RE - 36291 - Sessão: 17/02/2017 às 11:00

RELATÓRIO

O interessado representante SILVIO LUIS DA SILVA RAFAELI (fls. 203-206) – na qualidade de prefeito e candidato à reeleição nas eleições de 2016 em Tapes – e o representado JOSÉ BATISTA SILVEIRA PEREIRA (fls. 233-236) recorrem da sentença proferida pelo Juízo da 84ª Zona Eleitoral, sediada em Tapes (fls. 196-197), que julgou procedente a representação por propaganda eleitoral irregular relativa à publicação de postagens ofensivas na rede social Facebook e condenou o representado ao pagamento de multa de R$ 5.000,00.

É também preciso reconstituir que a sentença originária julgou procedente a representação (fl. 187) e, em embargos de declaração, foi integrada com a aplicação da multa (fl. 197).

Assim, o representante busca a majoração da multa aplicada.

O representado requer o afastamento dela, porque inexiste caráter ofensivo na veiculação realizada.

Apresentadas contrarrazões (fls. 240-245 e 248-252) e já nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral deu parecer pelo desprovimento do recurso do representante e pelo provimento do recurso do representado para ser afastada a sanção pecuniária, porque deve ser aplicada às situações de anonimato (fls. 255-257v.).

É o relatório.

 

 

VOTO

Desenvolvo meu voto em ordem jurídica.

Admissibilidade

Os recursos são tempestivos, pois interpostos dentro do prazo de 24 horas previsto no art. 35 da Resolução TSE n. 23.462/15 (fls. 190-193, 199, 203 e 233).

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Mérito

Ao reconhecer como ofensivo o teor publicado pelo representado José Batista Silveira Pereira em seu perfil na rede social Facebook, em período prévio ao pleito de 2016 e em detrimento do representante Silvio Luis da Silva Rafaeli (candidato à reeleição, na majoritária), o juízo determinou, liminarmente, a exclusão do conteúdo sob pena de multa diária de R$ 2.000,00 (fls. 170-171).

É o seguinte o teor da postagem em questão, sob o título “CONTRATOS COM EMPRESA FANTASMA. ESSE É O GOVERNO DO PDT” (fls. 04-05 da exordial e respectiva mídia à fl. 10):

E ESSE CONTRATO CHAMA A ATENÇÃO QUE A EMPRESA QUE SILVIO RAFAELI CONTRATOU, A EMPRESA CONTRATADA NÃO EXISTE, ELA NÃO ESTÁ LÁ NO LOCAL.

ESSA NOTÍCIA DEVERIA SER TRAZIDA PELA POPULAÇÃO TAPENSE PELO FANTÁSTICO, PELO GIOVANE GRIZOTI OU O PROGRAMA DO ROBERTO CABRINI, TAMANHA A GRAVIDADE DOS FATOS QUE EU VOU LEVAR PARA O CONHECIMENTO DOS SENHORES.

EM TAPES TEMOS UMA EMPRESA DE NOME FANTASIA TAPES SAÚDE, COM O CNPJ 18.764.165/0001-03.

OS SENHORES VÃO CONSTATAR QUE A EMPRESA FOI ABERTA EM 27/08/2013.

ATIVIDADE: ATIVIDADE DE ATENDIMENTO EM PRONTO SOCORRO E UNIDADES HOSPITALARES PARA ATENDIMENTO A URGÊNCIAS – UTI MÓVEL – ATIVIDADE DE APOIO A GESTÃO DE SAÚDE – ATIVIDADE DE ATENÇÃO AMBULATORIAL NÃO ESPECIFICADA ANTERIORMENTE.

ESSA EMPRESA ERA PARA ESTAR LOTADA NA RUA OSVALDO ARANHA, 254, MAS NO LOCAL ENCONTRA-SE UM ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE E AO LADO DO ESCRITÓRIO, QUE SERIA A CASA DO CONTADOR É QUE TEM O Nº 254.

COMO O PREFEITO CONTRATA UMA EMPRESA QUE DE FATO NÃO EXISTE, ELA NÃO ESTÁ LÁ? SILVIO RAFAELI FEZ ISSO, ELE CONTRATOU ESSA EMPRESA.

OLHEM SÓ O QUE SILVIO RAFAELI PAGOU PARA ESSA EMPRESA – DINHEIRO NOSSO, DO NOSSO BOLSO.

PAGOU PARA ESSA EMPRESA NO ANO DE 2014, R$ 1.442.925,00, EM 2015, R$ 1.466.134,34 E EM 2016, ATÉ FEVEREIRO, R$ 213.676,58.

PORQUE PAGOU ATÉ FEVEREIRO DE 2016? – HOUVE UMA DENÚNCIA NUM ÓRGÃO DE FISCALIZAÇÃO, POR ISSO ENCERRARAM O CONTRATO EM 2016, MAS O CNPJ DA EMPRESA ESTÁ ATIVO, ENTREM NO SITE E A EMPRESA ESTÁ LOTADA NESTE ENDEREÇO.

OLHEM A GRAVIDADE DA SITUAÇÃO E EU VOU PERGUNTAR PARA OS SRS. É ESSE PREFEITO QUE VCS QUEREM QUE CONTINUEM POR MAIS 4 ANOS FAZENDO CONTRATO COM EMPRESAS FANTASMAS?

QUE ISSO, NOSSO DINHEIRO.

MAS TUDO BEM, SILVIO RAFAELI VAI JUSTIFICAR QUE A EMPRESA PRESTOU SERVIÇO, ELA APENAS NÃO EXISTE MAIS, MAS PRESTOU SERVIÇO.

PERGUNTO: QUEM FISCALIZOU ISSO? ELE VAI VIM COM O LIVRO PONTO PREENCHIDO, DEPOIS QUE SE FAZ UMA DENÚNCIA PREENCHER UM LIVRO PONTO É UMA BARBADA, É MUITO FÁCIL FAZER ISSO, QUALQUER PESSOA FAZ ISSO, MAS TINHA ALGUÉM FISCALIZANDO ESTE SERVIÇO? CLARO QUE NÃO SENHORES, CLARO QUE NÃO.

POIS É SENHORES, ESSA É A ADMINISTRAÇÃO DO PDT DE TAPES!

EU IA POSTAR MAIS VÍDEOS PORQUE É MUITA COISA QUE NÓS TEMOS PRA MOSTRAR DO SILVIO RAFAELI, É MUITA COISA, EU VOU DEIXA PRA VOCÊS ELEITORES,…

E AGORA ELE VEM COM HUMILDADE NO SEU LEMA DE CAMPANHA E DIZ MELHOROU E VAI MELHORAR, MAS MELHOROU PRA QUEM, MELHOROU PRA ELE, MELHOROU PROS AMIGOS, PARA O COORDENADOR DE CAMPANHA QUE ALUGOU O IMÓVEL, PARA NÓS NÃO MELHOROU NADA, MUITAS PESSOAS TIVERAM QUE SAIR DE TAPES PARA PROCURAR EMPREGO, O SENHOR NÃO TROUXE NENHUMA EMPRESA ORA TAPES...NADA.

Salvo melhor juízo dos integrantes do Tribunal, o conteúdo é em tudo ofensivo, de modo que posso integrar ao meu voto a sentença do juízo e o parecer do Procurador da República, que concluem de igual forma.

Para caracterizar opinião como crítica no lugar da ofensiva acusação de corrupção, consistente no fato de contratar empresa, que vulgarmente se diz fantasma, com o uso de dinheiro público, outros deveriam ser seus termos do conteúdo publicado.

Noticiado o cumprimento da determinação pelo representado (fls. 176-181), ao término do procedimento, sobreveio decisão de procedência da representação, ratificando a medida liminar deferida com subsequente fixação de multa no mínimo legal previsto de R$ 5.000,00, em embargos de declaração, como já reconstituído.

O meu voto a partir daqui desdobra-se à semelhança do parecer do ilustrado Ministério Público.

De um lado, a questão do mérito, de outro, a da multa aplicada.

Assim como verifico excesso do direito ao livre exercício da manifestação de pensamento, abuso da liberdade de crítica inerente às eleições municipais, desde que situada dentro dos limites da lei, verifico também que a multa não incide nas circunstâncias do caso.

A multa foi aplicada ao representado com fundamento no art. 24, § 1º, da Resolução TSE n. 23.457/15, impõe-se considerar novamente o dispositivo congênere (art. 57-D da Lei n. 9.504/97):

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. […]

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

§ 3º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais.

Incluído pelo art. 3º da Lei n. 12.891, de 2013.

Da sua leitura observa-se que a norma abrange duas hipóteses.

A primeira consiste na vedação do anonimato na rede mundial de computadores durante a campanha eleitoral.

A segunda assegura o direito de resposta na internet, estendendo a aplicação do art. 58 da Lei das Eleições, que contempla esse direito em qualquer veículo de comunicação social:

Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

[...]

Em conclusão, a imposição da multa prevista no aludido art. 57-D da Lei n. 9.504/97 restringe-se à manifestação anônima do pensamento, pois a disciplina do direito de resposta prevê a aplicação da sanção somente nos casos de descumprimento de ordem judicial e de reiteração da conduta, conforme disposição expressa do § 8º do dispositivo da Lei 9.504/97, acima aludido:

Art. 58. [...]

§ 8º O não-cumprimento integral ou em parte da decisão que conceder a resposta sujeitará o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR, duplicada em caso de reiteração de conduta, sem prejuízo do disposto no art. 347 da Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. (Grifei.)

[...]

Então, mesmo que se admita a ocorrência do ilícito apregoado, descabe a imposição de multa nas circunstâncias do caso, que não é anonimato, conforme demonstram os seguintes precedentes deste Tribunal:

Recurso. Representação. Direito de resposta. Propaganda eleitoral. Internet. Art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

Procedência da representação no juízo de piso, deferindo o direito de resposta, sem aplicação de multa.

Insurgência restrita ao pedido de fixação de multa. Divulgação, em site de relacionamentos, de afirmação ofensiva à honra do candidato. Inaplicável a fixação da sanção prevista no § 2º do art. 57-D da Lei das Eleições, restrita aos casos de anonimato, situação não evidenciada nos autos.

Provimento negado.

(TRE-RS – Relator Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ – P. Sessão 09.11.2016.)

 

Recurso. Representação. Direito de resposta. Propaganda eleitoral. Internet. Multa. Art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

Sentença que julgou parcialmente procedente representação por propaganda irregular, determinando a retirada da publicação da página da internet e indeferindo, por outro lado, o pedido de direito de resposta e de aplicação de multa.

Irresignação postulando a fixação de multa. Divulgação, em site de relacionamentos, de afirmação ofensiva à honra do candidato. Inaplicável a pretendida aplicação da multa prevista no § 2º do art. 57-D da Lei das Eleições, penalidade restrita aos casos de anonimato, situação não evidenciada nos autos.

Provimento negado.

(TRE/RS – RE 414-24 – Relator Dr. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES – J. em 28.9.2016.)

Está substancialmente demonstrado, é mesmo incontroverso desde a petição inicial da representação e na defesa, que o representado não se valeu de anonimato ao realizar a postagem na internet, circunstância que torna inaplicável a multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97.

Em outras palavras, diante da ausência de previsão legal para multa, mesmo que confirmada a sentença no que tange à existência de conteúdo ofensivo, o pleito recursal de majoração da penalidade resulta prejudicado e sem razão.

Essa também é a conclusão do digno Procurador Regional Eleitoral, ao afirmar em seu parecer que “afigura-se incabível a fixação da penalidade pecuniária do § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/97, tendo em vista que esta é medida reservada para os casos de anonimato, hipótese que não se ajusta ao caso concreto” (fl. 256v.).

Relaciono julgados recentes deste Tribunal, um deles da minha relatoria, envolvendo as mesmas partes em situação fática análoga, salvo com relação ao conteúdo e cujo desfecho é idêntico ao proposto quanto à inaplicabilidade da multa:

Recursos. Representação. Propaganda eleitoral irregular. Facebook. Eleições 2016. [...]

Procedência de representação por propaganda eleitoral irregular divulgada na rede social Facebook. Condenação do representado, em sede de embargos de declaração, ao pagamento de multa no grau mínimo legal.

Vídeo publicado na rede social Facebook com conteúdo alegadamente ofensivo. Determinada, liminarmente, a exclusão da postagem, sob pena de multa. Retirada no prazo concedido pelo julgador originário, sobreveio sentença julgando procedente a representação sem contudo aplicar multa. Oposição de embargos, com pedido de atribuição de efeitos infringentes, acolhido pelo julgador sentenciante, a fim de fixar a multa no patamar mínimo legal. Apelo do representante visando à majoração da penalidade e do representado buscando a improcedência da representação.

Mensagem veiculada sem apresentar conteúdo ofensivo, configurando mera crítica à gestão da administração municipal. A crítica, ainda que contundente, não ultrapassou o limite da liberdade de expressão, sem ofensa à honra de candidato. Não excedido o direito ao livre exercício da manifestação de pensamento e de crítica.

A imposição da multa prevista no aludido art. 57-D, da Lei n. 9.504/97, refere-se apenas à manifestação anônima do pensamento, não sendo este o caso dos autos. A disciplina do direito de resposta prevê a aplicação da sanção nos casos de descumprimento de ordem judicial e de reiteração da conduta, o que também não se aplica no caso em exame. Multa afastada.

Provimento negado ao apelo do representante.

Provimento do recurso do representado.

(TRE/RS – RE 363-76.2016.6.21.0084 – Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI – J. Sessão de 13.12.2016.) (Grifei.)

 

Recursos. Representação. Propaganda eleitoral irregular. Facebook. Ofensa. Procedência. Multa. Art. 57-D da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

1. [...] Recursos conhecidos.

2. A oposição externada contra certa política governamental, na rede social Facebook, ainda que ácida e contundente, enquadra-se nos parâmetros da livre manifestação do pensamento. Vedada é a crítica que contenha inverdade flagrante ou ofensas objetivas.

Posicionamento acerca de fatos de interesse político-comunitário são relevantes para fomentar o debate eleitoral. Não vislumbrada desobediência à legislação eleitoral. Sentença reformada. Multa afastada.

Provimento.

(TRE/RS – RE 364-61.2016.6.21.0084 – Relatora Drª MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALEZ – J. Sessão de 10.02.2017.)

 

Dispositivo

Pelas razões expostas, o meu voto reafirma a sentença quanto ao mérito da procedência da representação, dá parcial provimento ao recurso interposto pelo representado JOSÉ BATISTA SILVEIRA PEREIRA e afasta a multa imposta, como considera prejudicado o recurso interposto pelo representante SILVIO LUIS DA SILVA RAFAELI para aumentar a multa, que não se aplica.

É o voto que submeto à elevada apreciação do Tribunal.