RC - 18673 - Sessão: 12/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal eleitoral (agravo em execução penal) interposto por JEFERSON LUIS MOTTA CARVALHO contra decisão prolatada pelo Juízo da 31ª Zona Eleitoral de Montenegro, responsável pela execução penal, a qual converteu a pena de prestação de serviços à comunidade aplicada em substituição à pena privativa de liberdade e determinou o cumprimento da pena de reclusão imputada ao recorrente, em regime aberto, por falta de argumentos plausíveis para justificar o descumprimento da pena substitutiva (fls. 194-195).

Inconformado, JEFERSON LUIS MOTTA CARVALHO interpõe o presente agravo em execução penal suscitando a preliminar de nulidade absoluta por ofensa ao contraditório e à ampla defesa diante da ausência de defesa técnica durante a tramitação da execução penal. No mérito, invoca o princípio da proporcionalidade e afirma que sua esposa foi afastada de suas atividades profissionais, razão pela qual teve de trabalhar para sustentar seu lar e sua família. Pondera que desconhecia o fato de que poderia ser recolhido à prisão caso descumprisse a pena restritiva de direitos, e que está disposto a cumprir a pena de prestação de serviços à comunidade na forma como foi imposta. Alternativamente, requer a aplicação do art. 77 do CP e a suspensão condicional da pena, uma vez que a pena de prisão seria desproporcional (fls. 02-06).

O Ministério Público Eleitoral requereu a manutenção da decisão recorrida (fl. 217).

Em juízo de retratação, o magistrado a quo manteve a decisão recorrida e determinou a intimação da defesa para complementação do instrumento (fls. 219 e 224).

Em nova petição, o recorrente reiterou as razões de reforma da decisão apresentadas (fls. 225-229).

Nesta instância, os autos foram encaminhados com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pela rejeição da preliminar de nulidade e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminar de nulidade absoluta por ofensa ao contraditório e à ampla defesa

Consta dos autos que o reeducando foi condenado definitivamente à pena de 9 meses de detenção, em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade (270 horas) pelos crimes de calúnia e difamação em propaganda eleitoral.

Todavia, após ser encaminhado para cumprimento da pena no Comando Regional da Brigada Militar do Vale do Caí (fl. 149), a entidade informou que o apenado não compareceu (fl. 151).

O juízo a quo intimou pessoalmente o recorrente para que apresentasse justificativa (fls. 154 e 166), as quais foram realizadas por escrito e de próprio punho pelo reeducando (fls. 159 e 178).

Diante da permanência da notícia de que o apenado descumpriu a pena imposta, o juízo singular aprazou audiência de justificação (fl. 184), na qual compareceu o réu sem estar assistido por defensor.

Entende a defesa que a deliberação das fls. 194-195 é nula, por ter violado os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, previstos nos arts. 5º, incs. LIV e LV, da Constituição Federal de 1998, bem como o art. 118, § 2º, da LEP, pois a decisão foi tomada sem a prévia oitiva da defesa técnica do condenado.

É verdade que há notícias de que o reeducando não estava cumprindo devidamente a prestação de serviços junto ao Comando Regional da Brigada Militar do Vale do Caí, consoante verificado na documentação juntada aos autos.

Mas a decisão de conversão da pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade por pena privativa de liberdade, tomada pelo juiz singular com fulcro no art. 44, § 4º do Código Penal, foi tomada sem que o defensor do apenado fosse intimado para manifestação.

Portanto, sem adentrar nas questões relativas à conversão da pena alternativa em pena privativa de liberdade, passo a analisar a nulidade ocorrida no presente feito que, por sua vez, merece ser reparada por esse e. Tribunal.

Perfilho do entendimento de que a revogação de quaisquer benefícios deferidos aos reeducados, não precedida da sua manifestação, bem como da sua defesa técnica, tem o condão de macular a decisão ora agravada, pelos motivos que passo a expor.

Antes de qualquer decisão no curso da execução penal é necessária a oitiva do Ministério Público, enquanto fiscal da lei, bem como da defesa e do sentenciado, na forma do art. 118, § 2º, da LEP, de modo que o processo seja realizado de forma regular.

No caso em tela, não tendo o magistrado designado audiência de justificação e tampouco intimado a defensoria pública para a ciência dos fatos noticiados nos autos da execução, ou nomeado defensor dativo, tem-se clara a violação do contraditório e da ampla defesa, e flagrante o prejuízo à sociedade como um todo.

Há jurisprudência firme do STJ e do STF no sentido de que, preliminarmente à conversão de medidas restritivas de direito em pena privativa de liberdade, é imprescindível a intimação do reeducando e de sua defesa técnica, de modo que esclareça as razões do descumprimento, à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa:

PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CF. ART. 102, I, “D” E “I”. ROL TAXATIVO. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA: PARADOXO. ORGANICIDADE DO DIREITO. PRÁTICA DE FALTA GRAVE DURANTE O CUMPRIMENTO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA NO ATO DO INTERROGATÓRIO. NULIDADADE SANÁVEL COM A OITIVA DO CONDENADO EM AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.

1. “A Lei de Execuções Penais não impõe a obrigatoriedade de instauração do procedimento administrativo disciplinar, sendo, entretanto, imprescindível a realização de audiência de justificação, para que seja dada a oportunidade ao Paciente do exercício do contraditório e da ampla defesa”.

2. A oitiva do condenado em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público supre eventual nulidade decorrente da ausência ou deficiência de defesa técnica no curso de Procedimento Administrativo Disciplinar instaurado para apurar a prática de fala grave durante o cumprimento da pena privativa de liberdade. Precedentes: HC 109.536, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 15.06.12; RHC 109.847, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJ de 06.12.11; HC 112.380, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJ de 22.06.12.

3. In casu, a) o Juízo da Execução deixou de homologar o PAD sob o fundamento de ausência de defesa técnica no ato do interrogatório, destacando que a nomeação de advogado dativo vinculado ao órgão acusador (SUSEP) para atuar no feito violaria os princípios do contraditório e da ampla defesa; b) A Corte Estadual, no julgamento do agravo em execução interposto pelo Ministério Público afirmou que o ato do interrogatório realizado na via administrativa não acarretou qualquer prejuízo à defesa, bem como determinou fosse realizada audiência de justificação, nos termos do artigo 118, § 2º, da LEP.

4. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, taxativamente, no artigo 102, inciso I, alíneas “d” e “i”, da Constituição Federal, sendo certo que os pacientes não estão arrolados em nenhuma das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte, por isso que inadmissível o writ substitutivo de recurso ordinário.

5. Outrossim, no caso sub examine, não há excepcionalidade que justifique a concessão, ex officio, da ordem.

6. Ordem de habeas corpus denegada.

(STF, HC 110278, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 25/06/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG 14-08-2013 PUBLIC 15-08-2013)

 

PENAL E PROCESSUAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.

IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. EXECUÇÃO PENAL. REGRESSÃO DE REGIME.

DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, sob pena de desvirtuar a finalidade dessa garantia constitucional, exceto quando a ilegalidade apontada for flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.

2. Cabível a regressão para o regime semiaberto de sentenciado que, após a conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, descumpre as condições impostas para usufruir do regime aberto (prestação de serviços comunitários e comparecimento mensal em juízo), nos termos do disposto no art. 118, §1º, da LEP.

3. Descabe falar em esgotamento dos meios de localizar sentenciado que não mantém atualizado seu endereço, embora a isso se tenha obrigado, e, por essa razão, intimado por edital, deixa de comparecer à audiência em que teve decretada a regressão de regime.

4. Rejeitada a alegação de deficiência de defesa técnica, porquanto verificado que a defensora nomeada para atuar naquela audiência, no exercício do seu mister, requereu e teve negado pedido de nova intimação do paciente.

5. Habeas corpus não conhecido.

(STJ, HC 227.422/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 06/04/2015)

No mesmo sentido o seguinte precedente do TJ-RS:

1. Número: 70065781999 Órgão Julgador: Oitava Câmara Criminal Tipo de Processo: Agravo Comarca de Origem: Comarca de Santa Rosa Tribunal: Tribunal de Justiça do RS Seção: CRIME Classe CNJ: Agravo de Execução Penal Assunto CNJ: Roubo Majorado Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira Decisão: Acórdão Ementa: AGRAVO EM EXECUÇÃO. FALTA GRAVE. POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. APENADO QUE CUMPRE PENA NO REGIME FECHADO. CONSEQUENCIAS. ALTERAÇÃO DE DATA-BASE E PERDA DE 1/6 DOS DIAS REMIDOS. - NULIDADE DO PAD REJEITADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. Apenado que, tanto na oitiva perante o Conselho Disciplinar, como em audiência de justificação, foi assistido pela defesa técnica. - FALTA GRAVE. Art. 52 da LEP. A prática de conduta definida como crime doloso, descrita no artigo 28 da Lei n.º 11.343/2006, configura falta grave, independentemente da existência de condenação com trânsito em julgado. E segundo entendimento deste Colegiado, desnecessária a confecção de laudo toxicológico para a configuração da falta grave no âmbito administrativo. Apreensão da droga dentro de uma caneta, junto aos pertences do apenado, suficientemente comprovada. - CONSEQÜÊNCIAS. REGRESSÃO DE REGIME e INTERRUPÇÃO DO LAPSO PARA NOVA PROGRESSÃO. Reconhecido o cometimento da falta de natureza grave, a regressão de regime prisional é medida que se impõe, conforme determina o artigo 118, inciso I, da LEP. Apenado que já se encontrava no regime fechado, circunstância que não impede a interrupção do prazo para a progressão, simples decorrência da interpretação sistemática da Lei de Execução Penal, que, em seu artigo 112, estabelece como requisito para a transferência a regime menos rigoroso o cumprimento pelo apenado de ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior. Jurisprudência pacífica do STF e do STJ. - ALTERAÇÃO DA DATA-BASE. Ocorrendo a regressão de regime prisional, a interrupção do prazo para benefícios da execução penal (progressão, saída temporária e serviço externo) é simples decorrência da interpretação sistemática da Lei de Execução Penal, que, em seu artigo 112, estabelece como requisito para a transferência a regime menos rigoroso, o cumprimento pelo apenado de ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior. Jurisprudência pacífica do STF e do STJ. - PERDA DOS DIAS REMIDOS. Norma do art. 127 da LEP cuja constitucionalidade restou assentada pela súmula vinculante n.º 09 do STF. Perda estabelecida na fração de 1/6, considerando a gravidade da falta cometida. PRELIMINAR AFASTADA. AGRAVO IMPROVIDO. (Agravo Nº 70065781999, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 26.8.2015, Publicação: Diário da Justiça do dia 18.9.2015).

A situação prisional do recorrente somente pode ser agravada após ser-lhe assegurado a oportunidade de se justificar, resguardando, sempre, a possibilidade da defesa técnica em atuar no feito.

Constatando, portanto, no presente caso, a ocorrência de nulidade e consequente prejuízo para o reeducando e à sua defesa técnica, alternativa não há senão a anulação da decisão recorrida para que uma nova seja proferida com observância ao devido processo legal.

Além disso, considerando que o apenado já encontra-se recolhido à prisão, conforme verificado por este relator junto aos sistemas criminais, o caso impõe a concessão de habeas corpus de ofício para a liberdade do recorrente.

 

Nestes termos, VOTO pelo acolhimento da matéria preliminar para desconstituir a decisão recorrida e concedo habeas corpus de ofício, nos termos do § 2º, do art. 654 do Código de Processo Penal, para restabelecer a pena restritiva de direitos imposta ao recorrente, e determino seja designada nova audiência de justificação, possibilitando a oitiva do reeducando e da sua defesa técnica, para que, posteriormente, o eminente magistrado profira nova decisão.

Comunique-se com urgência para cumprimento imediato desta decisão.