RE - 26523 - Sessão: 19/12/2016 às 14:00

RELATÓRIO

BEATE SIRLEI PETRY, reeleita vereadora do Município de Tuparendi nas eleições 2016, interpõe recurso contra sentença que julgou procedente a ação de investigação judicial eleitoral proposta pela COLIGAÇÃO SOMOS TODOS TUPARENDI (PP - PTB - PSB), para o fim de cassar o seu registro de candidatura e declarar sua inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes ao pleito. A coligação argumenta que houve prática de abuso de poder econômico mediante doações em dinheiro, realizadas entre os meses de maio e junho do ano da eleição, que serviram como premiação de rifas comunitárias, com divulgação do nome “Escritório de Advocacia de Beate Petry” nos blocos de rifa, e patrocínio de festas de diversas comunidades.

O juízo sentenciante considerou que a representada é advogada e já ocupava o cargo de vereador, pois concorria à reeleição em Tuparendi, circunstâncias que levam a crer o seu conhecimento sobre a impossibilidade de realizar, no ano da eleição e às vésperas do início do processo eleitoral, doações em dinheiro, divulgadas publicamente e em benefício de festividades e rifas de comunidades interioranas, integradas por centenas de pessoas. Referiu que o fato de o repasse de valores ter sido realizado em nome do Escritório de Advocacia de Beate Petry não exclui a ilegalidade, pois não se pode afastar sua condição de apoiadora ou patrocinadora, pois o escritório não existe sem a pessoa da advogada Beate Petry, que é quem, ao final, toma as decisões, inclusive a de efetuar as doações e de divulgar o nome. Apontou que as doações atreladas à publicidade atribuída ao nome Beate Sirlei Petry estavam presentes em centenas de cartões de rifa, cujas vendas ocorreram justamente durante o desenrolar do período eleitoral, pois os sorteios foram aprazados para os dias 25.9.2016, 23.10.2016, 06.11.2016 e 13.11.2016. Entendeu que seu nome foi relacionado a causas de grupos de pessoas compostos por dezenas ou centenas de eleitores, criando uma relação de proximidade entre os grupos patrocinados e a candidata patrocinadora, que se converteu em inequívoco proveito eleitoral. Salientou que conclusão pela licitude da conduta imputada ratificaria postura incompatível com a lisura do pleito e a isonomia entre os candidatos, abrindo-se perigoso precedente a sugestionar reprodução dos fatos em pleitos vindouros, impondo-se o juízo condenatório.

Em suas razões, sustenta que o ato de patrocinar festas comunitárias mediante doações em dinheiro não está descrito na LC n. 64/90 como abuso de poder. Afirma que as comunidades de Tuparendi entram em contato com diversas pessoas físicas e jurídicas para realizar ações entre amigos, pedindo doações e, ao final, inserindo o nome dos doadores nos blocos de rifa. Pondera que as doações foram realizadas antes do período eleitoral e não pessoalmente, mas por seu escritório de advocacia, sendo que todas as festas relacionadas aconteceriam depois das eleições. Juntou bilhetes de “ações entre amigos” de anos anteriores (fls. 180-182) e invocou a prova testemunhal, asseverando que as doações independem do ano eleitoral. Menciona que a sentença desconsiderou as declarações das testemunhas, uníssonas ao afirmar que as doações às comunidades não foram feitas com finalidade eleitoral. Aponta que a distribuição dos bilhetes de rifa não caracteriza propaganda eleitoral, haja vista que, sequer de forma dissimulada, se prestam a veicular qualquer ação política, não havendo alusão à candidatura, partido político, coligação, nem pedido de votos. Diz que as datas dos sorteios são mero exaurimento da programação, sem qualquer intervenção da recorrente nesta definição. Aduz que não há como relacionar a quantidade de talões de rifa a um número de votos. Menciona que, na eleição deste ano, a recorrente obteve 498 votos, ou seja, 13 a mais do que os obtidos na eleição de 2012 (485 votos), o que demonstra uma votação linear e estável, sem oscilação de maior relevo para quem teria supostamente abusado do poder. Acrescenta que, nas comunidades onde se realizaram os eventos, recebeu votação menor em comparação com os números do pleito anterior. Argumenta que a condenação exige prova robusta do ilícito, mas que, no caso, a condenação decorreu de meras presunções utilizadas para caracterizar a gravidade. Requer a reforma da sentença para ser julgada improcedente a ação, com o afastamento das penalidades impostas.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se, preliminarmente, pelo desentranhamento dos documentos juntados com o recurso e, no mérito, pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes (relator):

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, cumpre analisar a preliminar de desentranhamento dos documentos juntados com o recurso suscitada no parecer ministerial.

A Procuradoria Regional Eleitoral aponta que a recorrente instruiu o apelo com documentos às fls. 178-182 (cartão de visita do escritório de advocacia da recorrente, santinhos de sua campanha eleitoral e material gráfico de apoio e copatrocínio de eventos festivos da comunidade de Tuparendi de anos anteriores).

Afirma que a hipótese é de desentranhamento, uma vez que o art. 266 do Código Eleitoral somente permite a possibilidade de juntada de novos documentos na instância recursal, o que não é o caso dos autos, pois a prova não trata de documentos novos, tendo tido a recorrente a oportunidade de juntá-los com a instrução, momento oportuno para a dilação probatória.

De fato, não podem as partes, após já instruído o feito, anexar documentos que estiveram ao seu alcance em momento anterior, não configurando documentos novos, tendo em vista que a sua análise representaria verdadeira supressão de instância.

Aplica-se à questão o art. 435 do CPC:

Art. 435. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.

 

Parágrafo único. Admite-se também a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte de acordo com o art. 5o.

Assim, acolho a preliminar, não conheço dos documentos juntados com a petição recursal e determino o seu desentranhamento dos autos (fls. 178-182), devendo permanecer em secretaria para retirada pela parte ou seu procurador pelo prazo de 10 (dez) dias, com descarte após esgotado o prazo.

No mérito, cumpre analisar as razões de reforma da decisão.

O primeiro argumento recursal refere-se à impossibilidade de condenação por prática de abuso de poder em virtude de atos praticados antes da realização das convenções partidárias destinadas à escolha dos candidatos, ou seja, antes do início do período eleitoral, quando a recorrente era mera vereadora e pré-candidata à reeleição.

Não obstante a insurgência, a tese foi enfrentada pelo TSE em diversos precedentes e encontra-se superada, havendo iterativa jurisprudência no sentido de que se admite a ação de investigação judicial eleitoral, fundada no art. 22 da LC n. 64/90, que tenha como objeto abuso ocorrido antes da escolha e registro do candidato:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2002. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ART. 22, LC N.º 64/90. PROPAGANDA. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. FATO OCORRIDO ANTES DO REGISTRO. IRRELEVÂNCIA. RECURSOS IMPROVIDOS. I - Admite-se a ação de investigação judicial eleitoral, fundada no art. 22 da LC n.º 64/90, que tenha como objeto abuso ocorrido antes da escolha e registro do candidato (REspe n.ºs 19.502/GO, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 1º.4.2002, e 19.566/MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ de 26.4.2002). II - O inciso XIV do art. 22 da LC n.º 64/90 não exige a formação de litisconsórcio passivo necessário entre o representado e aqueles que contribuíram com a realização do abuso. ™ AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL ™ TRE-CE/SJU/COSEJ/SEJUL 5 (TSE, Recurso Ordinário n.º 722, de 15.6.2004, Rel. Min. Peçanha Martins).

 

Investigação judicial. Abuso de poder. Publicidade institucional. Calendários. 1. A jurisprudência é pacífica no que tange à possibilidade de apuração de fatos abusivos, ainda que sucedidos antes do início da campanha eleitoral ou do período de registro de candidatura. [...] 4. A circunstância de que não haver elemento identificador de pessoa ou partido político não torna, por si só, legítima publicidade institucional que eventualmente pode conter distorção e estar favorecendo indevidamente ocupante de cargo político. Agravo regimental a que se nega provimento. (TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n.º 12.099, de 15.4.2010, Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares.)

Portanto, os fatos praticados antes das convenções relativas aos registros de candidatura, que caracterizem as infrações previstas no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, ainda que realizados muito antes do processo eleitoral, podem ser apurados através de investigação judicial eleitoral.

Os demais argumentos recursais merecem análise conjunta.

A recorrente aponta terem sido desprezadas, pela sentença condenatória, a anterioridade e a periodicidade com que seu escritório de advocacia participava das ações entre amigos de Tuparendi, uma vez ter comprovado o fato de que, em outros anos e regularmente, foram praticados os mesmos atos ora impugnados.

Para corroborar a alegação, pondera que a prova testemunhal, consubstanciada nos testemunhos de Adilson Gilberto Farias, Egon Kelm, Marciane Lurdes Dall Alba Brun e Delmino Grechi, foi uníssona em referir que a recorrente realiza tais doações praticamente todos os anos e há mais de 15 anos.

Afirma, também, que tais testemunhas narraram que a recorrente não pediu votos e os repasses de valores não foram realizados em troca de votos, pois o Escritório de Advocacia Beate Petry não é um doador preferencial ou exclusivo das ações entre amigos, pois outros escritórios de advogados, empresas, hotéis, laboratórios e o comércio local são igualmente apoiadores do projeto.

Essas circunstâncias evidenciariam a ausência de interesse eleitoral no agir da recorrente, pois o nome de seu escritório estaria diluído entre os demais doadores e porque não constou nos bilhetes de rifa qualquer alusão à candidatura, partido político ou coligação, situação que não caracteriza os documentos como propaganda eleitoral.

No entanto, apesar de todas as ponderações apresentadas pela recorrente, e com olhos postos nos bilhetes de rifa das fls. 13 a 16 dos autos, considero que, por mais genuína que fosse a generosidade dos repasses financeiros, e ainda que tenham sido realizados com desapego ao pleito que se avizinhava e sem qualquer pretensão relacionada ao processo eleitoral e às eleições, não há como desvincular o ato do seu inegável proveito político.

Pratica abuso de poder pela influência do poder econômico o pré-candidato que insere capital na economia do eleitorado o qual planeja conquistar em futura eleição, pois tal agir quebra a isonomia entre os candidatos, sendo vedado que os futuros postulantes ao pleito demonstrem generosidade financeiramente para com os eleitores.

A demonstração de preocupação com as causas dos menos favorecidos e suas necessidades enquanto marginalizados a partir do repasse de valores, seja por intermédio da pessoa física da vereadora Beate Petry, seja por meio do Escritório de Advocacia de Beate Petry, é prática vedada de influência do poder econômico, que é justamente a hipótese de abuso de poder que a Lei das Inelegibilidades visa coibir.

De acordo com o art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90, para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

A gravidade exigida como condição para a condenação se faz presente.

Para caracterizar infração, não é necessário apenas verificar o animus do candidato beneficiado, sua finalidade, sua vontade de influenciar a intenção de voto do eleitor, pois tal configuração demanda aferir a capacidade do ato de quebrar a isonomia e a igualdade entre os demais concorrentes ao pleito, os outros candidatos que não fazem uso do poder econômico para demonstrar ou realçar suas características e qualidades como o melhor indicado para ocupar o cargo eletivo.

É justamente sob esse aspecto que a conduta de doar valores em espécie para grupos de pessoas que organizam rifas a serem vendidas à população em geral em campanhas de solidariedade, como ocorre no tipo de prática de arrecadação de recursos desempenhada pelo projeto ação entre amigos, deve ser considerado.

A doação atrelada ao nome da vereadora pré-candidata à reeleição certamente possui o condão de configurar prática abusiva tendente a desequilibrar a isonomia de condições entre os candidatos. No caso, a reprovação fica mais relevante porque a recorrente exercia o cargo de vereadora e estava em pleno exercício do mandato parlamentar, sendo óbvia candidata à reeleição e manifesta a vantagem que obtinha ao agraciar os grupos comunitários do seu pequeno município.

Ademais, nos bilhetes de rifa em que a doação em dinheiro realizada pelo Escritório de Advocacia de Beate Petry é divulgada, constam a data dos sorteios em período muito próximo às eleições, que se realizam em outubro: 25.09.2016 (Comunidade São Pedro), 23.10.2016 (Comunidade Três Mártires), 06.11.2016 (Comunidade Evangélica da Paz de São Roque) e 13.11.2016 (Festa da Padroeira Nossa Senhora da Saúde 2016).

Inequívoca a simpatia angariada com o número indeterminado de pessoas que tomou conhecimento sobre a generosidade vinculada ao seu escritório de advocacia e ao seu nome, atrelando a recorrente, em última análise, a causas nobres, solidárias e caridosas.

Sabemos que não é agradável, mas os pré-candidatos, quando instados a contribuir financeiramente com seus simpatizantes, eleitores e futuros eleitores, devem estar preparados a explicar que não podem efetuar repasse de recursos ou vincular seu nome ou de eventuais empresas a qualquer ato de caridade que possa torná-lo mais visado no momento do pleito. É vedada a associação de candidatura ou pré-candidatura à capacidade financeira, ainda que esteja dirigida a destinar valores para ajudar o próximo.

É claro que a maior parte dos eleitores esperam de um parlamentar a preocupação para com o povo, o bem comum, o bem-estar social, a edição e aprovação de leis que objetivem melhorar a vida dos legislados. Um político ocupado com causas sociais tem muito mais chance de vitória do que aquele que se ocupa apenas com parcela do eleitorado ou com os interesses dos mais abastados.

Mas essa característica pessoal, que certamente é vista como qualidade pela maior parte da população na hora de depositar seu voto, ou melhor, digitar seu voto na urna, não pode estar atrelada ao poder econômico.

Conforme muito bem assinalou a juíza sentenciante, que com maestria aquilatou não somente à prova dos autos, os fatos narrados e todas as teses defensivas mas, mais que isso, demonstrou com eloquência invejável a razão pela qual a conduta praticada pela vereadora não é permitida, seja no período eleitoral, seja no começo do ano da eleição.

Merece transcrição o seguinte excerto da bem-lançada sentença, que adoto como razões de decidir:

Com efeito, o simples fato de se doar dinheiro, em pleno ano eleitoral, inclusive na véspera do início do processo eleitoral, para causas relativas a grupos de pessoas compostos por dezenas ou centenas de eleitores, como ocorre nos casos dos autos, cria efetivamente uma relação de proximidade entre os grupos patrocinados e a candidata patrocinadora, revertendo evidentemente proveito eleitoral. Sinale-se que gravidade da conduta não esteja talvez propriamente na doação de dinheiro em si, mas na doação atrelada à publicidade atribuída ao nome da representada Beate Sirlei Petry em centenas de cartões de rifa, cujas vendas ocorreram justamente durante o desenrolar do período eleitoral, pois os sorteios foram aprazados para os dias 25/09/2016, 23/10/2016, 06/11/2016 e 13/11/2016.

Quer dizer, muito embora a doação em dinheiro possa ter ocorrido pouco antes do registro da candidatura, a circulação dos cartões, com referência expressa ao nome da candidata representada, ocorreu justamente no calor da disputa eleitoral.

De se observar, também, que a alegação de que a doação teria sido feita pelo Escritório de Advocacia de Beate Petry, e não pela advogada, vereadora e candidata à reeleição Beate Petry constitui mero jogo de palavras, primeiro porque o escritório não possui personalidade jurídica própria; e segundo porque, sendo o serviço de advocacia, no caso da representada, prestado em caráter pessoal, não há como dissociá-lo da pessoa da profissional, que, fique bem claro, é candidata à reeleição.

Quer dizer, o Escritório não existe sem a pessoa da Advogada Beate Petry, que é quem, ao final, toma as decisões, inclusive a de efetuar as doações e de divulgar seu nome, de sorte que a doação e a propaganda dela decorrente somente podem ser por obra da pessoa, que é sabidamente identificada, em um município de pequeno porte, como é o caso de Tuparendi, como vereadora, advogada e candidata à reeleição.

Além disso, convém repetir que os milhares de cartões que anunciaram explicitamente o nome da representada Beate Sirlei Petry como patrocinadora e apoiadora de eventos das comunidades circularam (foram vendidos) durante o processo eleitoral, o que constitui evidente forma de propaganda irregular, que tem potencial para criar simpatia entre a candidata e centenas de eleitores.

Apenas para citar exemplos, no caso da Ação Entre Amigos da Comunidade São Pedro, foram impressos, no mês de agosto de 2016, ou seja, em pleno período eleitoral, um total de 2.450 cartões, os quais foram vendidos até o dia 25/09/2016, dia do sorteio; e, no caso da Ação Entre Amigos da Festa da Padroeira da Nossa Senhora da Saúde 2016, da Comunidade Cinquentenário, foram impressos 12.600 cartões, no mês de setembro de 2016, passando a circular, portanto, também em pleno processo eleitoral.

Então, o que se discute nestes autos é a possibilidade, ou não, de que um candidato a cargo eletivo, em ano eleitoral, por intermédio da doação de dinheiro, veicule sua imagem como patrocinador ou apoiador de eventos comunitários, por meio da divulgação do nome pelo qual concorre em cartões de rifa, cuja circulação ocorrerá durante o desenrolar do processo eleitoral.

Ora, considerando que toda a principiologia das últimas reformas eleitorais converge no sentido da redução da influência do poder econômico nas eleições, a compreensão do Ministério Público Eleitoral, em primeiro grau, é no sentido de que as doações em dinheiro feitas por candidatos a cargos eletivos em ano eleitoral devem ser vistas com reservas, mormente quando vinculadas a métodos de propaganda eleitoral imprópria, como a constatada no caso dos autos, travestida de informação de patrocínio ou apoio em cartões de rifa, que circularam durante o período eleitoral. Afinal, não tivesse a representada uma intenção de realizar marketing pessoal, ou seja, não desejasse ela a visibilidade decorrente da condição de patrocinadora ou apoiadora de eventos comunitários em pleno ano eleitoral, que efetuasse a doação de forma anônima, não promovendo a vinculação de seu nome, por intermédio da doação de dinheiro, a causas capazes de gerar simpatia em grande parcela do eleitorado, na iminência da eleição.

A atuação da representada, que, por ser advogada, possui conhecimento jurídico, foi, portanto, temerária, imprudente, demasiadamente arriscada sob o ponto de vista eleitoral, apresentando, assim, gravidade suficiente para configurar abuso de poder e autorizar a procedência da investigação judicial eleitoral.

Nessa linha, necessário observar que, no Município de Tuparendi, havia, neste último pleito, 6.981 eleitores aptos a votar, e que o candidato com maior número de votos, que, no caso, é a própria representada Beate Sirlei Petry, elegeu-se com 498 votos, o que corresponde a 7,13% do eleitorado.

Ora, ao se examinar o Resultado de Votação por Seção (fl. 92, 129 e 132), verifica-se que a representada teve votação considerável em todos os locais de votação relacionados com as comunidades em favor das quais patrocinou ou apoiou eventos.

Apenas nas localidades de Cinquentenário, São Roque, São Marcos, onde votam os eleitores integrantes da Comunidade São Pedro, Comunidade Três Mártires, Comunidade Evangélica da Paz e Comunidade Cinquentenário, a representada Beate Sirlei Petry recebeu 60 votos, o que corresponde 12,04% da sua votação total de 498 votos (fl. 92). Isso tudo sem considerar que as festividades atraem pessoas de todo Município de Tuparendi, por onde certamente circularam os milhares de cartões de rifa com referência ao nome da candidata como patrocinadora ou apoiadora.

Por fim, não socorre à recorrente a apresentação de cálculos sobre o somatório de votos obtidos, na última eleição e nas anteriores, nas seções eleitorais que teriam sido atingidas pelos atos praticados, o cotejo do aumento ou diminuição da votação, ou o seu incremento.

A tese há muito encontra-se superada no âmbito da Justiça Eleitoral, no raciocínio de que, se fossem necessários cálculos matemáticos, seria impossível que a ação fosse julgada antes da eleição do candidato, que é, aliás, o mais recomendável, visto que o inc. XIV do art. 22 da LC n.64/90 prevê, até mesmo, o efeito de cassar o registro de candidatura.

Nesse sentido os seguintes precedentes do TSE:

Investigação judicial. Art. 22 da LC nº 64/90. Abuso do poder político. Prefeito. Candidata a deputada estadual. Máquina administrativa. Utilização. Cartazes. Convites. Eventos. Municipalidade. Patrocínio. Mochilas escolares. Distribuição. Posto médico. Jalecos. Nome e número da deputada. Divulgação.

Abuso do poder político. Configuração. Cálculos matemáticos. Nexo de causalidade. Comprovação da influência no pleito. Não-cabimento.

Potencialidade. Caracterização.

1. Para a configuração de abuso de poder, não se exige nexo de causalidade, entendido esse como a comprovação de que o candidato foi eleito efetivamente devido ao ilícito ocorrido, mas que fique demonstrado que as práticas irregulares teriam capacidade ou potencial para influenciar o eleitorado, o que torna ilegítimo o resultado do pleito.

2. Se fossem necessários cálculos matemáticos, seria impossível que a representação fosse julgada antes da eleição do candidato, que é, aliás, o mais recomendável, visto que, como disposto no inciso XIV do art. 22 da LC nº 64/90, somente neste caso poderá a investigação judicial surtir os efeitos de cassação do registro e aplicação da sanção de inelegibilidade.

(RECURSO ORDINÁRIO n. 752, Acórdão n. 752 de 15.6.2004, Relator Min. FERNANDO NEVES DA SILVA, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 06.8.2004, Página 163 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 15, Tomo 2, Página 111.)

 

1. RECURSO CONTRA A EXPEDICAO DE DIPLOMA. PREFEITO ELEITO EM CHAPA SEM CANDIDATO A VICE-PREFEITO, DECLARADO INELEGIVEL. INELEGIBILIDADE (CONST., ART. 14, PARAGRAFO 5).

(...)

2. ABUSO DE PODER ECONOMICO E DE AUTORIDADE. INVESTIGACAO JUDICIAL PROPOSTA POR PARTIDOS POLITICOS CONTRA O PREFEITO E O EX-PREFEITO, ENTAO CANDIDATO A VICE-PREFEITO (LEI COMPLEMENTAR N. 64/90, ART. 22). ACORDAO QUE REFORMOU A SENTENCA QUE DERA PELA SUA PROCEDENCIA.

2.1. REVALORACAO DA PROVA ADMITIDA EM RECURSO ESPECIAL. PARA TANTO TEM-SE PRESENTE QUE OS VALORES DE "NORMALIDADE E LEGITIMIDADE DAS ELEICOES" E DE PRESERVACAO DO "INTERESSE PUBLICO DE LISURA ELEITORAL", TUTELADOS NA CONSTITUICAO (ART. 14, PARAGRAFO 9) E NA LEI DE INELEGIBILIDADE (ART. 19, PARAGRAFO UNICO E ART. 23, "IN FINE"), SAO DIREITOS COLETIVOS FUNDAMENTAIS PERTINENTES A EFICACIA SOCIAL DO REGIME DEMOCRATICO REPRESENTATIVO (ACORDAO N. 13.428 E ACORDAO N. 13.434, RELATOR MIN. JARDIM, 4 E 11.05.93).

2.2. IRRELEVANTE O CALCULO ARITMETICO PARA DEMONSTRACAO DE VANTAGEM QUANTITATIVA EM VOTOS AUFERIDA DIRETAMENTE POR QUEM PRATIQUE, EM FAVOR PROPRIO OU DE TERCEIRO, ATOS QUE CONFIGUREM O ABUSO DE PODER ECONOMICO OU DE AUTORIDADE.

ESSENCIAL E, EXCLUSIVAMENTE, A CONDUTA CONTRARIA AO CANONE CONSTITUCIONAL.

DECISAO POR MAIORIA.

3. ABUSO DE PODER ECONOMICO E DE AUTORIDADE. BENEFICIO DE TERCEIRO. "(...) NEM O ART. 14, PARAGRAFO 10 (DA CONSTITUICAO), NEM O PRINCIPIO DO "DUE PROCESS OF LAW", AINDA QUE SE LHE EMPRESTE O CONCEITO SUBSTANTIVO QUE GANHOU NA AMERICA DO NORTE, SUBORDINAM A PERDA DO MANDATO A RESPONSABILIDADE PESSOAL DO CANDIDATO ELEITO NAS PRATICAS VICIOSAS QUE, COMPROMETENDO O PLEITO, A DETERMINEM" (ACORDAO N. 12.030, MIN. PERTENCE, DJU 16.09.91).

(...)

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 11841, Acórdão n. 11841 de 17.5.1994, Relator Min. TORQUATO LORENA JARDIM, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 05.8.1994, Página 19346 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 6, Tomo 3, Página 136.)

Com essas considerações, o juízo condenatório, que sabemos grave, forte e contundente, na hipótese dos autos, é a única solução para a falta cometida pela candidata, fossem ou não intencionais os atos ora analisados, tivesse a vereadora, ou não, consciência de que estava prejudicando a igualdade de oportunidade entre os seus demais adversários na eleição proporcional.

 

ANTE O EXPOSTO, acolho a preliminar para não conhecer dos documentos juntados com a petição recursal, determinando o seu desentranhamento dos autos (fls. 178-182) e, no mérito, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto, para manter a sentença que cassou o registro de candidatura de BEATE SIRLEY PETRY, devendo ser cancelado o diploma se já estiver expedido, bem como declaro sua inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição, e, por consequência, determino que os votos que lhe foram conferidos na eleição municipal de 2016 sejam computados para a COLIGAÇÃO MUDANÇA E DESENVOLVIMENTO - PDT/PT/PMDB/PSDB, pela qual concorreu (TSE - AgR-REspe: 74918 RS, Relator: Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 29.4.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 97, Data 27.5.2014, Página 70/71), ante o contido no parágrafo 4º do art. 175 do Código Eleitoral.

Decorrido o prazo para oposição de embargos de declaração ou, acaso opostos, após a publicação do respectivo acórdão, comunique-se, para o devido cumprimento, o inteiro teor desta decisão ao juízo a quo e,  tendo em vista que a recorrente deverá ser excluída da lista de eleitos, deve ser empossado o primeiro suplente da referida coligação, observando-se o que segue:

a) os documentos das fls. 178-182 deverão permanecer em Secretaria para retirada pela parte ou seu procurador pelo prazo de 10 (dez) dias, com descarte após esgotado o prazo;

b) independente do trânsito em julgado, pois eventual recurso não terá efeito suspensivo (Código Eleitoral, art. 257, caput), deverão ser efetuados os lançamentos no SADP e Apollo Sanções, haja vista que a presente decisão produz efeitos imediatos, devendo ser excluído o nome da recorrente da lista oficial de resultados das eleições proporcionais de 2016 no Município de Tuparendi;

c) transitada em julgado a decisão, efetue-se o registro da existência da presente condenação perante o sistema de informações da Justiça Eleitoral em relação à candidata, para fins do disposto no art. 1º, inc. I, al. "d", da Lei Complementar n. 64/90 e, após, arquivem-se os autos.

 

Dr. Luciano André Losekann: Acolho o pedido feito na manifestação oral do ilustre Procurador Regional Eleitoral, no sentido de representar junto à Ordem dos Advogados do Brasil em face da conduta da representada no exercício da advocacia.

 

Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy: Acompanho a manifestação da Procuradoria.

 

(Os demais julgadores acompanharam integralmente o relator, sem a ressalva manifestada pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral.)