RE - 57328 - Sessão: 17/02/2017 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ROQUE INÁCIO KLEIN contra decisão do Juízo da 20ª Zona Eleitoral que julgou procedente a representação ajuizada pela COLIGAÇÃO TRÊS ARROIOS PARA TODOS, considerando caracterizada a captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Nas razões recursais (fls. 126-146), suscita a nulidade da gravação ambiental realizada sem o consentimento de um dos interlocutores e a nulidade do testemunho de Ilse Festl e Dione Correa, por derivação. No mérito, alega a ausência de dolo específico, sustentando que as eleitoras não tiveram sua liberdade política constrangida, mas sim viabilizada pelo auxílio do recorrente. Argumenta que a eleitora foi conduzida por sua neta no dia da votação. Sustenta a desproporcionalidade das sanções aplicadas e requer a improcedência da representação.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 165-174).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no dia 03.11.2016 (fl. 124); e o apelo, interposto no dia 04 do mesmo mês (fl. 126), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no art. 41-A, § 4º, da Lei n. 9.504/97.

O recorrente alega a ilicitude da gravação ambiental, bem como dos testemunhos de Ilse e Dione, por derivação, pois seriam simples decorrência da mídia ilícita.

Inicialmente, as gravações juntadas aos autos não foram obtidas por meio de interceptação telefônica, meio de prova no qual terceiro estranho aos interlocutores capta a conversa, e que está efetivamente sujeito à reserva judicial, por força do art. 5º, inc. XII, da CF.

Ao contrário, houve a gravação clandestina sem o conhecimento de um dos interlocutores. Nessa hipótese, não há que se falar em necessidade de autorização judicial, pois não há interceptação, e sim gravação por um dos envolvidos no diálogo, porém seu conteúdo pode estar submetido à tutela da intimidade ou privacidade – nos termos do art. 5º, inc. X, da Constituição Federal – quando a conversa em si tratar de temas que mereçam a tutela desses direitos fundamentais.

Nessas hipóteses, de tutela especial da intimidade, nem mesmo o interlocutor poderia testemunhar sobre a conversa, pois o direito fundamental à intimidade preserva o seu conteúdo propriamente dito, e não a gravação em si. Excepcionadas tais situações, é perfeitamente possível a captação de conversas por um dos interlocutores, conforme já definiu o egrégio Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, como se extrai da seguinte ementa:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.

(RE 583.937-QO-RG, Relator Min. CEZAR PELUSO, julgamento em 19.11.2009, Plenário, DJE de 18.12.2009.) (Grifei.)

No caso dos autos, o representado não tratava de nenhum tema especialmente protegido pela privacidade. Ao contrário, a conversa poderia ser reproduzida em audiência por qualquer um dos interlocutores, sem qualquer ofensa à Constituição Federal.

Ademais, como bem pontuou o magistrado, o diálogo ocorreu na residência de Ilse e Dione, “em que a proteção constitucional da intimidade e da privacidade contemplava a esfera individual dessas moradoras, e não dos interlocutores ROQUE KLEIN e ALCEU SCHAFER.” (fl. 119v.). Assim, nenhuma expectativa de privacidade do recorrente foi frustrada.

Lícita, portanto, a gravação juntada aos autos, conforme pacífica posição desta Corte:

Ação Penal. Imputação da prática do crime de corrupção eleitoral. Artigo 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Competência originária deste Regional para o julgamento, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função.

Matéria preliminar afastada. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Entendimento sedimentado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Não evidenciada a inépcia da inicial, vez que clara a descrição dos fatos.

Distribuição de cestas básicas a eleitores em troca de voto. Conjunto probatório frágil quanto à compra de votos narrada na inicial. Prova testemunhal contraditória, embasada em depoimentos de eleitores comprometidos com adversário político, que não conduz à certeza acerca da materialidade dos fatos alegados. Imprescindível, para um juízo de condenação na esfera criminal, a verdade material, alcançada por meio da produção de provas do fato e da respectiva autoria.

Improcedência.

(Ação Penal de Competência Originária n. 46366, Acórdão de 02.12.2015, Relator Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 223, Data 04.12.2015, Página 4.) (Grifei.)

Afasto, assim, a pretensão de reconhecimento da ilicitude da gravação.

Da mesma forma, deve ser afastada a pretendida nulidade do testemunho de Ilse Festl e Dione da Silva por derivação da gravação ambiental.

Primeiro porque a mídia é lícita, conforme exposto acima. Segundo porque o testemunho de Ilse e Dione não deriva da gravação. Pelo contrário, Ilse era interlocutora direta e teria ciência do diálogo mesmo que não existisse a gravação. Trata-se de dois meios de prova distintos, obtidos de forma independente um do outro.

Legítimos, portanto, os testemunhos prestados em juízo.

Quanto ao fato ilícito, Roque Inácio Klein, candidato ao cargo de vereador, foi condenado pela prática de captação ilícita de sufrágio, vedada pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97, em razão da oferta de dinheiro em espécie e uma sapatilha em troca do voto de Ilse Festl.

Reproduzo o texto do art. 41-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

O aludido artigo tem por objetivo proteger a liberdade de escolha do eleitor, vedando que seu voto seja definido ou influenciado pelo oferecimento de bens e vantagens.

Tendo presente o bem jurídico protegido pela norma, veda-se a entrega ou oferta de vantagens especificamente em troca do voto do eleitor. Assim, a jurisprudência não exige pedido expresso de voto, bastando apenas que a entrega de benefícios ocorra com a finalidade específica de obtê-lo, conforme expressamente prevê o § 1º do art. 41-A:

Art. 41-A. [...]

§ 1º. Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

No caso sob análise, ouvindo-se a gravação da conversa entre Dione da Silva, Ilse Festl e Roque Klein (fl. 48), a partir de 35min50 o representado indaga se pode contar com o voto das eleitoras, ao obter confirmação, diz que entregará R$ 100,00 para Dione, para ajudar na gasolina, e uma sapatilha para Ilse.

O representado, após confirmar as benesses, ainda reafirma o compromisso que ambas assumiram e fala a Dione que teria como saber se ela não votasse nele:

Roque: Mas então vocês acham que podem me ajudar ou não? Dione?

Dione: Vamos:

Roque: Eu vou te ajudá com cem pila de gasolina e a vó vou dar um presente, uma moleca então. Pode ser?

Dione: pode, pode.

Roque: Tu quer o dinheiro hoje ou depois?

Dione: tanto faz.

Roque: Eu, pra mim é de palavra, mas quero que vocês são também. Como vocês são, eu vou dar cem pila então pra ti hoje, e daí tu sabe o compromisso, tu vota em Santo Antônio, lá eu sei se eu faço voto é teu, senão eu venho pe...como diz o outro, senão o negreto vem te pegá. Certo. Mas óia, quieto, isso aí nem fala pra tua filha, nem fala pra tua filha lá, a Ieda, senão daqui a pouco o Alceu fica sabendo, daí sabe como é.

Após acertarem a oferta, a eleitora Ilse diz preferir receber dinheiro também, pois não podia usar calçado em razão de um problema no pé. O representado, então, muda a oferta, entregando R$ 100,00 também para Ilse, reafirmando o compromisso:

Ilse: Mas em também preferia dinheiro, porque eu não posso mais botá calçado fechado.

[…]

Roque: Bom, eu vou dar mais cem pila então, pra cada um. Pra mim cem mais ou menos, eu preferia calçado, não me custa tão caro, mas daí eu dou cem pila, só que daí é certo.

O valor é entregue a uma das eleitoras. Dione, professora municipal, chega a dizer: “eu só espero que daí me ajude, né?”, e Roque novamente afirma o compromisso de Dione: “Sim, nós vamos dar um jeito depois, e tu sabe que aqui é teu compromisso agora.”.

Os fatos são confirmados em juízo por Dione e por Ilse (fl. 87).

Verifica-se tanto por seus testemunhos quanto pela gravação acima transcrita que Roque busca saber se pode contar com o voto das eleitoras e, tão logo obteve a confirmação, anunciou as benesses que entregaria, reafirmando em seguida o compromisso de Ilse e Dione.

O diálogo demonstra que os R$ 100,00 e a sapatilha – substituída logo em seguida por mais R$ 100,00 – foram entregues de forma condicionada ao voto das eleitoras, caracterizando a conduta descrita no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Nem se afirme que o valor entregue se destinava a viabilizar o deslocamento das eleitoras para o exercício do direito de sufrágio, arcando com os custos da gasolina, pois R$ 100,00 gastos em combustível, notoriamente, permitem uma viagem bem maior do que o mero deslocamento a uma seção eleitoral, sem falar do outro montante de R$ 100,00, acertados posteriormente.

Verifica-se, portanto, que está demonstrado (I) o pedido do voto das eleitoras, realizado momentos antes da entrega dos valores, (II) a entrega de R$ 200,00 a Dione e Ilse, e (III) o especial fim de agir para captar-lhes o voto, evidenciado pela constante confirmação do compromisso delas após a benesse, circunstâncias aptas a configurar a captação ilícita de sufrágio, motivo pelo qual deve ser confirmada a sentença condenatória.

No tocante à alegada desproporcionalidade das sanções aplicadas, não há reparos a fazer na sentença.

A cassação do registro ou diploma é penalidade de incidência obrigatória, com a qual é sancionado o candidato pela simples prática da captação ilícita de sufrágio, sem a necessidade de se indagar sobre a maior ou menor gravidade de sua conduta, conforme pacífica jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2004. CONDUTA VEDADA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. REALIZAÇÃO DE NOVO PLEITO. ELEIÇÕES INDIRETAS. PROVIMENTO.

[...]

4. Uma vez reconhecida a captação ilícita de sufrágio, a multa e a cassação do registro ou do diploma são penalidades que se impõem ope legis. Precedentes: AgRg no RO nº 791/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 26.8.2005; REspe nº 21.022/CE, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 7.2.2003; AgRg no REspe nº 25.878/RO, desta relatoria, DJ de 14.11.2006.

[...]

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 27737, Acórdão de 04.12.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 01.12.2008, Página 37.)

Da mesma forma, não se verifica desproporção na sanção pecuniária aplicada, de 8.000 UFIR.

A multa prevista no art. 41-A varia de mil a cinquenta mil UFIR e mostra-se bem dimensionada para o caso em tela, em que dois eleitores foram cooptados, inclusive com a efetiva entrega de valores a eles.

Quanto ao pleito ministerial de readequação do valor da multa, verifica-se que a sentença utilizou a UFIR, unidade de medida empregada pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97, em vez de seu equivalente valor em Reais, R$ 8.512,80, o que não representa nenhuma irregularidade ou equívoco, sendo despicienda a sua adequação.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, determinando as seguintes providências:

a) Roque Inácio Klein deverá ser excluído da lista de eleitos, e, por força do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, os votos a ele conferidos devem ser computados para a agremiação pela qual concorreu, devendo-se empossar o primeiro suplente do partido.

b) Após transcorrido o prazo para embargos de declaração ou julgados os aclaratórios eventualmente opostos, comunique-se à Zona Eleitoral para cumprimento do acórdão.

c) Transitada em julgado a decisão, efetue-se o registro da existência de inelegibilidade perante o sistema de informações da Justiça Eleitoral.