E.Dcl. - 18212 - Sessão: 07/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração (fls. 209-211) interpostos por ARCELINO RODRIGUES, ALEXANDRE OLAVO HOFFMEISTER, JAIR JOSÉ WINGERT, OZEIAS DA SILVA CARDOSO, COLIGAÇÃO JUNTOS POR CAMPO BOM (PR - PPS - PTB - PSDB – PSC), COLIGAÇÃO PP-PRB-PSDC e COLIGAÇÃO PMDB-PSD em face do acórdão das fls. 200-205v. que, à unanimidade, negou provimento a recursos interpostos nas ações conexas de ns. 182-12.2016.6.21.0105, 172-65.2016.6.21.0105, 170-95.2016.6.21.0105, 175-20.2016.6.21.0105 e 171-80.2016.6.21.0105.

Em suas razões, os embargantes apontam omissão no aresto, pois este Tribunal não teria prequestionado questões e dispositivos legais atinentes ao caso sob análise.

Sustentam que a defesa amparou suas teses na exigência, pelo art. 77 da Lei n. 9.504/97, de que para a configuração da tipicidade da aludida conduta vedada é necessário o comparecimento em obra pública, o que não teria ocorrido, pois os embargantes participaram da inauguração de empreendimento da Universidade FEEVALE, ente privado, sendo que este Tribunal omitiu o exame de tal alegação.

Asseveram que o princípio da proporcionalidade e as regras constantes dos §§ 9º e 10 do art. 14 da Constituição Federal não foram respeitados, haja vista que, tratando-se JAIR e ALEXANDRE de candidatos eleitos, o princípio da soberania popular, assegurado pelos arts. 1º, parágrafo único, e 14 da Constituição Federal, somente poderia ser ponderado em virtude da “existência de conduta indiscutivelmente reprovável, decorrente de flagrante intenção dolosa do candidato de beneficiar-se de determinada situação diferenciada, e, com claro potencial gerador de desequilíbrio no pleito, o que, notadamente, inocorreu”.

Postulam o prequestionamento das matérias, a fim de que possam exercer o direito de defesa garantido pelo art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal, recorrendo aos Tribunais Superiores.

É o relatório.

 

VOTO

Senhora Presidente, eminentes colegas.

O apelo é tempestivo e preenche os demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

No mérito, tenho que os embargos devem ser rejeitados.

Em relação à alegação de que este Tribunal não analisou adequadamente o fato de que para a configuração da tipicidade da conduta vedada pelo art. 77 da Lei n. 9.504/97 é necessário o comparecimento em obra pública, o que não teria ocorrido, pois os embargantes participaram da inauguração de empreendimento da Universidade FEEVALE, ente privado, tenho que não merece acolhimento. Isso porque tal argumento foi a questão central debatida no acórdão, sendo objeto de extensa fundamentação. Vejamos:

Fato 1 – comparecimento dos vereadores, candidatos à reeleição, ARCELINO RODRIGUES, ALEXANDRE OLAVO HOFFMEISTER, JAIR JOSÉ WINGERT e OZEIAS DA SILVA CARDOSO, à inauguração de obra do Condomínio Empresarial do Feevale Techpark3, no Parque Tecnológico da Feevale, no dia 04.08.2016.

 

Em relação ao primeiro fato, é incontroversa a participação dos então candidatos à reeleição nas eleições municipais deste ano ARCELINO RODRIGUES, ALEXANDRE OLAVO HOFFMEISTER, JAIR JOSÉ WINGERT e OZEIAS DA SILVA CARDOSO, pois reconhecida por estes, à inauguração do Condomínio Empresarial Feevale Techpark3, no Parque Tecnológico da Feevale, situado em Campo Bom, ocorrida no dia 04.08.2016 e, portanto, dentro do período vedado pelo art. 77 da Lei n. 9.504/97, pois dentro do interregno de 3 (três) meses anteriores ao pleito, ocorrido em 02.10.2016.

 

Contudo, os recorrentes alegam que a referida obra não seria pública, e sim privada. E esta é a questão central do recurso ora aviado. Pois, por óbvio, entendendo-se pelo caráter privado do empreendimento, esvaziado estaria o enquadramento da conduta na hipótese da citada norma.

 

Pois bem.

Segundo consignado na defesa dos representados, o empreendimento da Universidade Feevale contou com a doação do terreno pelo Município de Campo Bom, no qual foi implantado o Parque Tecnológico do Vale dos Sinos, atualmente denominado Feevale Techpark.

 

Infere-se, também de informação trazida pela defesa, bem como de informações veiculadas no site da Feevale, que o complexo recebeu o patrocínio predominantemente de recursos públicos, pois dos R$ 2.150.000 investidos no empreendimento, R$ 1.226.189,56 foram custeados pelo Estado do Rio Grande do Sul, por meio da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia (SDECT). O valor restante, em menor volume, no montante de R$ 923.810,44 foi custeado pela Universidade Feevale.

 

E quanto a esse ponto cabe registrar que o próprio recorrente ALEXANDRE HOFFMEISTER veiculou em sua página pessoal do Facebook a parceria entre a Feevale e a Prefeitura de Campo Bom.

 

Por oportuno, cabe também trazer a observação do magistrado sentenciante ao consignar, com absoluta precisão, que “os representados estavam tentando a reeleição e são todos Vereadores eleitos para a legislatura 2013/2016 e tiveram participação, como edis, na aprovação da Lei Municipal 4.420/2015 que autorizou a doação do imóvel para integração ao Parque Tecnológico do Vale dos Sinos, atualmente denominado Feevale Techpark, para fins de implantação do Campus III da Universidade Feevale”.

 

Assim, em que pese a irresignação dos recorrentes, é forçoso concluir que o referido empreendimento não se caracteriza como eminentemente privado. Trata-se, em verdade, de obra custeada predominantemente com recursos públicos, materiais e financeiros, repassados a ente privado por meio de convênio e parceria, conferindo caráter público-privado ao complexo, o que leva, por consequência lógica, a incluir a participação em sua inauguração na vedação contida no art. 77 da Lei n. 9.504/97. Tanto assim é que houve prévia necessidade de autorização legislativa por parte da Câmara de Vereadores de Cmpo Bom para que a municipalidade efetuasse a doação do imóvel para a concretização do Parque Tecnológico, hoje conhecido como Feevale Techpark.

 

Ainda quanto a esta matéria, devido à congruência com o tema, transcrevo excerto do parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral que avocou os ensinamentos de Rodrigo López Zilio (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5ª edição – Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 600) e José Jairo Gomes (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 766):

 

Note-se, no que tange ao conceito de “obra pública” a que se refere o dispositivo legal, pela lição de ZILIO, a concepção a ser aplicada deve ser a mais ampla possível. Assim vejamos:

Para uma eficaz consecução do objetivo visado pelo legislador, a concepção de obra pública deve ser a mais ampla possível. (…) Ademais, o próprio legislador dá conceito amplo à obra pública no art. 6º, I, da Lei nº 8.666/93, quando define que abrange, além da construção, também a reforma, fabricação, recuperação e ampliação.

Da mesma forma, nas precisas lições de GOMES:

A obra pública é definida no artigo 6º, I, da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93) como sendo “toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta”.

A ratio desse artigo 77 é impedir o uso da máquina estatal em favor de candidatura, sendo prestigiadas a impessoalidade e a moralidade na Administração Pública. Quer-se impedir que obras patrocinadas com recursos públicas sejam desvirtuadas em prol de candidatos. (grifado)

 

E vale lembrar que o conceito de obra pública já foi tema de julgado deste Regional, em voto de relatoria do Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, ficando assentado que caracteriza conduta vedada a presença de candidato em inauguração de obra custeada com recursos públicos do Município. Transcrevo a ementa com grifos meus:

 

Recurso. Representação. Conduta Vedada. Art. 77 da Lei n. 9.504/97. Vereadora eleita. Candidatos aos cargos de prefeito e vice não eleitos. Eleições 2012.

Comparecimento dos candidatos à inauguração de obra custeada com recursos públicos. Extinção do processo sem resolução do mérito em relação aos candidatos da chapa majoritária, sob fundamento de não terem obtido êxito nas urnas.

Improcedência da demanda em relação à vereadora, por entender-se que o ato não caracteriza obra pública.

Configura conduta vedada a presença de candidatos em inauguração de obra custeada com recursos da municipalidade.

Ato tendente a afetar a isonomia do pleito. Ainda que reconhecida a tipicidade da conduta descrita no artigo 77 da Lei das Eleições, desproporcional a cassação do registro de candidatura. Aplicação da multa aos representados com fulcro no § 4º do art. 73 da Lei das Eleições.

Provimento parcial.

(TRE/RS - Recurso Eleitoral n. 56760, Acórdão de 27.05.2014, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 94, Data 29.05.2014, Página 2-3.)

 

Registro que no processo acima citado foi reconhecido que candidatos compareceram ao ato de inauguração da ampliação e conclusão do prédio pertencente à diocese de Erechim, que recebeu recursos públicos para custear as obras, razão pela qual restou caracterizada a incidência do art. 77 da Lei das Eleições.

 

Portanto, foi de extrema precisão o entendimento trazido pelo magistrado de primeiro grau ao classificar o empreendimento da Feevale como obra pública para fins de enquadramento na legislação eleitoral, motivo pelo qual a ele adiro, colhendo os fundamentos da sentença também como razões de decidir:

 

No que concerne à primeira tese de que a inauguração era de obra privada, sem razão os candidatos, porquanto em sua própria defesa admitiram que houve doação do terreno pelo Município de Campo Bom para a Universidade Feevale para implantação e funcionamento do Parque Tecnológico do Vale dos Sinos, atualmente denominado Feevale Techpark - unidade de Campo Bom -, e também houve o aporte de recursos financeiros na ordem de R$ 1.226.189,56, oriundos da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia (SDECT). A propósito, o aporte financeiro da Universidade Feevale foi menor do que o do Estado do Rio Grande do Sul e girou em torno de R$ 923.810,44, o que sem dúvida confere caráter público da obra em virtude da participação direta e relevante do Município de Campo Bom, mediante a doação de imóvel, e também do Estado do Rio Grande do Sul. A propósito, em páginas de rede social (Facebook) dos candidatos foi alardeada a participação na inauguração que rotularam como “Mais uma parceria entre a Universidade Feevale e a Prefeitura Municipal de Campo Bom”. Aponto também que os representados estavam tentando a reeleição e são todos Vereadores eleitos para a legislatura 2013/2016 e tiveram participação, como edis, na aprovação da Lei Municipal 4.420/2015 que autorizou a doação do imóvel para integração ao Parque Tecnológico do Vale dos Sinos, atualmente denominado Feevale Techpark, para fins de implantação do Campus III da Universidade Feevale.

 

Portanto, não se tratou de obra estritamente privada, como pretendem fazer crer os representados, e o aporte de recursos públicos confere status de obra público-privada, o que entendo também abranger a vedação contida no art. 77 da Lei das Eleições.

(…)

Portanto, concluo que os fatos alegados na inicial restaram suficientemente demonstrados ao longo da instrução, assim como a repercussão da conduta que, propagada pelas redes sociais, ampliou a capacidade de afetar a igualdade de oportunidades entre os participantes do certame eleitoral, razão pela qual tenho por manter a sentença no que diz respeito ao enquadramento do primeiro fato na hipótese prevista no art. 77 da Lei n. 9.504/97.

 

Por fim, de igual modo, não merece resguardo a irresignação no sentido de que a sanção estabelecida aos embargantes JAIR e ALEXANDRE foi desproporcional.

O art. 77 da Lei n. 9.504/97 estipula que “é proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas” (Redação dada pela Lei n. 12.034, de 2009).

Por sua vez, o parágrafo único do referido artigo dispõe que a “inobservância do disposto neste artigo sujeita o infrator à cassação do registro ou do diploma” (Redação dada pela Lei n. 12.034, de 2009).

Portanto, não há margem para a aplicação de juízo de proporcionalidade em relação à sanção, pois ela é objetiva ao trazer a consequência direta da cassação do registro ou do diploma para aqueles candidatos que incidiram na vedação legal. E esta foi a intenção do legislador.

E, por outro lado, não há como relativizar a configuração da conduta vedada pelo fato de alguns representados terem sido eleitos e outros não, pois a lei e o sistema jurídico não facultam esta hipótese.

Ademais, se assim fosse, não seria isonômico que os candidatos, pelo fato de terem sido eleitos, tivessem contra si uma reprimenda menor do que a aplicada àqueles que não o foram.

Desse modo, nos termos do fundamentado, inexiste vício, no acórdão, a ser sanado por meio dos presentes embargos.

Por fim, quanto ao pedido de prequestionamento, registro que, conforme o art. 1.025 do novo Código de Processo Civil, vigente desde 18 de março de 2016, “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

Ante o exposto, ausentes os vícios elencados no art. 1.022 do Código de Processo Civil, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.

Certifique-se esta decisão nos autos dos recursos de ns. 172-65.2016.6.21.0105, 170-95.2016.6.21.0105, 175-20.2016.6.21.0105 e 171-80.2016.6.21.0105.

Execute-se imadiatamente a presente decisão, independente de publicação.

Comunique-se imediatamente ao Juízo da 105 Zona Eleitoral - Campo Bom.

É como voto, senhora Presidente.