RE - 446 - Sessão: 23/01/2017 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo SOLIDARIEDADE - SD de Cachoeirinha contra sentença que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira relativa ao exercício de 2013, por falta de abertura de conta bancária.

Em sua irresignação (fls. 127-131), sustenta que essa ausência reforça a prestação de contas zeradas. Argumenta ter havido a abertura posterior da conta, no ano de 2016, com a finalidade de sanar a irregularidade. Requer a reforma da decisão recorrida.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pelo retorno dos autos à origem e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 141-148v.).

É o sucinto relatório.

 

VOTOS

Tempestividade:

O recurso é tempestivo. A sentença recorrida foi publicada no DEJERS na data de 1º.9.2016 (fl. 121), quinta-feira, e o recurso foi interposto no dia 05 do mesmo mês (fl. 127), segunda-feira, observando, portanto, prazo recursal de três dias previsto pelo art. 258 do Código Eleitoral.

 

Citação dos responsáveis:

Suscita o Ministério Público a nulidade da sentença, em virtude da ausência de citação dos responsáveis partidários (presidente e tesoureiro) para integrarem a demanda, em confronto com a normativa prevista nas Resoluções TSE ns. 23.432/14 e 23.464/15.

Tenho por acolher a preliminar suscitada.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral, em reiteradas decisões monocráticas, tem reformado as sentenças proferidas por esta Corte ordenando a inclusão dos responsáveis no feito, sob o fundamento de que as normas determinantes de sua citação são de natureza processual e incidem imediatamente nos processos que ainda não tenham sido julgados, conforme estabelece o art. 65, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Reproduzo a seguinte passagem da decisão proferida pelo Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin sobre o tema:

Tal regra, ao contrário do que entendeu o TRE/RS, tem cunho eminentemente processual, porquanto aptidão de determinado sujeito para assumir o posto, seja de autor ou de réu, relaciona-se com normas instrumentais, não se subordinando ao mérito das contas. Assim, nos termos do art. 65, § 1º, do referido diploma normativo, aplica-se a processos de outros exercícios financeiros ainda não julgados (RESPE n. 670, Decisão monocrática, Relator: Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 06.10.2016).

No mesmo sentido, foram proferidas outras decisões: Agravo de Instrumento n. 11508 (Decisão monocrática, Relator: Min. Luiz Fux, DJE: 24.10.2016); Recurso Especial Eleitoral n. 6008 (Decisão monocrática, Relator: Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 26.9.2016); e RESPE n. 11253 (Decisão monocrática, Relator: Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 15.9.2016).

Dessa forma, entendo adequado o realinhamento das nossas decisões com o entendimento que vem se formando no egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a finalidade de evitar maiores tumultos processuais e morosidade na resolução de mérito das contas partidárias.

Ademais, a determinação de citação dos responsáveis pelas contas partidárias, sendo norma de cunho processual, como definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, estabelece a formação de litisconsórcio necessário no processo de prestação de contas de forma imperativa, como condição de validade da sentença.

A formação desse litisconsórcio necessário já na prestação de contas partidária se dá pela unificação de dois procedimentos previstos na revogada Resolução TSE n. 21.841/04: 1. o julgamento das contas, e 2. tomada de contas especial contra os responsáveis.

Inicialmente, havia o julgamento das contas da agremiação e, caso essas não fossem prestadas ou não regularizados os valores do Fundo Partidário, seria iniciado um procedimento de tomada de contas especial “visando a apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano” (art. 35 da Resolução TSE n. 21.841/04), no qual se verificava o nexo de causa entre o comportamento do responsável e o prejuízo ou o dano (art. 36, § 1º, da Resolução TSE n. 21.841/04).

Com a revogação da Resolução TSE n. 21.841/04 e a determinação da citação dos responsáveis partidários pela Resolução 23.464/15, vislumbram-se duas consequências.

Primeiro, não há mais procedimento específico previsto no ordenamento jurídico para apurar a responsabilidade dos dirigentes em caso de irregularidades praticadas com recursos do Fundo Partidário. Daí a importância, sob o viés do interesse público, da citação dos responsáveis na prestação de contas do partido.

Em segundo lugar, a participação do responsável pelas contas antes da decisão que as julga lhe permite trazer elementos, documentos e esclarecimentos capazes de levar à aprovação ou reduzir o montante irregular inicialmente apurado. Na antiga tomada de contas especial, buscava-se apurar a responsabilidade do dirigente pelas irregularidades já declaradas judicialmente. No atual procedimento, ao responsável partidário é permitido trazer esclarecimentos antes mesmo do julgamento das contas, o que pode, inclusive, impedir a formação do título executivo. Daí a importância, também sob o viés individual, da participação do responsável na prestação de contas.

Dessa forma, não se pode entender que a citação dos responsáveis lhes cause prejuízo, pois terão a possibilidade de trazer esclarecimentos capazes, inclusive, de levar à aprovação das contas.

Ademais, não se pode projetar as possibilidades abstratas de defesa dos responsáveis para concluir que a ausência de citação não causaria prejuízo ao responsável. O direito de defesa é pressuposto constitucional de legitimidade da própria atividade jurisdicional, como leciona Guilherme Marinoni:

A jurisdição, para responder ao direito de ação, deve necessariamente atender ao direito de defesa. Isso pela simples razão de que o poder, para ser exercido de forma legítima, depende da participação dos sujeitos que podem ser atingidos pelos efeitos da decisão. E a participação das partes interessadas na formação da decisão e a fidelidade da jurisdição ao Direito que conferem legitimidade ao exercício da jurisdição. (Curso de Direito Civil, vol 1., 2015, p. 347.)

Sendo a defesa requisito imprescindível para a formação da decisão, e sendo determinada a citação dos responsáveis pelo ordenamento, a nulidade não se convalida por eventual preclusão ou ausência de prejuízo.

A falta de citação dos responsáveis gera nulidade absoluta, cujo prejuízo é ínsito à irregularidade e presumido pelo ordenamento, pois a integração da ação pelos responsáveis é pressuposto de legitimidade da própria atuação judicial.

 

DIANTE DO EXPOSTO, acolho a preliminar suscitada pelo douto Procurador Regional Eleitoral, a fim de anular o feito desde a citação do partido para apresentação de defesa sobre o parecer conclusivo, determinando o retorno dos autos à origem para que sejam citados os responsáveis.

 

MÉRITO:

No mérito, as contas relativas ao exercício financeiro de 2013 do Solidariedade foram desaprovadas em razão da ausência de abertura de conta bancária específica no período sob análise.

O art. 39, § 3º, da Lei n. 9.096/95, com a redação vigente no ano de 2013, estabelecia que as doações ao partido deveriam ser obrigatoriamente realizadas por cheque cruzado ou depósito bancário diretamente na conta do partido:

Art. 39. Ressalvado o disposto no art. 31, o partido político pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de seus fundos.

§ 3º As doações em recursos financeiros devem ser, obrigatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político.

Por seu turno, a Resolução TSE. n. 21.841/04, norma observada pelo partido durante o exercício de 2013, dispunha, em seu art. 10, que as despesas partidárias deviam ser realizadas por cheques nominativos ou por crédito bancário identificado, observado, em qualquer caso, o trânsito prévio desses recursos em conta bancária.

Também o art. 4º da aludida resolução previa que o partido político podia receber quotas do Fundo Partidário, doações e contribuições de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas e jurídicas, devendo manter contas bancárias para movimentar os recursos financeiros do Fundo Partidário e os de outra natureza, nos termos do art. 39 da Lei n. 9.096/95.

A partir desses dispositivos legais e regulamentares, a jurisprudência pacificou-se no sentido de ser imprescindível a abertura e manutenção de conta bancária pela agremiação, seja para movimentar os recursos arrecadados, seja para demonstrar que não houve arrecadação de valores, como se verifica pelas seguintes ementas:

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Arts. 4º, “caput”, e 13, ambos da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014.

Preliminar afastada. A aplicabilidade imediata das disposições processuais da Resolução TSE n. 23.432/14, e mais recentemente da Resolução TSE 23.464/15, não alcança a responsabilização dos dirigentes partidários, por se tratar de matéria afeta a direito material. Manutenção apenas da agremiação como parte no processo.

Falta de abertura de conta bancária para o registro da movimentação financeira e da apresentação dos extratos bancários correspondentes. Providências imprescindíveis, seja para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos, seja para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira à Justiça Eleitoral.

Reforma da sentença para desaprovar as contas. Determinada a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de dois meses.

Provimento. (TRE/RS, RE 9-53, Rel. Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, 06.9.2016)

 

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro 2014.

Sentença que desaprovou as contas e determinou a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 1 ano.

Matéria preliminar afastada. 1. Interposição recursal tempestiva, em data anterior à publicação da Resolução TSE n. 23.478/16; 2. Pedido de inclusão dos dirigentes partidários rejeitado. Manutenção apenas do partido como parte no processo. A aplicabilidade imediata das disposições processuais da Resolução TSE n. 23.432/14, e mais recentemente da Resolução TSE 23.464/15, não alcança a responsabilização dos dirigentes partidários, por tratar-se de matéria afeta a direito material.

A ausência de movimentação financeira não se presta como argumento a justificar a não apresentação da relação das contas bancárias e dos extratos correspondentes. Imprescindível a demonstração de abertura de contas bancárias distintas para o recebimento de recursos do Fundo Partidário e de outros recursos, assim como os extratos bancários, ainda que zerados.

Falhas de natureza grave, que impedem a demonstração da origem e da destinação dada aos recursos financeiros. Determinada, de ofício, a redução do período de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para um mês.

Provimento negado. (TRE/RS, RE 45-97, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, 25.10.2016.)

Não prospera o argumento de que a inexistência de conta bancária reforça a ausência de movimentação financeira. Ao contrário, a falta dessa formalidade somente vem a impedir o controle das contas, pois seriam os extratos bancários zerados os documentos idôneos para comprovar não ter havido movimentação financeira.

Dessa forma, a falha causa inequívoco prejuízo à transparência das contas, devendo ser mantido o juízo de desaprovação.

Quanto à pena de suspensão de repasse de novas quotas do Fundo Partidário, fixada em primeiro grau pelo período de 12 meses, entendo que tal penalidade deva ser reduzida para 01 mês de suspensão, pois o partido portou-se de boa-fé no decorrer do processo, prestando esclarecimentos sobre as falhas apontadas e, além disso, não há notícias de que tenha recebido valores oriundos do Fundo Partidário, amenizando os prejuízos da ausência da conta bancária.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir a pena de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para o período de 01 mês.