RE - 37095 - Sessão: 19/12/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ISMAEL FRISON e VILMAR ZUGNO contra decisão do Juízo da 75ª Zona Eleitoral que indeferiu a petição inicial da ação de investigação judicial eleitoral ajuizada contra EDSON MACHADO, DILSO CASSOL, AGENOR MINOZZO, RENATO RODRIGUES DE OLIVEIRA, ANTÔNIO DE OLIVEIRA, KAUANE BETINA DE OLIVEIRA, MÁRCIO DA PAZ LOUREIRO, MARINELZA LURDES DE OLIVEIRA, VERA APARECIDA LISBOA VIEIRA, COLIGAÇÃO NOVA PRATA UNIÃO E CRESCIMENTO, MÁRCIO CORTELINI, MAGNOS SPAGNOL, GIOVANNA GUIDINI e LUCIANO TOSCAN, com fundamento na ausência de suporte fático para desencadeamento da ação.

Nas razões recursais (fls. 20-30), suscita preliminar de impedimento e suspeição do juízo de primeiro grau. No mérito, sustenta que a candidata Marinelza, presidente do partido, não recebeu um voto sequer, nem realizou atos de campanha. Argumenta estar configurada fraude no preenchimento das quotas por gênero. Requer o retorno dos autos à origem para regular prosseguimento do feito.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 47-55).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no dia 17.10.2016 (fl. 19), e o apelo interposto no dia seguinte (fl. 20), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97.

Preliminarmente, a parte recorrente suscita a suspeição e impedimento do juiz de primeiro grau, sob a alegação de que jurisdiciona a bastante tempo no município e “não deseja se indispor com ninguém”.

As hipóteses de impedimento e suspeição estão previstas no Código de Processo Civil, dentre as quais não se inclui o tempo de jurisdição do magistrado. Ademais, a alegação é desprovida de qualquer suporte probatório sobre a aduzida propensão a “não se indispor”.

Assim, rejeita-se a preliminar suscitada.

No mérito, insurge-se o recorrente contra o indeferimento da petição inicial com fundamento na ausência de suporte fático para o desencadeamento da ação.

Aduziu a inicial que a candidata Marinelza de Oliveira não recebeu nenhum voto, nem realizou qualquer ato de campanha. Alegam os autores a ocorrência de fraude no sistema de quotas de gênero, estabelecida no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, à proporção de 70%, no máximo, e 30%, no mínimo, para cada sexo, pois, tais circunstâncias evidenciam que sua candidatura ocorreu apenas para viabilizar outras, do sexo masculino.

O magistrado sentenciante indeferiu a petição inicial sob o fundamento de que a ação não possui suporte fático suficiente, tendo em vista que a ausência de votos não é razão, por si só, para evidenciar a pretendida fraude.

Merece reforma a sentença.

As quotas de gênero são um mecanismo de política afirmativa com o fim de promover a participação feminina na política, que tem encontrado resistência desde quando foi positivada. Tem-se observado indícios de que os partidos limitam-se a lançar candidatas de forma fraudulenta apenas para viabilizar outras, do sexo masculino.

Tal postura tem sido combatida pela doutrina e encontra eco na jurisprudência, a qual já admitiu o ajuizamento de ação de investigação judicial eleitoral para apurar eventual fraude às quotas de gênero:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE. PERCENTUAIS DE GÊNERO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

1. Não houve ofensa ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem entendeu incabível o exame da fraude em sede de ação de investigação judicial eleitoral e, portanto, não estava obrigado a avançar no exame do mérito da causa.

2. "É pacífico o entendimento jurisprudencial desta Corte no sentido de que o partido político não detém a condição de litisconsorte passivo necessário nos processos nos quais esteja em jogo a perda de diploma ou de mandato pela prática de ilícito eleitoral" (AgR-AI nº 1307-34, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 25.4.2011).

3. Para modificar a conclusão da Corte de origem e assentar a existência de oferta de benesse condicionada ao voto ou de ato abusivo com repercussão econômica, seria necessário o reexame do conjunto probatório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial (Súmulas 7 do STJ e 279 do STF).

4. É possível verificar, por meio da ação de investigação judicial eleitoral, se o partido político efetivamente respeita a normalidade das eleições prevista no ordenamento jurídico - tanto no momento do registro como no curso das campanhas eleitorais, no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições - ou se há o lançamento de candidaturas apenas para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o efetivo desenvolvimento das candidaturas.

5. Ainda que os partidos políticos possuam autonomia para escolher seus candidatos e estabelecer quais candidaturas merecem maior apoio ou destaque na propaganda eleitoral, é necessário que sejam assegurados, nos termos da lei e dos critérios definidos pelos partidos políticos, os recursos financeiros e meios para que as candidaturas de cada gênero sejam efetivas e não traduzam mero estado de aparências.

Recurso especial parcialmente provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 24342, Acórdão de 16.8.2016, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 65-66.)

Dessa forma, os fatos alegados pelos autores, fraude no preenchimento do número mínimo de vagas, em tese é perfeitamente passível de ser apurado em investigação judicial.

Ademais, a inicial é acompanhada de indícios da verossimilhança da alegação, pois a candidata não recebeu votos, nem mesmo o seu, e realizou inexpressivos gastos na campanha.

Dessa forma, não se afigura correto o indeferimento da petição inicial porque os indícios trazidos não justificam o desencadeamento da ação.

Havendo indícios de fraude passível de ser apreciada em ação de investigação judicial, é imperioso dar curso à ação, a fim de esclarecer os fatos alegados e, após regular instrução, concluir pela existência ou não de provas da alegada fraude.

DIANTE DO EXPOSTO, rejeitada a preliminar suscitada, voto por dar provimento ao recurso, determinando o retorno dos autos à origem para regular processamento.