RE - 56121 - Sessão: 13/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pela COLIGAÇÃO DO POVO PARA O POVO e OUTROS contra a sentença do Juízo da 50ª Zona Eleitoral – São Jerônimo (fls. 139-140v.), que indeferiu a petição inicial e julgou extinta, sem resolução de mérito, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral em face da COLIGAÇÃO CHARQUEADAS SEMPRE EM FRENTE e OUTROS.

Pelo que se depreende da inicial, a AIJE em questão foi ajuizada contra o atual Prefeito de Charqueadas/RS, Sr. DAVI GILMAR DE ABREU SOUZA, os candidatos (eleitos) a Prefeito e Vice-Prefeito, SIMON HEBERLE DE SOUZA e EDILON OLIVEIRA LOPES, bem como a COLIGAÇÃO CHARQUEADAS SEMPRE EM FRENTE (PDT-PMDB-PTB-PP-SD-PPS), sob o argumento de que o primeiro representado, em benefício próprio e dos demais requeridos, teria praticado diversas condutas, no transcorrer do ano de 2016, lesivas à disputa eleitoral, buscando a perpetuação no poder. Os fatos estariam consubstanciados, em síntese, na extinção de cargos municipais de provimento efetivo, criação e nomeação de diversos cargos comissionados e temporários, em número desproporcional à quantidade de eleitores do município, contratação de estagiários, veiculação de publicidade institucional e financiamento da campanha eleitoral com recursos públicos advindos da contribuição de servidores comissionados contratados pela prefeitura.

O juízo a quo, ao analisar a petição, entendeu que era caso de indeferimento da inicial: quanto à coligação demandada, porque seria parte manifestamente ilegítima; nos demais aspectos, porque não estaria demonstrado o interesse processual.

Os recorrentes, em seu apelo (fls. 142-145), refutam os argumentos que levaram ao indeferimento da inicial e postulam o provimento do recurso para que os autos retornem à origem, sendo oportunizada a regular instrução até a sentença de mérito.

Com contrarrazões (fls. 151-156), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo não conhecimento do recurso e, no mérito, pelo provimento com o retorno dos autos à origem (fls. 171-175v.).

É o relatório.

 

VOTOS

Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz (relator):

Em que pese a intempestividade suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, tenho por conhecer do recurso.

As Portarias n. 301/16 e 311/16 da Presidência deste Tribunal, entre outras providências, dispensaram a realização de plantões no período de 07 a 29 de outubro de 2016 nas zonas eleitorais que jurisdicionam municípios cujas eleições majoritárias foram definidas no primeiro turno, como é o caso de São Jerônimo.

Na hipótese dos autos, houve a intimação da sentença em 21.10.2016 (fl. 141v. - sexta-feira), sendo que deve ser considerado o início do prazo somente no primeiro dia útil subsequente, pois, do contrário, significaria manifesto prejuízo à parte, na medida em que o cartório estava dispensado de realizar plantão.

Assim, ainda que em período eleitoral, como houve a determinação de fechamento dos cartórios desde o dia 07.10.2016, tenho como razoável protrair o início do prazo para o primeiro dia útil subsequente, a exemplo do que foi disciplinado no art. 3º da Portaria P n. 301/2016 (redação dada pela Portaria P n. 311/2016), a partir do dia 1º de novembro de 2016.

Dessa forma, tempestivo o recurso, passo ao exame de mérito.

 

Mérito

Na questão de fundo, a irresignação procede.

A inicial restou indeferida por ausência de interesse processual, pois ajuizada depois da eleição e pela coligação vencida no pleito, o que indicaria evidente armazenamento tático.

Com efeito, o prazo para propositura da Ação de Investigação Judicial Eleitoral encerra-se somente com a diplomação.

No caso, a demanda foi proposta tempestivamente (18.10.2016), relatando fatos que merecem apuração e instrução, não podendo ser extinta a ação em face de possível armazenamento tático.

No mesmo sentido o parecer da d. Procuradoria Eleitoral:

O decisum combatido reconheceu a falta de interesse de agir, em razão de que os fatos atacados na ação estariam, em tese, acontecendo desde janeiro de 2016, e a parte autora teria esperado sair vencida nas eleições municipais de Charqueadas/RS para ingressar com a ação, o que, no entendimento da Magistrada, não seria nem ético nem legítimo, já que “se os Representantes efetivamente entendiam que as condutas praticadas pelo opositor tinham capacidade de acarretar influência no resultado e que se tratava de agir com abuso de poder, todo o exposto nesta ação já deveria ter sido levantado em data anterior às eleições” (fl. 140).

Ocorre que, como explicado por abalizada doutrina eleitoral, a LC nº 64/90 é omissa na fixação de prazo (inicial e final) para o ajuizamento da AIJE. Em face do vácuo legislativo, o TSE decidiu que o prazo inicial para o ajuizamento é o registro de candidatura, e o prazo final é a diplomação.

Nessa linha, apesar de, segundo a inicial, os fatos terem ocorrido a partir de janeiro do ano eleitoral, sendo do conhecimento da parte autora desde então, e apesar de se tratar a AIJE de meio processual adequado para combater ilícitos que aconteçam antes do início do processo eleitoral, mesmo assim não haveria obrigatoriedade alguma de ajuizamento imediato, ficando preservado o interesse de agir até a diplomação.

É oportuno, nesse passo, trazer as lições de ZILIO, que sobre o assunto em tela preleciona:

O posicionamento mais adequado com o objetivo da AIJE é admitir o seu ajuizamento ainda antes do início do processo eleitoral stricto sensu, ou seja, antes do registro ou da convenção. De fato, sendo o meio processual utilizado para combater os ilícitos que ocorram antes do início do processo eleitoral – já que a AIME tem como requisito a diplomação do representado -, é razoável prestigiar o entendimento que admite o manuseio da AIJE logo que se tenha conhecimento dos ilícitos praticados e independentemente da condição de candidato do representado. Porém, o conhecimento do fato não torna obrigatório o imediato ajuizamento da AIJE, exceto em caso de necessidade de pedido de suspensão do ato ilícito que está sendo cometido (art. 22, I, b, da LC nº 64/90). O autor da representação pode aguardar uma oportunidade posterior para o aforamento da representação, colhendo maiores elementos de prova das irregularidades cometidas, desde que observado o prazo final da AIJE – até mesmo porque o pronto ajuizamento dessa ação, ainda antes do início do processo eleitoral, apresenta o risco de um julgamento contrário ao seu interesse, já que a maior distância do fato em relação à data do pleito enfraquece substancialmente a viabilidade de procedência do pedido, dado o bem jurídico tutelado pela ação (proteção da normalidade e lisura das eleições). (grifado)

Contudo, o TSE decidiu que o termo inicial para a propositura da AIJE é o registro de candidatura, sendo descabido o manuseio dessa ação como instrumento preventivo de um possível abuso de poder político ou econômico capazes de desequilibrar o pleito em favor de candidatos sequer registrados ou escolhidos em convenção (Agravo regimental em Recurso Ordinário nº 107-87 – Min. Gilmar Mendes – j. 17.09.2015). de qualquer sorte, a AIJE é o meio processual adequado para combater os ilícitos que ocorram antes do início do processo eleitoral, sendo certo que essa ação “pode ter como objeto fato ocorrido em momento anterior ao da escolha e registro do candidato” (Representação nº 929 – j. 07.12.2006 – Rel. Min. Cesar Asfor Rocha). (grifado)

E, a corroborar o exposto, vale também transcrever as colocações de GOMES:

Impende registrar que os fatos debatidos na demanda tanto podem ter ocorrido antes como depois do início do processo eleitoral (início esse que coincide com o período das convenções partidárias). Em verdade, não há um marco temporal a partir do qual se possa qualificar os fatos como abusivos e, pois, ilícitos. Assim, mesmo que o evento ocorra em período anterior ao início do processo eleitoral, pode ser caracterizado como abuso de poder. Nesse sentido: TSE – RO nº 464.429/MG – decisão monocrática de 8-6-2015; TSE – Respe nº 68.254/MG – Dje t. 35, 23-2-2015, p. 56-57; AgR-AI nº 12.099/SC – Dje 18-5-2010, p. 30. (grifado)

Diante do exposto, não se verifica prejuízo ao interesse da parte autora, uma vez que a ação restou ajuizada tempestivamente, merecendo ter seguimento na origem.

No mais, observa-se que os requisitos para o processamento da AIJE – indicação dos fatos, provas, indícios e circunstâncias -, fazem-se presentes, tendo-se por configurada, no conjunto, com base na Teoria da Asserção, a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e, da mesma forma, o interesse de agir.

Não há motivos, portanto, para negar o regular trâmite. Neste caso, não é demais dizer, por medida de cooperação (artigo 6º do CPC), que convém à parte averiguar se o polo passivo está adequado, face ao princípio da indivisibilidade de chapa, nos termos da jurisprudência do TSE (Recurso Especial Eleitoral nº 35.831 – Rel. Min. Arnaldo Versiani – j. 03.12.2009). Assim, subsidiariamente, tão somente caso as prefaciais sejam ultrapassadas, opina-se pelo provimento do recurso.

Dessa forma, sendo a ação ajuizada tempestivamente, descrevendo fatos que podem, em tese, ensejar o reconhecimento de uso da máquina pública, abuso de poder econômico e/ou político, merece ser processada e, ao final, julgada.

Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, determinando o retorno dos autos à origem para regular processamento.

 

(Após votar o relator, afastando a matéria preliminar e dando provimento ao recurso, pediu vista o Des. Marchionatti. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)