. Nesse sentido já se ponderou:

'Entre os valores da proteção da intimidade das pessoas e de busca da verdade nos processos, qual o valor mais nobre? A meu ver, o que diz respeito à verdade. Foi-se o tempo em que o processo civil se contentava com a verdade formal. À semelhança do processo penal, o civil também há de se preocupar com a verdade material. Chega-se à verdade através da prova, cujo ônus incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito. Mas existe fato de difícil prova! A saber, da produção de prova. Impedir que alguém a produza, digamos, por meio de gravação de conversas telefônicas, seria, ao meu sentir, o mal maior'.

Aliás, ressalte-se, o Supremo analisou a licitude da prova à luz da tutela constitucional da privacidade e do sigilo das comunicações, pouco importando a natureza da causa em que discutida a questão – se penal, civil ou eleitoral.

No processo eleitoral, tanto penal quanto cível, o próprio TSE possui precedentes, alinhados ao STJ e ao STF, pela licitude da gravação ambiental (Agravos regimentais em Respe nºs 25.867, 25.258, 25.883, 25.558 e 36.992; Respe 28.588, AgR-AI nº 76984/SC, 2008; Arespe nº 27845/RN, 2009; AgR-REspe nº 36992/MS, 2010; REspe nº 49928/PI, 2011; AgR-REspe nº 54178/AL, 2012).

Ora, não se pode admitir a existência de um princípio jurídico absoluto e tampouco que a tutela da intimidade e da vida privada sirva ao propósito de salvaguardar práticas ilícitas da efetivação das imposições legais, em prejuízo aos princípios do Estado de Direito e da legalidade, igualmente previstos constitucionalmente nos artigos 1º, caput; 5º, caput e II, da Constituição Federal.

No presente caso, as gravações servem à comprovação da prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder, tutelando, pois, indiretamente a legitimidade e normalidade das eleições, insculpidos no artigo 14, § 9º, da Constituição Federal, e diretamente a liberdade do eleitor e o equilíbrio de oportunidade aos candidatos, como corolários da cidadania, soberania popular e do regime democrático previstos nos artigos 1º e 14 da Carta Maior.

Daí se verifica a adequação da gravação. Trata-se de expediente proporcional, pois permite a efetivação da tutela da soberania popular em face de singelo afastamento da tutela à intimidade. Nesse sentido, reitera-se que a intimidade não pode ser empregada para acobertar práticas ilícitas.

Vale acrescentar que também não há infringência de direitos fundamentais, como o direito à privacidade ou intimidade, porquanto, pelo que se depreende da gravação, essa não se deu em ambiente privado de titularidade da parte representada, sendo realizada a partir do interior de um veículo que transitava em via pública, local em que não há expectativa de privacidade de imagem, como bem constatado pelo operoso Juízo monocrático.

II.I.III Cerceamento de defesa

Alega o recorrente ter ocorrido cerceamento de defesa em função da falta de acesso ao parecer do Ministério Público Eleitoral. No entanto, não há qualquer prova nos autos de que o parecer tenha sido desentranhado e anexado novamente. O fato do sentenciante ter citado trechos do parecer do Parquet, o que foi reconhecido pelo recorrente, servem para comprovar que o parecer estava anexado. Além disso, cabe frisar que o Ministério Público não é o autor da ação, atuando como custos legis, o que afasta qualquer nulidade a ser reconhecida pelo Judiciário. O parecer Ministerial é meramente opinativo não vinculando o Julgador. Nessa linha:

AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA. VICEPREFEITO. CANDIDATO SUBSTITUTO. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. Nos termos da sólida orientação jurisprudencial desta Corte, não se admite agravo que não ataque especificamente os fundamentos da decisão agravada ou que se limite a reproduzir argumentos anteriormente expendidos (Súmula nº 182/STJ).

2. O parecer do Ministério Público é meramente opinativo, não vinculando a decisão devidamente fundamentada do relator.

3. "Descabe, no processo de registro, no qual aferidas as condições de elegibilidade e a ausência de inelegibilidade, adentrar o exame de fraude na substituição, que, de qualquer forma, não se presume". Precedente.

4. Não há falar em ofensa ao art. 275 do Código Eleitoral quando a alegada omissão refere-se a tema sobre o qual não compete ao Tribunal de origem se pronunciar.

5. "A omissão no julgado que enseja a propositura dos embargos declaratórios é aquela referente às questões trazidas à apreciação do magistrado, excetuando-se aquelas que forem rejeitadas, explícita ou implicitamente". Precedentes.

6. Agravos regimentais desprovidos.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 85554, Acórdão de 19/12/2013, Relator(a) Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 28, Data 10/02/2014, Página 69)

II.I.IV. Desentranhamento do CD

Adoto como razões para afastar essa preliminar os argumentos lançados na sentença, fl.165: “Não merece amparo o pedido de desentranhamento do CD de 56, uma vez que este contém apenas as gravações originais do vídeo constante no CD de fl. 07, o qual havia sido editado pela parte autora. Além disso, a juntada do CD de fl. 56 não é intempestiva, uma vez que visa a contrapor as alegações dos representados na contestação, na forma do art. 435 do NCPC, que assim estabelece: 'É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.'”

Pois bem, afasto as preliminares, nos termos da fundamentação acima exposta, e passo ao exame do mérito.

 

No mérito, o recorrente insurge-se contra sentença que julgou procedente a representação por captação ilícita de sufrágio (infração ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97) ajuizada pela Coligação Erechim 100 Anos da Nossa História, reconhecendo que o representado, na condição de candidato a cargo de vereador no Município de Erechim, teria patrocinado almoço para captar votos dos funcionários da empresa Tucano Obras e Serviços Ambientais Ltda., tendo, inclusive, comparecido ao aludido evento.

A captação ilícita de sufrágio encontra-se disciplinada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009).

No âmbito doutrinário, o Procurador da República Francisco de Assis Vieira Sanseverino (Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p. 274) leciona que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 protege como bens jurídicos, de forma mais ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições decorrentes dos Princípios Democrático e Republicano; e de maneira mais específica, resguarda a um só tempo o direito de votar do eleitor, nos aspectos da sua liberdade de consciência, da liberdade de opção, e a igualdade de oportunidades entre candidatos, partidos e coligações.

Infere-se, portanto, que os elementos necessários a comprovar a captação ilícita de sufrágio são: a) uma conduta (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza ao eleitor), ocorrida durante o período entre o registro de candidaturas e a data da eleição, com participação direta ou indireta do candidato; b) a especial finalidade de obter o voto (elemento subjetivo da conduta); c) o direcionamento da conduta a eleitor(es) determinado(s) ou determinável(eis).

Delineados os parâmetros legais e teóricos concernentes à captação ilícita de sufrágio, incumbe examinar se as provas colacionadas aos autos são suficientes à caracterização da conduta tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Adianto que a sentença analisou com extrema acuidade o conjunto probatório reunido aos autos, entendendo pela procedência da ação, razão pela qual resta imprescindível a subsistência da decisão em sua integralidade.

Inicialmente, consigno que restou incontroversa, pois admitida pelo próprio recorrente, a presença deste no almoço dos funcionários da empresa Tucano Obras e Serviços Ambientais Ltda. – TOS, ocorrido no feriado farroupilha, em 20.9.2016.

Referiu, o apelante, que fazia campanha nas proximidades e decidiu pedir autorização aos responsáveis para conversar com os funcionários da empresa, tendo permanecido no local por aproximadamente dez minutos. Ou seja, alega que o comparecimento ao evento foi caracterizado pela casualidade. Sustenta, de igual modo, que o almoço foi organizado e patrocinado pela empresa com a finalidade de estimular o comparecimento dos colaboradores ao trabalho naquele feriado, pois no de 07.9.2016 teria ocorrida ausência em massa destes, restando prejudicada a atividade da empresa, consistente na coleta e transporte de lixo.

Contudo, não é esta a conclusão que se extrai da prova dos autos, não foi esta a conclusão do magistrado sentenciante, e não é esta a conclusão deste relator.

Quanto a este ponto, assim se manifestou o magistrado:

As alegações do réu foram, de forma geral, corroboradas pelos depoimentos das testemunhas GILSON GILIOLI e ALTAIR A. MARONESI, gerente e encarregado da empresa TOS, respectivamente (CD de fl. 69).

Entretanto, não obstante isso, convenci-me de que as alegações não merecem acolhimento, uma vez que, da análise minuciosa da prova produzida no feito, é possível concluir-se que ficou suficientemente evidenciada prática de captação ilícita de sufrágio pelo representado MÁRCIO ROSSI, consistente no seu patrocínio, total ou parcial, do almoço aos funcionários da empresa TOS.

No caso, a prova produzida demonstra que MÁRIO ROSSI se fez presente no referido almoço em razão de ter patrocinado o evento com o intuito de captar votos dos eleitores/funcionários da empresa TOS, não tendo comparecido apenas casualmente ao local como aduz em sua defesa.

Note-se que, das imagens de vídeo constantes nos CDs de fls. 07 e 56, visualiza-se a presença no local em que realizado o almoço de, ao menos, três veículos adesivados com a propaganda eleitoral do candidato MÁRIO ROSSI, sendo que, um dos veículos (VW/Gol, branco, placas KFZ-0614) estava estacionado e cercado à frente de diversos outros automóveis, indicando ter sido estacionado anteriormente à chegada dos veículos dos demais participantes do evento.

Nota-se que o magistrado Juliano Rossi foi extremamente perspicaz ao deduzir que o veículo VW/Gol, branco, placas KFZ-0614, adesivado com propaganda do candidato Mário Rossi, “estava estacionado e cercado à frente de diversos outros automóveis, indicando ter sido estacionado anteriormente à chegada dos veículos dos demais participantes do evento”. Tal fato demonstra a prévia organização do evento pela equipe do recorrente, sendo possível constatar que o aludido veículo foi um dos primeiros a chegar ao local, corroborando a tese de que o candidato tenha patrocinado o almoço e afastando a de que sua participação no evento tenha se dado de forma casual.

E a percepção do magistrado ganhou ainda mais vigor ao constatar que foi flagrada imagem de vídeo em que um homem desce de um dos veículos adesivados com um saco cheio de pães. Vejamos:

As referidas imagens de vídeo também flagraram o momento em que um homem desce de um dos veículos adesivados com a propaganda eleitoral do candidato MÁRIO ROSSI com um saco cheio de pães e o leva para o interior do barracão onde se realizava o almoço, obviamente para servi-los aos funcionários da empresa TOS, comprovando assim a efetiva participação do representado MÁRIO ROSSI no custeio do evento festivo.

Tal fato em nada ajuda o recorrente, sobretudo porque a empresa não foi capaz de comprovar os gastos que teria realizado com o referido almoço. Volto à sentença:

De outro lado, após determinação do Juízo Eleitoral (fl. 68), a empresa TOS, a fim de comprovar que foi ela quem teria custeado os alimentos servidos aos seus funcionários no dia do fato, anexou o recibo de fl. 133, emitido manualmente por Anzolin Comércio de Produtos Alimentares – ME.

Contudo, no meu sentir, o recibo de fl. 133 não se presta a tal comprovação, uma vez que se trata de mero documento manuscrito, o qual pode ser facilmente manipulado/forjado com o fim de afastar a ilicitude da conduta do representado.

Ora, tratando-se de uma compra no importante valor de R$ 980,00, soa muito estranho que as empresas fornecedora e adquirente não tivessem emitido/solicitado o respectivo cupom fiscal discriminando os produtos adquiridos para o devido lançamento das despesas na sua contabilidade.

Foi esclarecedor, como se colhe da sentença, o resultado da profícua diligência realizada pelo juízo. Mostra-se, de fato, inverossímil que, tratando-se de uma despesa de R$ 980,00, as empresas fornecedora e adquirente não tivessem emitido/solicitado o respectivo cupom fiscal discriminando os produtos adquiridos para o devido lançamento das despesas nas suas contabilidades.

E quanto a essa questão, cumpre aqui abrir um parêntese para esclarecer o que faz e qual o porte da empresa Tucano Obras e Serviços Ambientais Ltda. – TOS.

A TOS pertence ao Grupo Tucano, corporação da qual fazem parte também as empresas Tucano Agroflorestal e Geração de Energia e Tucano Gestão Ambiental.

Segundo informado no site do grupo (grupotucano.com.br), a TOS trabalha na “execução dos serviços de coleta, tratamento e disposição final de resíduos”. Em Erechim, foi contratada para a coleta e transporte de resíduos (lixo). Ainda pelas informações disponíveis no site, é possível notar que o grupo se trata de empresa de grande porte, extremamente bem organizada, dotada de veículos e equipamentos novos, com patrimônio sólido e filiais em dois estados da federação, nos municípios de Chapecó, Maravilha e Joaçaba, em Santa Catarina, e na cidade de Erechim, no Rio Grande do Sul.

Desse modo, a tese da defesa perde ainda mais credibilidade com o fato de tal grupo ter realizado a compra dos produtos utilizados no evento, no valor de R$ 980,00, sem ter solicitado ao fornecedor o respectivo cupom fiscal, discriminando os bens adquiridos para o devido lançamento das despesas na sua contabilidade.

Outra situação que carece de verossimilhança reside no fato de que os cartões-ponto, fornecidos pela empresa TOS (fls. 73-132), não comprovam as alegações do réu de que foi a aludida empresa quem custeou o almoço com a finalidade de evitar ausência dos seus funcionários ao trabalho no dia 20.9.2016, como teria ocorrido no feriado do dia 07.9.2016.

Recorro à sentença:

Nesse ponto, cabe registrar que os cartões-ponto demonstram que no dia 07/09/2016, dos 55 funcionários, 40 compareceram ao trabalho, registrando a falta de apenas 15 funcionários. Estes números, indicam que não ocorreu a alegada ausência em massa de funcionários que teria prejudicado a coleta de lixo na cidade de Erechim na referida data, justificando a realização pela empresa do almoço ocorrido no dia 20/09/2016.

De outro lado, não se mostra razoável a alegação de que o almoço foi oferecido aos funcionários da empresa para que simplesmente comparecessem ao trabalho, visando a evitar a ausência deles ao trabalho no feriado.

Outrossim, como apontou o Ministério Público Eleitoral em seu parecer final (fls. 156 e ss.), os registros de horários nos cartões ponto de fls. 73/132 foram grafados com impressionante similitude de grafia, indicando que podem ter sido forjados, em que pese devessem ser preenchidos individualmente pelos trabalhadores.

De igual modo, cabe registrar como de extrema relevância o fato de o recorrente, servidor de carreira da Prefeitura de Erechim, ser o Secretário do Meio Ambiente daquele município na época em que a empresa TOS foi contratada para realizar a coleta de resíduos na referida cidade, tendo se desincompatibilizado do cargo, no prazo legal, para concorrer ao pleito proporcional deste ano. Isso também foi objeto de análise pelo juízo sentenciante:

Além disso, conforme confirmaram as testemunhas GILSON GILIOLI e ALTAIR A. MARONESI (CD de fl. 69), é relevante a informação de que o candidato MÁRIO ROSSI era Secretário do Meio Ambiente no Município de Erechim quando da contratação da empresa Tucano Obras e Serviços Ambientais Ltda – TOS, indicando a possível existência de apoio da referida empresa à sua candidatura visando à manutenção/prorrogação do contrato público de coleta de resíduos urbanos (lixo) na cidade de Erechim.

[…]

Registre-se, ainda, que o representado é experiente no mundo político, sendo conhecedor de que não poderia agir dessa forma em campanha eleitoral.

Conclui-se, portanto, que o recorrente Mário Rossi efetivamente ofereceu e entregou aos eleitores vantagem pessoal, consistente em almoço aos funcionários da empresa Tucano Obras e Serviços Ambientais Ltda. – TOS e alguns familiares destes, com o nítido fim de colher votos na eleição municipal para a qual concorria, o que configura a captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97).

Verifica-se, de igual modo, a presença do elemento subjetivo (dolo), exigido para a configuração da captação ilícita de sufrágio, visto que a conduta do representado mostrou-se com claro viés de captar ilegitimamente o voto dos funcionários da empresa.

Além disso, ainda que para a configuração da ilicitude prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 seja desnecessária a análise da potencialidade da conduta ilícita para interferir no resultado do pleito, cabe referir a inferência do magistrado sentenciante:

De qualquer sorte, é possível presumir-se que, no caso concreto, a captação ilícita de sufrágio praticada pelo representado efetivamente influiu no transcurso normal e legítimo do processo eleitoral do Município de Erechim, porquanto o candidato MÁRIO ROSSI foi eleito ao cargo de vereador na quinta colocação.

Por óbvio, a eleição do candidato, com 1.269 votos, não se deu exclusivamente com base nos votos dos funcionários da empresa TOS, mas obiter dictum é possível concluir que o apoio de 55 funcionários, somado aos votos de parentes e pessoas a estes relacionadas, possui grande capacidade de causar desequilíbrio de forças entre os concorrentes do pleito, e em muito pode ter concorrido para que o candidato alcançasse o número de votos obtido na eleição.

Portanto, concluo que a sentença analisou com extrema acuidade o conjunto probatório reunido nos autos, entendendo pela caracterização da conduta ilícita tipificada no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e, consequentemente, julgando procedente a ação, razão pela qual compreendo restar imprescindível a subsistência da decisão em sua integralidade.

Registro, de igual modo, não vislumbrar amparo na pretensão do recorrente de, em face dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, ver afastada a sanção de cassação do registro de candidatura ou do diploma, aplicando-se apenas a multa. Isso porque as penalidades previstas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 são indissociáveis e cumulativas. Quanto a este aspecto já se manifestou o e. TSE:

CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO - COMINAÇÕES - CUMULATIVIDADE. As sanções previstas no artigo 41-A da Lei nº 9.504/1997 - multa e cassação do registro ou do diploma - são, necessariamente, cumulativas. Verificada a perda do objeto em virtude do encerramento do mandato, descabe a sequência do processo, sob a alegação de subsistir a cominação de multa.

(TSE – RCED 707, Rel. Min. MARCO AURÉLIO MELLO, Sessão de 08.5.2012). (Grifei.)

Faço apenas um reparo na sentença, em consonância com o apontamento realizado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, no sentido da necessidade de adequar-se a unidade da multa imposta ao recorrente.

De fato, a sentença aplicou multa no valor equivalente a 20.000 UFIRs. Todavia, a Resolução TSE n. 23.457/15, ao replicar a conduta do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 no art. 89, atualizou os patamares da multa, fixando-a em reais, no mínimo de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) e no máximo de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais).

Desse modo, o valor de 20.000 UFIRs equivale a R$ 21.282,00 (vinte e um mil, duzentos e oitenta e dois reais), motivo pelo qual a penalidade pecuniária deve ser readequada para este valor.

Por fim, cabe registrar que Mário Rossi teve seu registro de candidatura regularmente deferido e concorreu por partido isolado (PMDB), sendo eleito na quinta colocação com 1.269 votos. Assim, de acordo com o §§ 3º e 4º do art. 175 do Código Eleitoral, os votos que o recorrente obteve serão contabilizados para a legenda do partido pelo qual concorreu, no caso, o PMDB. Consequentemente, tendo em vista que Mário Rossi deverá ser excluído da lista de eleitos, deverá ser empossada a primeira suplente da referida agremiação, Clarice Moraes, eleita com 1.041 votos.

 

Ante o exposto, VOTO por rejeitar as preliminares, desprover o recurso e, de ofício, readequar o valor da multa para R$ 21.282,00 (vinte e um mil, duzentos e oitenta e dois reais), com base no art. 89 da Resolução TSE n. 23.457/15.

Determino, ainda, a exclusão do nome do recorrente MÁRIO ROGÉRIO ROSSI da lista oficial de resultados das eleições proporcionais de 2016 no Município de Erechim.

Comunique-se, para o devido cumprimento, o inteiro teor desta decisão ao Juízo da 20ª Zona Eleitoral (Erechim), após o julgamento de eventuais embargos de declaração interpostos.

É como voto, Senhora Presidente.

 

(Após votar o relator afastando as preliminares e negando provimento ao recurso, pediu vista o Dr. Silvio de Moraes. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)