RE - 28139 - Sessão: 19/12/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por CARLITO SOMMER (fls. 113-119) contra sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 86ª Zona – Três Passos – que julgou procedente ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pela COLIGAÇÃO PARA TRÊS PASSOS SEGUIR EM FRENTE (PTB – PT – PSD – PCdoB), em virtude da prática de captação ilícita de sufrágio, cassando o seu registro de candidatura ao cargo de vereador do referido município e declarando-o inelegível para as eleições que se realizarem nos oito anos subsequentes ao pleito de 2016, com fundamento no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 c/c o art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90 (fls. 108-110).

Em suas razões, o recorrente sustenta que o fato objeto da ação constituiu favor prestado a um amigo íntimo, não tenho restado comprovada a captação ilícita de sufrágio. A sentença, no seu entender, estaria fundada em meras suposições, insuficientes à configuração do ilícito eleitoral, merecendo ser integralmente reformada para que a ação seja julgada improcedente.

A coligação recorrida apresentou contrarrazões, defendendo a manutenção da decisão de primeiro grau (fls. 122-125).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar a sanção de inelegibilidade imposta ao recorrente, a qual, por constituir efeito secundário da sentença, deverá ser aferida no âmbito de um futuro processo de registro de candidatura (fls. 128-132).

É o relatório.

 

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, tendo sido interposto dentro do prazo de 3 dias contados da publicação da sentença no DEJERS (fls. 111 e verso e 113), atendendo ao disposto no art. 41-A, § 4º, da Lei n. 9.504/97.

Mérito

A Coligação Para Três Passos Seguir Em Frente (PTB – PT – PSD – PCdoB) ajuizou ação de investigação judicial eleitoral contra Carlito Sommer (à época vereador e candidato à reeleição no Município de Três Passos nas eleições de 2016), porque este, no dia 12 de setembro do mesmo ano, teria se dirigido à prefeitura da referida cidade para solicitar o parcelamento de débitos fiscais inscritos em dívida ativa em nome de Roberto Dirceu Schmitz, tendo assinando o requerimento correspondente em nome do eleitor e efetuado o pagamento da primeira parcela, no valor de R$ 65,70, incorrendo, dessa forma, na prática de captação ilícita de sufrágio, conforme preceitua o art. 41-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A

Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990.

Ao decidir o feito, a magistrada de primeiro grau ponderou que, embora parecesse “normal” que o candidato Carlito tivesse feito um favor para Roberto, alegadamente seu amigo, causava estranheza o fato de ter assumido a identidade do eleitor perante os órgãos municipais.

A conduta do recorrente, que refugiria ao ordinário em qualquer época do ano, teria assumido maior gravidade durante o período de campanha eleitoral, restando configurado, via de consequência, o seu dolo específico, consistente no especial fim de agir voltado à obtenção do voto do eleitor Roberto em favor da sua candidatura, mediante contrapartida financeira.

A justificativa da defesa de que Roberto se encontraria impossibilitado de comparecer à Prefeitura de Três Passos para repactuar o débito, porque sua filha recém-nascida estaria doente, foi afastada com base em dois argumentos centrais: a falta de juntada aos autos de prontuário médico ou testemunhas que efetivamente comprovassem a doença da criança e a ausência de urgência no parcelamento do débito junto ao ente tributante.

Entretanto, a linha argumentativa adotada na sentença não guarda relação direta e imediata com os elementos de prova existentes nos autos, motivo pelo qual entendo que o recurso merece ser acolhido.

Noto, de início, a teor das defesas (fls. 30-37 e 73-A-81), alegações finais (fls. 102-105) e razões de recurso (fls. 113-119) apresentadas, que o próprio candidato reconheceu ter comparecido à Prefeitura de Três Passos e solicitado informações sobre débitos fiscais inscritos em dívida ativa em nome do eleitor Roberto.

Admitiu, inclusive, ter assinado o Requerimento/Termo de Parcelamento e Confissão de Débitos Fiscais em nome do eleitor (fl. 08) e efetuado o pagamento da primeira parcela referente à repactuação do débito fiscal concedida pelo órgão municipal.

O fato, em si mesmo, é inconteste.

A questão primordial a ser enfrentada diz respeito à caracterização do dolo específico do candidato, ou seja, a identificar se os elementos de prova colhidos durante a fase de instrução processual efetivamente demonstram ter ele agido com o objetivo de obter o voto do eleitor Roberto mediante concessão de benefício financeiro, conforme exige o art. 41-A da Lei das Eleições.

Ao longo das suas manifestações nos autos, o candidato negou esse intuito, dizendo ter prestado um favor ao eleitor Roberto, com o qual mantém amizade íntima. Afirmou, também, que não lhe foi exigida identificação pelos servidores da prefeitura no momento do atendimento, o que descaracterizaria ter havido simulação de sua parte.

Os depoimentos das testemunhas indicadas pela representante, Paulo Rodrigues (Procurador do Município), Laércio Schlemer (Tesoureiro da Prefeitura) e Tainara Walter (estagiária da Prefeitura), gravados no CD juntado na fl. 100, gravitam em torno da suposta dissimulação do recorrente ao assumir a identidade de Roberto e assinar o aludido requerimento em nome deste.

Dentre esses testemunhos, destaco o de Paulo Rodrigues (Procurador do Município) ao referir que não era habitual a exigência de identificação dos contribuintes quando esses procuravam o órgão para quitação de seus débitos, o que, aliás, foi registrado pela Secretária de Finanças nos autos do PAD n. 5206-2016, instaurado pela prefeitura para a apuração de eventual ilicitude (fl. 71), ficando claro que, na hipótese, não foi exigido documento de identificação do candidato.

O argumento de que o recorrente teria falsamente se identificado como Roberto é, portanto, frágil e não pode embasar uma conclusão segura acerca da configuração do ilícito, pois há dúvida razoável acerca da má-fé do candidato devido às circunstâncias em que o atendimento foi realizado.

Marlise Wiedthauper, servidora da Câmara Municipal de Vereadores, arrolada pela representante, mencionou que era corriqueiro servidores realizarem diligências para os vereadores, principalmente junto à Prefeitura, de modo que não lhe causou estranheza a solicitação feita pelo recorrente para que efetuasse o recolhimento de valores junto àquele órgão, o que foi concretizado por um de seus estagiários (CD de fl. 100).

Esse depoimento, de igual modo, não pode ser tomado como elemento probatório consistente da intenção de obter o voto do eleitor, indicando, antes disso, que o agir do candidato não destoou da praxe do órgão, ainda que ela seja questionável do ponto de vista da moralidade administrativa.

O eleitor Roberto, ao depor em Juízo, confirmou ser amigo íntimo do candidato e nele votar desde que iniciou sua vida política, uma vez que integrantes da mesma comunidade do interior do Município de Três Passos.

O seu depoimento mostrou-se firme quanto à amizade mantida com o recorrente, tendo afirmado que frequentava a casa do candidato há vários anos, indicando os nomes dos seus filhos. Disse que sua filha apresentou problemas respiratórios, impossibilitando-o de ir pessoalmente à prefeitura, declaração que, em princípio, não merece ser de todo desprezada, em virtude da falta de apresentação de prontuário médico. Ademais, foi coeso e coerente ao declarar que o candidato lhe prestou um favor, bem como ao negar o recebimento de vantagem de qualquer natureza para que destinasse o seu voto ao candidato no dia das eleições.

A segunda testemunha da defesa, Erno Birnfeld, confirmou que Carlito e Roberto são amigos há cerca de vinte anos, dizendo ser bastante comum a troca de favores entre os moradores da localidade, corroborando, nesse aspecto, o depoimento de Roberto e a tese da defesa (CD de fl. 100).

Os documentos juntados aos autos resumem-se àqueles integrantes do Processo n. 5206-2016 (fls. 52-71), a partir dos quais é inviável formar convencimento acerca da intenção do recorrente ao proceder da forma descrita nos autos.

Acrescento que, conforme aduzido pela defesa, a gestão municipal, à época, estava sendo desempenhada por José Carlos Amaral, que concorria à reeleição majoritária pela coligação representante e adversária da coligação da qual o candidato fazia parte, sendo verossímil que a própria investigação levada a efeito pela Prefeitura de Três Passos tenha sofrido os influxos da disputa político-eleitoral.

No contexto dos autos, inexiste, a meu sentir, comprovação inconteste da prática da captação ilícita de sufrágio, não sendo admitida a imposição das severas sanções previstas no art. 41-A da Lei das Eleições, com base na presunção de que o candidato agiu com o propósito de obter o voto do eleitor Roberto, mediante concessão de vantagem financeira, porque o fato ocorreu em período de campanha eleitoral e não havia, ademais, urgência quanto ao parcelamento do débito fiscal pendente de pagamento.

Cito, nesse sentido, os seguintes julgados do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal Regional:

RECURSO ESPECIAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROVA ROBUSTA. AUSÊNCIA. PROVIMENTO.

1. Considerando a contradição da prova analisada pela Corte Regional, não há como se entender pela configuração da captação ilícita de sufrágio, a qual demanda a presença de prova robusta e inconteste, o que não se verifica na hipótese dos autos.

2. Recurso especial provido

(TSE – AC: 79143 BA, Relator: Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Data de Julgamento: 25.3.2014, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 95, Data 23.5.2014, Página 67.)

 

Recursos. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei 9504/97. Doação de ranchos a eleitores em troca do voto. Eleições 2012. A ausência de comprovação da participação do candidato ou sua anuência impede o juízo condenatório. Ausência de esclarecimentos sobre a origem do material que suporta a acusação e do vínculo do representado com o suposto esquema de compra de votos. Necessidade, diante da severa sanção embutida na norma, de prova contundente e não apenas indícios da prática do delito. Provimento negado.

(TRE-RS – RE: 80385 RS, Relator: DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Data de Julgamento: 28.8.2014, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 155, Data 01.9.2014, Página 2.)

Logo, pelas razões expostas, afasto a incidência do comando normativo do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 na hipótese sob análise e acolho o recurso para julgar improcedente a representação.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso interposto por CARLITO SOMMER, julgando improcedente a ação de investigação judicial eleitoral.