RE - 16772 - Sessão: 19/12/2016 às 14:00

RELATÓRIO

JULIO NAGIBY GODOY TESSARI interpõe recurso contra a sentença de fls. 29-30v., que julgou parcialmente procedente a representação ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face do recorrente, condenando-o ao pagamento de multa no valor de R$ 53.205,00, em vista da divulgação de pesquisa eleitoral irregular no Facebook.

Em suas razões, o recorrente sustenta, preliminarmente: (a) a nulidade do processo, pois a sentença não teria guardado correlação com os pedidos da inicial da representação; (b) a extinção do processo, pois o Ministério Público Eleitoral teria fundamentado seu pedido no § 4º, do art. 33, da Lei n. 9.504/97, cuja natureza seria penal e, dessa forma, demandaria análise em procedimento próprio; e (c) a ausência de interesse de agir do MPE, pois eventual candidato prejudicado com a publicação poderia ter ajuizado pedido de direito de resposta. No mérito, aduz que os dados veiculados não podem ser considerados como pesquisa fraudulenta, pois nem sequer teria havido qualquer sondagem ou enquete, tratando-se de números divulgados sem respaldo em pesquisa ou sondagem de qualquer espécie (fls. 32-43).

Com as contrarrazões (fls. 44-46), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 50-54v.).

É o relatório.

 

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo.

As preliminares foram analisadas com extrema percuciência pelo douto Procurador Regional Eleitoral, motivo pelo qual a seguir transcrevo os fundamentos expostos no parecer, adotando-os também como razões de decidir para afastar as prefaciais suscitadas:

II.I.II – Da alegada nulidade do processo

O representado, ora recorrente, arguiu a nulidade do processo, pois a sentença não teria guardado correlação com os pedidos da inicial da representação.

Aduz que o MPE fundamentou o pedido constante do item “d”, da inicial, no §4º, do art. 33, da Lei 9.504/97, ao passo que a sentença fundamentou a parcial procedência da representação e, consequentemente, a aplicação de multa no §3º, do referido artigo.

Não procede a preliminar.

No ponto, vale a transcrição de trecho das contrarrazões do MPE à origem (fls. 44-46):

Não ocorre nenhum defeito nulificante da douta sentença, que se houve na melhor linha do Direito, aplicando adequadamente as normas. que incidem sobre os fatos, tanto no plano material do mérito como no formal do procedimento.

Nesse caminho, com razão reconheceu ter havido mero erro de digitação na alínea 'd' da peça vestibular ao mencionar o parágrafo 4º do artigo 33 da Lei ng 9.504/97, quando a vontade e intenção do autor da peça era referir ao parágrafo 3º do mesmo dispositivo legal.

Tanto essa era a ideia da petição inicial, que na alínea 'e' requereu-se "a extração de cópia integral dos autos, para a instauração de procedimento criminal, eleitoral, para apuração e processamento do crime tipificado no art. 33, §4º, da Lei n. 9.504/97 praticado pelo ora representado em razão dos mesmos fatos que enseja a presente representação...".

Isso foi devidamente percebido e inteligido pelo requerido, pois aludiu à circunstância acima em sua defesa.

Desse modo, a inicial não padece de incongruência e, de consequência, a douta sentença ao proclamar tal sanidade igualmente se mostrou lógica e adequada, fazendo preponderar o conteúdo ideológico da peça processual sobre o nítido mero erro de digitação.

O episódio não causou nenhum prejuízo ao representado, de sorte que não há nulidade a ser proclamada, consoante consagrado princípio pas de nullité sans grief.

Efetivamente, do contexto da inicial depreende-se claramente que a referência ao §4º, constante do item “d” da inicial, trata-se de erro de digitação, pois, logo na sequência, no item “e”, o MPE requer a extração de cópia dos autos para a apuração e processamento do crime previsto no art. 33, § 4º, da Lei 9.504/97.

Além disso, como bem referido à fl. 27 pelo MPE, a Súmula nº 62 do TSE dispõe que “os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”.

Portanto, não procede a preliminar.

II.I.III Da alegada necessidade de extinção do processo

O recorrente requer a extinção do processo, pois o MPE teria fundamentado sua inicial no § 4º, do art. 33, da Lei 9.504/97, cuja natureza seria penal e, dessa forma, demandaria análise em procedimento próprio.

A irresignação não procede, haja vista os motivos aduzidos na preliminar anterior.

II.I.IV Da alegada ausência de interesse de agir do MPE

JULIO NAGIBY GODOY TESSARI sustenta, ainda, a ausência de interesse de agir do Ministério Público Eleitoral, pois eventual candidato prejudicado com a publicação poderia ter ajuizado pedido de direito de resposta.

A alegação não se sustenta diante da expressa legitimidade ativa conferida ao Ministério Público pelo art. 15, da Resolução TSE n. 23.453/15:

Art. 15. O Ministério Público Eleitoral, os candidatos, os partidos políticos e as coligações são partes legítimas para impugnar o registro e/ou a divulgação de pesquisas eleitorais no Juízo Eleitoral competente, quando não atendidas as exigências constantes desta resolução e no art. 33 da Lei n. 9.504/1997.

No ponto, vale a transcrição de trecho das contrarrazões do MPE:

Não merece acolhimento, consoante fundamentos da douta sentença que apontou a clara existência de interesse para o pleito do Ministério Público Eleitoral no sentido de busca o reequilíbrio da ordem jurídica violada no que tange à lisura do pleito eleitoral, como bem jurídico tutelado pela legislação eleitoral que embasa sua atuação.

(…)

Portanto, a atividade do Ministério Público Eleitoral não tem por escopo suposta ofensa pessoal ao oponente, que seria do interesse individual do candidato adversário, mas sim tem por objetivo a reparação de violação de norma de interesse público em tutela dos interesses difusos da Ordem Democrática.

Portanto, devem ser afastadas as preliminares suscitadas pelo recorrente.

Pois bem, afasto as preliminares, nos termos da fundamentação acima exposta, e passo ao exame do mérito.

 

No mérito, a questão cinge-se a verificar se a veiculação de informações sobre suposta pequisa, por meio da página pessoal do Facebook do recorrente JULIO NAGIBY GODOY TESSARI, constitui divulgação de pesquisa sem prévio registro de informações, apta a ensejar a multa prevista no art. 17 da Resolução TSE n. 23.453/15:

Art. 17. A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações constantes do art. 2º sujeita os responsáveis à multa no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais) (Lei n. 9.504/1997, arts. 33, § 3º, e 105, § 2º).

O art. 33 da Lei 9.504/97, assim disciplina as pesquisas eleitorais:

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

I - quem contratou a pesquisa;

II - valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;

III - metodologia e período de realização da pesquisa;

IV - plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro;

V - sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;

VI - questionário completo aplicado ou a ser aplicado;

VII - nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal.

§1º As informações relativas às pesquisas serão registradas nos órgãos da Justiça Eleitoral aos quais compete fazer o registro dos candidatos.

(…)

§3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.

A regra é igualmente reproduzida na Resolução n. 23.453/15:

Art. 2º A partir de 1º de janeiro de 2016, as entidades e as empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar no Juízo Eleitoral ao qual compete fazer o registro dos candidatos, com no mínimo cinco dias de antecedência da divulgação, as seguintes informações (Lei n. 9.504/1997, art. 33, caput, incisos I a VII e §1º):

I – contratante da pesquisa e seu número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ);

II - valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;

III - metodologia e período de realização da pesquisa;

IV - plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, nível de confiança e margem de erro, com a indicação da fonte pública dos dados utilizados;

V - sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;

VI - questionário completo aplicado ou a ser aplicado;

VII - nome de quem pagou pela realização do trabalho e seu número de inscrição no CPF ou no CNPJ;

VIII – cópia da respectiva nota fiscal;

IX – nome do estatístico responsável pela pesquisa e o número de seu registro no Conselho Regional de Estatística competente (Decreto n. 62.497/1968, art. 11);

X – indicação do município abrangido pela pesquisa, bem como dos cargos aos quais se refere.

Na hipótese sob análise, o representado veiculou em seu perfil pessoal do Facebook a seguinte publicação:

Boa tarde a todos!

Falam em pesquisas por aqui, um cidadão do nosso município contratou uma empresa e pediu para realizar pesquisa em nosso município nos dias 26 e 27 sobre eleições Municipais, e para parar com algumas inverdades vou divulgar!

Lico 55,9%

Lucila 31,4%

Indecisos 7,6%

Branco/nulo 5,2%

O Ministério Público Eleitoral, responsável pela interposição da representação, entende ser inafastável que as postagens trazidas aos autos possuem aptidão para influenciar os eleitores, trazendo informações que não poderiam ser divulgadas sem o mínimo de critérios exigidos pela legislação eleitoral, mormente pela via das redes sociais, que se caracteriza como valioso instrumento de propagação dos seus resultados. Ressalta, ainda, que o representado é o Secretário de Saúde do Município de Bom Jesus e já fora candidato a vereador, possuindo, dessa forma, pleno conhecimento acerca da ilicitude de sua conduta.

Em sua defesa o recorrente sustenta que os dados veiculados não podem ser considerados como pesquisa fraudulenta, já que nem sequer teria havido qualquer sondagem ou enquete, tratando-se de números divulgados sem respaldo em pesquisa ou sondagem de qualquer espécie.

Pois bem.

Com a mais respeitosa vênia ao órgão ministerial, compreendo que a postagem impugnada não possui elementos suficientes a caracterizá-la como divulgação de pesquisa eleitoral.

A mensagem se trata de mero comentário afirmando que “Falam em pesquisas por aqui”. Constitui boato, a conversa fiada, o famoso “diz-que-me-diz”.

O conteúdo veiculado não traz informações de ordem técnica próprias de levantamentos estatísticos, assim como não cita o instituto que seria responsável pela pesquisa.

De fato, a simples referência a intenções de voto, desprovida de qualquer dado concreto, a exemplo do número de entrevistados, período de realização, margem de erro, comparativos, índices, entre outros, não se equipara à divulgação de pesquisa eleitoral, conforme já assentado por esta Corte Regional no julgamento do RE 9-51, de relatoria Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, sessão de 30.01.2014, cuja ementa transcrevo:

Recursos. Pesquisa eleitoral. Art. 18 da Resolução TSE n. 23.364/11. Eleições 2012.

Alegada veiculação de pesquisa sem registro junto à Justiça Eleitoral no horário da propaganda gratuita de rádio.

Mensagem que não se reveste de pesquisa, porquanto desprovida de dado concreto, a exemplo do número de entrevistados, período de realização, margem de erro, comparativos, índices e outros elementos indispensáveis para a sua formatação.

Reforma da sentença. Afastada a multa imposta.

Não conhecimento do apelo ministerial, por intempestivo.

Provimento do recurso da coligação. (Grifei.)

E no mesmo sentido, recentemente decidiu este Regional, em voto de relatoria do Dr. Silvio Ronaldo no RE 27-96, julgado na sessão 21.11.2016, cuja ementa a seguir transcrevo, com grifos meus:

Recurso. Representação. Pesquisa eleitoral. Art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97. Parcial procedência. Multa. Eleições 2016.

Alegada divulgação, em perfil da rede social Facebook, de pesquisa eleitoral sem prévio registro na Justiça Eleitoral.

Postagens consistentes em comentários sobre supostos resultados favoráveis à candidatura apoiada pelos recorrentes, obtidos a partir do levantamento de intenções de voto contratado por partido para o seu planejamento político-eleitoral interno. Publicações realizadas em período anterior às convenções partidárias, quando inexistente certeza sobre os candidatos e acerca da formação de coligações. Não evidenciados os elementos legais caracterizadores da pesquisa eleitoral.

Provimento.

Registro que a norma proibitiva trazida no art. 17 da Resolução TSE n. 23.453/15, no meu sentir, destina-se aos partidos, candidatos, coligações, empresa responsável pela pesquisa e meios de comunicação de massa, compreendidos como jornais, canais de televisão, sites de notícias.

E na mesma linha é a doutrina de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, 5. ed., p. 432):

A divulgação de pesquisa sem o prévio registro sujeita os responsáveis a multa no valor de 50.000 a 100.000 UFIRs (art. 33, §3º, da LE). Trata-se de infração eleitoral, com sanção exclusivamente pecuniária, que é aplicável a todo aquele que – seja partido, candidato, coligação, meio de comunicação social ou empresa responsável pela pesquisa – procedeu, de qualquer modo, à divulgação da pesquisa sem o prévio registro junto à Justiça Eleitoral. Para o TSE, o veículo de comunicação social arcará com as consequências da publicação de pesquisa não registrada, mesmo que esteja reproduzindo matéria veiculada em outro órgão de imprensa (art. 21 da Res. n. 23.453/15).

Ou seja, a norma é dirigida aos protagonistas do pleito, e aos institutos de pesquisas e grupos midiáticos que auferem ganhos diretos e indiretos com a produção, contratação e divulgação das pesquisas eleitorais.

Daí o motivo da norma prever, já em patamar inicial, valores muito altos para a divulgação irregular das pesquisas.

Situação diversa da hipótese dos autos seria se houvesse divulgação irregular de pesquisa em perfis de Facebook de candidatos, partidos e coligações. Ou se a veiculação ocorresse em sites de notícias, canais de televisão e jornais. Nestes casos, a incidência da multa seria o caminho certo, pois tanto os candidatos e partidos quanto os veículos de comunicação devem pautar sua atuação pela transparência e veracidade das informações. Pelos menos assim deveria ser. Assim deve ser. E digo isso porque os meios de comunicação atraem a confiança daqueles que neles buscam informações. Gozam de credibilidade junto à comunidade. Por sua vez, os partidos e os políticos devem, ou deveriam, sempre defender a transparência e a verdade, pautando sua atuação em princípios éticos e morais.

Já aquele cidadão que divulga, ou difunde, informações nas redes sociais, não tem a seu favor a aura de verdade e/ou credibilidade que circunda os grupos antes mencionados. É comum vermos divulgadas, em perfis de amigos, familiares e conhecidos, informações completamente inverídicas, mas nas quais estes até então creditavam a verdade. Em face disso, há inclusive sites especializados em identificar informações falsas divulgadas na internet. Um dos mais acessados é o Boatos.org. Estes sites podem ser utilizados por aqueles que desconfiam da veracidade das informações propagadas pelas redes. Consequentemente, estas informações não podem, e não devem, ser vistas como isentas de dúvidas, como totalmente fidedignas, como exemplos de verossimilhança.

No caso sob análise, há uma peculiaridade que logo após a publicação já colocou em dúvida a veracidade da informação. Nos comentários da postagem, um internauta chamado Bruno Pelizari, ironicamente, assim afirmou: “Total de 100,10%. Será que foi alterado algumas regras na matemática”. Tal fato, para um eleitor que busca informações na rede de forma consciente, é o suficiente para causar descrédito quanto à informação.

Portanto, entendo que o fato objeto da representação não possui elementos suficientes para ser caracterizado como divulgação de pesquisa eleitoral no moldes conceituais exigidos pelo art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97, motivo pelo qual entendo inviável a aplicação da penalidade pecuniária prevista no art. 17 da Resolução TSE n. 23.453/15.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição das preliminares e pelo provimento do recurso, para reformar a sentença e julgar improcedente a representação, afastando a multa aplicada.

É como voto, Senhora Presidente.