RE - 14612 - Sessão: 25/04/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MOISES CORREA MEDINA contra a sentença do Juízo Eleitoral da 91ª Zona – Crissiumal (fls. 64-68), o qual entendeu procedente a representação ajuizada em seu desfavor por MARCOS RODRIGO KUHN SOSSMEIER, confirmando as anteriores determinações de remoção de postagem tida como ilícita na rede social Facebook, de suspensão do acesso a todo conteúdo do perfil do representado pelo prazo de 48 horas e de aplicação de multa no valor de R$ 5.000,00, em razão do descumprimento da medida liminar.

Em suas razões (fls. 71-86), o recorrente sustenta, preliminarmente, a carência de justa causa para o manejo da ação, pois a postagem não veicula contéudo calunioso, difamatório, injurioso ou sabidamente inverídico. Também em prefacial, alega a ocorrência de cerceamento de defesa e consequente nulidade do processo, diante da negativa do juízo na produção da prova testemunhal requerida. Quanto ao mérito, defende que a conduta está acobertada pelas garantias constitucionais da liberdade de pensamento e do direito à informação. Refere, outrossim, que a administração pública é passível de críticas por qualquer interessado. Aponta que a decisão liminar é nula por seu conteúdo extra petita, eis que concedeu direito de resposta não postulado na inicial. Indica que a multa aplicada por descumprimento da ordem liminar é indevida, pois, induzido por errônea indicação do Cartório Eleitoral, retirou postagem diversa da que era objeto da medida, enfatizando que não lhe foi entregue cópia da petição inicial no momento da intimação. Por fim, pugna pelo acolhimento das preliminares, extinguindo-se o processo sem julgamento de mérito, ou, ainda, anulando-se a sentença, com reabertura da instrução processual. Subsidiariamente, clama pela improcedência da demanda e pela revogação da multa fixada. Adicionalmente, requer seja analisada a conduta dos servidores do Cartório Eleitoral, diante de eventual caracterização de prática do crime de prevaricação.

Com contrarrazões (fls. 91-96), os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual se manifestou pelo parcial provimento do recurso para afastar a sanção pecuniária aplicada (fls. 100-104v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. Houve a intimação de Moises Correa Medina via Mural Eletrônico, em 06.10.2016, e o recurso foi protocolado no dia seguinte, às 17h13min, conforme constante à fl. 71 dos autos, em obediência ao prazo de 24 horas previsto no art. 35 da Resolução TSE n. 23.462/15.

Sigo na análise das preliminares suscitadas pelo recorrente.

Sobre a prefacial de ausência de justa causa para o manejo da ação diante da alegada licitude da publicação, consigno que a questão confunde-se com o mérito recursal, sujeitando-se ao adequado enfrentamento em tópico próprio, adiante.

Quanto à preliminar de cerceamento de defesa, tenho que deva ser rejeitada.

O rito do art. 96 da Lei das Eleições não prevê dilação probatória, não contemplando a designação de audiência para oitiva de testemunhas.

Ademais, o magistrado tem a faculdade de presidir a instrução, determinando as provas que entender necessárias e indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias, consoante disposto no art. 370, parágrafo único, do CPC.

Desse modo, existindo provas suficientes à formação da convicção do magistrado por outros elementos já carreados aos autos, não há que se cogitar em violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa ou do devido processo legal.

Na espécie, extrai-se que, com a prova testemunhal, se pretendia comprovar a irregularidade no procedimento de intimação para o cumprimento da ordem de remoção da mensagem controvertida. Contudo, os elementos que o representado almejava oferecer a partir dos depoimentos pessoais, consoante sua narração dos fatos, encontram-se claramente evidenciados nas certidões de fls. 28 e 40, em conjugação com o restante acervo dos autos. Portanto, despicienda a coleta da prova para a formação de convicção segura a respeito da alegação da parte.

Dessa forma, afasto a referida preliminar.

Em derradeira prefacial, o recorrente alega que a decisão liminar, integralmente confirmada na sentença combatida, qualifica-se como extra petita, devendo ser desconstituída. Isso porque analisou pedido de veiculação de “direito de resposta” não consignado na inicial e manejado exclusivamente pelo Ministério Público, que não é parte processual.

Em realidade, verifica-se que o representante do Ministério Público Eleitoral de piso propôs a divulgação de uma simples nota explicativa. A medida sugerida visou eliminar a relevante confusão que entendeu pudesse recair sobre o eleitorado diante dos vídeos postados pelo representado.

Não houve pedido de direito de resposta, mas mera proposição de texto para esclarecimento de interesse público, a ser divulgado na página pessoal do próprio representante, ou seja, sem trazer obrigação ou encargo adicional ao recorrente.

Com efeito, o ponto foi solucionado da seguinte forma pelo juízo a quo:

Além do mais, a fim de melhor esclarecer os fatos ao eleitorado local, acolho a manifestação do Parquet e autorizo que o representante veicule, em suas redes sociais, se assim entender necessário, a nota de fl. 23-23v.

Nesse aspecto, cabe ao representante do Ministério Público Eleitoral, na qualidade de fiscal da ordem jurídica e do regime democrático, atuar em todos os processos afetos à Justiça Eleitoral, podendo, com esteio no art. 179, inc. II, do CPC, em suas manifestações, trazer alegações, produzir provas e requerer medidas processuais, a serem objeto de inafastável e motivada análise pelo juiz competente.

Portanto, não há de se falar em decisão extra petita, eis que o magistrado resolveu a lide circunscrito aos seus contornos objetivos. Assim, deve ser igualmente rejeitada a presente prefacial.

No mérito, o recorrente Moises Correa Medina, em 30.9.2016, publicou, em seu perfil da rede social Facebook, críticas sobre o então candidato ao cargo de vereador do Município de Crissiumal, Marcos Rodrigo Kuhn Sossmeier, conforme constante às fls. 10 e 11 dos autos.

A partir da representação ajuizada pelo ofendido, o representado teve contra si a determinação de retirada imediata da postagem, ainda em sede liminar, pois o juízo de origem entendeu a publicação como ofensiva e sabidamente inverídica.

Na sentença, em virtude do descumprimento da ordem de imediata remoção da publicação, Moises restou condenado à multa no valor de R$ 5.000,00 e à suspensão do acesso de todo conteúdo do seu perfil do Facebook por 48 horas, sujeitando-se, ainda, à apuração, em tese, do delito de desobediência eleitoral.

Sobre o conteúdo da manifestação, o representado publicou os seguintes dizeres, acompanhados de imagens reproduzindo ofício da Promotoria de Justiça de Crissiumal que, supostamente, comprovaria suas afirmações:

#VAMOSCUIDAREMQUEMVOTAR

Pra quem duvidou do que falei sobre cassação, referente o pedido do Ministério Público referente irregularidades do Presidente do Legislativo senhor MARCOS SOSSMEIER, segue o ofício e os artigos citados no ofício que esclarecem as irregularidades apontadas pelo MP, o resultados dessa votação pergutem aos atuais vereadores, qual o resultado e porque e como votaram, a sociedade precisa ficar esclarecida, melhores informações virão em vídeo.

Os documentos acostados às folhas 15-19 revelam que, de fato, o Ministério Público Estadual encaminhou ofício à Câmara de Vereadores de Crissiumal, no qual solicitou ao Poder Legislativo a abertura de expediente interno para apurar possível infração à Lei Orgânica Municipal cometida pelo Vereador Marcos, no contexto de convênio firmado entre a municipalidade e a Cooperativa Cooper Fonte Nova.

Entretanto, na sessão ordinária de 06.6.2016, após apresentação de defesa pelo vereador mencionado, a Casa Legislativa decidiu pelo não recebimento da denúncia, promovendo o arquivamento do ofício.

Portanto, a mensagem divulgada na internet claramente se aproveita dessas circunstâncias, sonega fatos e cria a falsa percepção de que haveria algum processo em curso, por iniciativa do Ministério Público, do qual poderia resultar a cassação do Vereador Marcos.

Trata-se de ofensa à honra do envolvido, a qual desborda da crítica de cunho político, referente à competição eleitoral. O direito à livre manifestação do pensamento, aqui, restou utilizado de forma abusiva e ofensiva, veiculando afirmações sabidamente inverídicas a fim de criar dúvidas e confusões no eleitorado.

Para evitar tautologia, colho trecho da percuciente análise desenvolvida na sentença recorrida (fls. 65-66):

Fixada essa premissa, percebo que os temas abordados na postagem levada a efeito pelo representado extrapolam os limites do questionamento político, igualmente ao verificado no bojo da Representação nº 146-12.2016.6.21.0091, envolvendo as mesmas partes e com julgamento de procedência (fls. 25-26).

Com efeito, embora se admita a crítica ácida e contundente, o representado, sob o pretexto de prestar esclarecimentos à sociedade, confere conotação tendenciosa à criação de falsa percepção da realidade no eleitorado, de modo a desequilibrar a disputa.

Ora, a alusão ao processo de cassação, com a postagem, inclusive, de cópi as de documentos oficiais, com a criação de um estado mental de suspense acerca do resultado desse procedimento, às vésperas do pleito, tem aptidão de ocasionar falsas ideias nos eleitores, considerando-se também que, dias antes, já houve postagem de vídeo em que se reconheceu - representação acima apontada - a ilicitude da conduta do representado, porque deixava dúvidas acerca de estar, ou não, o processo de cassação em curso.

Em suma, na manifestação do representado, há intenção de confundir o eleitorado, exorbitando a margem de liberdade normal à campanha política, merecendo, por consequência, a repreensão da Justiça, na medida em que as garantias e direitos individuais invocados na peça defensiva, numa ponderação de valores em jogo, cedem frente à inarredável preservação da lisura do processo eleitoral.

Destarte, reconhecendo-se que a propalação viola a prescrição do art. 17, inc. IX, da Resolução TSE n. 23.457/15, agiu com acerto o magistrado ao determinar a imediata remoção da publicação ilícita, com fulcro na autorização conferida pelo art. 24, § 2º, do mesmo diploma normativo.

De outra banda, narra o recorrente que foi comunicado da decisão liminar às 17 horas do dia 30.9.2016, pela servidora DANIELA, sendo-lhe entregue exclusivamente cópia do despacho respectivo.

Cabe ressaltar que a determinação liminar foi certa e específica quanto ao objeto que deveria ser removido, explicitando “a remoção da postagem indicada na alínea 'a' da fl. 08, no prazo de 30 (trinta) minutos” (fls. 25-26), tornando inviável o cumprimento temporâneo da medida sem o fornecimento de cópia ou vistas da folha referenciada, integrante da peça exordial.

Nesse passo, pediu orientações à própria serventuária eleitoral sobre a especificação da correta publicação que deveria ser removida. Então, em decorrência de informações equivocadas prestadas pela servidora, concluiu que o objeto da ação consistia em outra publicação recente, diversa da analisada nos autos.

O representado enfatiza que somente recebeu a devida cópia da petição inicial por ocasião da intimação sobre a aplicação de multa em razão do descumprimento liminar. Outrossim, refere que, levado à falsa percepção dos fatos, retirou no prazo determinado judicialmente o vídeo incorreto de sua página no Facebook em decorrência de imprópria e incompleta forma de comunicação executada pelo Cartório Eleitoral.

Diante do quadro descrito, tenho que os elementos constantes no processo corroboram as alegações do recorrente quanto ao ponto.

Vê-se que o despacho deferitório da liminar não traçou esclarecimentos suficientes para se determinar com adequada individualização a postagem questionada na demanda. A decisão restringiu-se a fazer referências à folha e ao item da peça inaugural em que descrita e reproduzida a propaganda irregular.

Destarte, imprescindível que a intimação da parte para o cumprimento da liminar deferida se fizesse acompanhar de cópia da exordial, não bastando, para tanto, a mera entrega de reprodução da própria decisão para o atendimento da ordem.

Além disso, verifica-se que tanto o Mandado de Intimação n. 63/2016 (fl. 27) quanto a certidão de folha 28 dão conta da entrega ao representado, por ocasião da ordem liminar, apenas de cópia do despacho de deferimento, silenciando sobre a disponibilização dos termos da petição inicial.

Tão somente na certidão de fl. 40 consta consignada a entrega de cópia da peça de ajuizamento, a pedido do representado, simultaneamente à comunicação a respeito da imposição de multa frente ao descumprimento do comando judicial.

Diversamente do que entendeu o magistrado sentenciante, penso que o lançamento da cota de próprio punho pelo intimado, referindo que “os documentos existem e estão com o ministério público e poder legislativo”, no mandado para o cumprimento da liminar, não ilide o sustentado pelo recorrente.

De fato, o próprio representante, à fl. 31, confirma que a página pessoal de Moises no Facebook continha ao menos duas postagens envolvendo mensagens a respeito do pretenso processo de cassação contra o Vereador Marcos e os documentos invocados.

Nessas circunstâncias, torna-se razoável admitir que o representado deparou-se com efetiva confusão em relação à publicação específica para o adequado cumprimento da ordem, presumindo que obedecera com a retirada da mais recente, que também versava sobre aquele conteúdo.

Logo, não havendo a cientificação inequívoca sobre a postagem que deveria ser removida, impossível o cumprimento da medida, devendo ser afastada a multa de R$ 5.000,00 aplicada.

Por fim, em relação ao requerimento de verificação da conduta dos servidores, por pretensa incursão no crime de prevaricação, tenho que a questão foi adequada e definitivamente resolvida pelo julgador sentenciante nos seguintes termos:

Finalmente, no tocante à providência de natureza criminal buscada, já se oportunizou vista dos autos ao Ministério Público Eleitoral, ocasião em que teve ciência da postulação da defesa, descabendo qualquer outra deliberação pelo Juízo.

Em face do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO no sentido de dar parcial provimento ao recurso, afastando a multa imposta.