RE - 36056 - Sessão: 06/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

A COLIGAÇÃO JUNTOS PODEMOS MAIS (PP, PDT e PCdoB) interpõe recurso em face da sentença de fls. 13-20, que indeferiu a inicial por reconhecer a manifesta improcedência da ação, nos termos do art. 22, I, "c", da LC n. 64/90.

Em suas razões, a recorrente argumenta que requereu a produção de diversos elementos de prova, os quais, no seu entendimento, seriam suficientes para comprovar uso indevido do poder de autoridade pelo representado. Alega que relatou fatos e circunstâncias que indicam abuso do poder político, uso da máquina pública e abuso do poder de autoridade, atendendo, portanto, aos requisitos do art. 22 da LC n. 64/90. Sustenta que os fatos narrados na inicial são graves e têm potencial para desequilibrar o pleito. Assevera que a decisão que julgou inepta a inicial confunde-se com decisão de mérito, pois analisou as provas e fatos sem, contudo, oportunizar a produção das provas requeridas, em clara afronta aos princípios previstos nos incs. LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal. Sustenta o enquadramento dos fatos narrados na inicial na hipótese inscrita no art. 74 da Lei n. 9.504/97 e o cabimento da sanção nele prevista, qual seja, cancelamento do registro ou do diploma. Requer a reforma da decisão de 1º grau e a determinação de prosseguimento da representação em face de LAURIANO ÁRTICO, para que seja determinada a cassação do seu registro de candidatura (fls. 23-33).

Sem contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela decretação de nulidade da sentença, com a remessa dos autos à origem para que seja dado regular processamento ao feito, na forma do art. 22 da LC n. 64/90, devendo aquele juízo converter o feito em diligência, oportunizando ao autor da representação a emenda da inicial para requerimento de inclusão de Raquel de Fátima Molossi Cechin na condição de correpresentada, bem como do candidato a vice-prefeito, em virtude do princípio da unicidade da chapa majoritária (fls. 38-41v.).

É o relatório.

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

Adianto que, na minha compreensão, assiste razão à Procuradoria Regional Eleitoral ao opinar pela nulidade da sentença, com a remessa dos autos à origem para que seja dado regular processamento ao feito, na forma do art. 22 da LC n. 64/90.

O presente recurso versa sobre representação ajuizada pela Coligação Juntos Podemos Mais (PP-PDT-PCdoB), visando a apuração de suposta prática de abuso de poder político ou de autoridade em face de Lauriano Ártico, com fundamento no art. 37, § 1º, da Constituição Federal, art. 74 da Lei n. 9.504/97 e art. 22 da Lei Complementar n. 64/90.

De fato, observa-se que a inicial narra fatos e circunstâncias e traz indícios do cometimento de abuso de poder político e de autoridade, razão pela qual mostra-se indispensável a adequada instrução da ação de investigação judicial eleitoral, considerada a necessidade de se examinar com percuciência a gravidade das circunstâncias configuradoras do ato abusivo, o que resultou inviabilizado em razão do indeferimento da inicial.

E esse é o entendimento do bem-lançado parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral, o qual a seguir transcrevo, e ao qual adiro, adotando-o, em parte, também como razões de decidir:

No caso dos autos, a coligação representante narrou que o candidato representado, no dia 17 de agosto de 2016, quarta-feira, às 10 horas, na sala de reuniões das agentes de saúde, junto à Unidade Sanitária (Posto de Saúde) da cidade de Paraí, ingressou e participou de uma reunião de trabalho, em expediente das agentes de saúde do Município de Paraí-RS. Narrou, ainda, que a coligação do candidato representado, LAURIANO ÁRTICO, governa o município desde 2005 e que o representado teria se utilizado da máquina pública para acessar as agentes de saúde em horário de trabalho, tendo em vista que a atual Secretária Municipal de Saúde, Raquel de Fátima Molossi Cechin, foi nomeada pelo candidato representado.

A coligação recorrente enfatizou que as agentes de saúde fazem obrigatoriamente uma visita por mês a todas as famílias do município, o que acaba interferindo na escolha dos eleitores, mormente tendo em vista as promessas feitas às agentes de saúde na ocasião da reunião em comento.

Estão presentes, portanto, indícios suficientes de abuso de poder político/autoridade, capaz de gerar desequilíbrio no pleito.

Além disso, a coligação representante indicou, na inicial, provas que pretende produzir, para o fim de demonstrar o ilícito, tais como a oitiva de 4 testemunhas, todas agentes de saúde no município de Paraí, bem como a produção de prova documental, merecendo destaque o pedido de juntada das Portarias n. 24 de 03 de janeiro de 2005, 173/2012, de 05 de abril de 2012 e 174, de 1º de abril de 2016, que nomearam a Sra. Raquel de Fátima Molossi Cechin, respectivamente, Diretora dos Serviços de Assistência Social e Secretária Municipal de Saúde por duas vezes.

Dessa forma, a nulidade da sentença é medida que se impõe, eis que afronta ao princípio do devido processo legal.

Veja-se que, para certificar a ocorrência ou não do propalado abuso de poder político e/ou uso da máquina pública, é indispensável a adequada instrução da ação de investigação judicial eleitoral, considerada a necessidade de examinar-se com percuciência a gravidade das circunstâncias configuradoras do ato abusivo, o que resultou inviabilizado em razão do indeferimento da inicial.

Importante ressaltar que o art. 22 da Lei n.º 64/90 não prevê a exigência de apresentação de prova pré-constituída, ao contrário, basta que a inicial indique provas e indícios, a fim de que se determine a abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso de poder de autoridade.

Assim, a análise da potencialidade do ato quanto a sua influência direta no resultado do pleito depende do regular processamento da investigação judicial, oportunidade em que então, a partir das provas produzidas, se fará juízo de mérito acerca da gravidade das circunstâncias que caracterizam o ato dito abusivo, tendo em vista o bem jurídico protegido na AIJE, qual seja, a lisura e normalidade da eleição.

Não se olvida que a cassação do registro ou do diploma, pela gravidade da sanção, somente deve ser aplicada quando configurada a gravidade das irregularidades. Para tanto, essencial que o magistrado observe o rito previsto no artigo 22 da LC n.º 64/90, o qual prevê em seu inciso VI a determinação de diligências, ex officio ou a requerimento das partes, até mesmo porque não se exige para a propositura da ação a prova cabal e pré-constituída, bastando indícios idôneos do cometimento de abuso, os quais foram sobejamente demonstrados a início pelo representante.

[...]

Por fim, presentes os elementos circunstanciais expostos na petição inicial, tem-se que deverá integrar a lide na qualidade de litisconsorte passiva Raquel de Fátima Molossi Cechin, por ter contribuído para a prática do ato de forma cooperativa com o representado, segundo alegado pela parte autora da representação, devendo ser oportunizado pelo juízo de origem a emenda à inicial. Isso porque, além da cassação do registro ou do diploma, a AIJE também se presta para a obtenção de declaração de inelegibilidade dos representados, na forma do inciso XIV do art. 22 da LC 64/90.

Da mesma forma, tendo presente caracterização de litisconsórcio passivo necessário entre o titular e vice da chapa majoritária nas ações que possam implicar na cassação do registro ou do diploma, há necessidade de integração à lide do então candidato a vice-prefeito. (Grifos no original.)

Portanto, reitero que para certificar a ocorrência ou não do alegado abuso de poder político e/ou uso da máquina pública, mostra-se imprescindível a adequada instrução da ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), com o fito de se examinar com profundidade a gravidade das circunstâncias configuradoras do ato abusivo, o que restou impossibilitado em virtude do prematuro indeferimento da inicial.

Ressalto, ainda, que o art. 22 da LC n. 64/90 não prevê a exigência de apresentação de prova pré-constituída, bastando que a inicial indique provas e indícios  a fim de que se determine a abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso de poder de autoridade.

Registro, por fim, na esteira do parecer ministerial, a necessidade de o juízo da origem converter o feito em diligência, a fim de que seja oportunizada ao autor da representação a emenda da inicial para requerimento de inclusão de Raquel de Fátima Molossi Cechin na condição de correpresentada, bem como do candidato a vice-prefeito, tendo em vista o princípio da unicidade da chapa majoritária.

Ante o exposto, acolho o parecer ministerial e VOTO por decretar a nulidade da sentença de fls. 13-20, determinando a remessa dos autos à origem para que seja dado regular processamento ao feito, na forma do art. 22 da LC 64/90, devendo aquele juízo converter o feito em diligência, oportunizando ao autor da representação a emenda da inicial para requerimento de inclusão de Raquel de Fátima Molossi Cechin na condição de correpresentada, bem como do candidato a vice-prefeito, tendo presente o princípio da unicidade da chapa majoritária.

É como voto, Senhora Presidente.