RE - 14843 - Sessão: 01/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO EM FRENTE COM A MUDANÇA (PT-PSD) contra sentença prolatada pelo Juízo da 6ª Zona Eleitoral (fls. 44-5), de Antônio Prado, que julgou improcedente a representação por propaganda eleitoral negativa e propaganda antecipada ajuizada em desfavor da COLIGAÇÃO AVANTE ANTÔNIO PRADO (PP-PTB), LAUREANO ANTÔNIO FORTUNA, RÁDIO SOLARIS LTDA, SOCIEDADE LITERÁRIA E JORNALÍSTICA PRADENSE - PANORAMA PRADENSE e RONEI MARCÍLIO, entendendo que as matérias divulgadas na página da internet da emissora Rádio Solaris inserem-se dentro da crítica do debate eleitoral e não caracterizam injúria, calúnia, difamação nem propaganda eleitoral extemporânea.

Em suas razões (fls. 46-52), a recorrente alega, preliminarmente, ausência de previsão legal para o indeferimento liminar da representação, e, no mérito, (i) que o candidato a prefeito Laureano Antônio Fortuna é o proprietário da Rádio Solaris Ltda., e que estaria utilizando a imprensa para fazer alusão ao adversário de forma dissimulada; (ii) que as duas publicações que entende se tratar de propaganda antecipada não são o único objeto da representação; (iii) que as manifestações dos órgãos de comunicação extrapolaram os limites impostos pelos arts. 17, inc. IX, e 31, inc. IV, ambos da Resolução TSE n. 23.457/15, e (iv) irrelevância da existência de processo judicial pleiteando direito de resposta pelas mesmas razões. Requer a reforma da sentença para julgar procedente a representação.

Com as contrarrazões (fls. 60-3, 66-7 e 70-3), os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pela rejeição da matéria preliminar e desprovimento do recurso (fls. 81-6v).

É o relatório.

 

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Passo ao enfrentamento da preliminar de ausência de previsão legal para o indeferimento da petição inicial.

Em suas razões, a coligação recorrente afirma que não seria possível o indeferimento liminar da representação, por ausência de previsão legal, argumentando que o art. 8º, caput, da Resolução TSE n. 23.462/15 não possibilita o indeferimento de plano ao determinar a imediata notificação do representado para apresentação de defesa.

A petição inicial das representações eleitorais é peça jurídica que se sujeita aos ditames e pressupostos previstos na legislação processual civil comum, inclusive quanto a seus requisitos legais, conforme expressamente determina o Código de Processo Civil em seu art. 15:

Art. 15 - Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

No entanto, conforme aponta a Procuradoria Regional Eleitoral, a sentença mencionou o indeferimento da petição inicial e a improcedência liminar do pedido sem mencionar quaisquer das hipóteses previstas no art. 332, caput, incs. I a IV e § 1º, do CPC:

Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:

I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;

II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local. § 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.

Consoante aponta o Parquet, não se mostra necessária a remessa dos autos à primeira instância, pois o contraditório restou aperfeiçoado pelas contrarrazões acostadas aos autos, estando a causa apta para julgamento por esta Corte Regional, nos termos do art. 1.013, § 3º, inc. IV, do CPC/2015, aplicável a este feito por analogia:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

(…)

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

(…)

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

Nesses termos, indefiro a preliminar suscitada.

No mérito, o exame dos autos, a análise das provas e a leitura da peça recursal demonstram ser acertada a conclusão de que as matérias divulgadas na página da internet da emissora Rádio Solaris referidas na inicial não caracterizam ofensa à legislação eleitoral.

De fato, não há propaganda eleitoral direta ou indireta, não há pedido de voto a quem quer que seja e em momento algum houve referência às eleições.

A sentença enfrentou a questão de forma bastante clara e elucidativa, motivo pelo qual adoto os fundamentos da magistrada de primeiro grau como razões de decidir, merecendo ser transcrito o seguinte excerto da decisão:

A coligação Em Frente Antônio Prado (não parece ser este o nome registrado no pedido de registro, onde consta em Frente com a Mudança) oferece representação contra a coligação Avante Antônio Prado, o candidato majoritário Laureano Antônio Fortuna, a Rádio Solaris o jornalista/radialista Ronei Marcilio e o Jornal Panorama Pradense, relatando que em diversas matérias teria havido propaganda eleitoral antecipada, calúnia, injúria e/ou difamação contra o candidato à reeleição pela coligação representante ou propaganda que atinge órgão público ou entidade que exerce autoridade pública.

Sucintamente relatados os fatos, passo a decidir.

A presente representação deve ser indeferida, de plano, por ser manifestamente improcedente.

A uma, porque nenhuma das matérias reclamadas na inicial, quer da construção do anfiteatro e corte de árvores, quer a notícia de redução de vasão de ponte, constitui propaganda eleitoral antecipada.

Embora a data das publicações não permitam concluir tratar-se de propaganda antecipada, de qualquer forma, não consta expressa referência ao pleito de 2016, muito menos pedido de voto em favor de quem quer que seja.

A dois, porque as reportagens, mesmo de forma indireta, não constituem propaganda eleitoral, justamente porque não fazem referência às eleições e a qualquer candidato.

O fato de serem veiculadas neste período anterior às eleições não as transformam, automaticamente, em propaganda eleitoral.

Em terceiro lugar, a lei eleitoral não visa a colocar candidato à reeleição no patamar de inquestionável nos seus atos de gestor público.

Todo o gestor público deve estar ciente de que seus atos são fiscalizáveis pelos órgãos oficiais de controle, v.g., MP, vereadores e TCE, bem assim pela imprensa e população.

A disfarçada pretensão da coligação é ocultar a vontade de outrem, ou verdadeira reserva mental, e impedir que Prefeito e Secretário Municipal sejam alvos de críticas por atos e decisões tomadas.

As matérias não constituem calúnia, injúria ou difamação eleitoral; a primeira já foi objeto de pedido de direito de resposta, administrativamente atendido. A segunda matéria pende de análise de direito de resposta.

A crítica, embora aguçada do radialista/jornalista Ronei Marcílio, especialmente em seu perfil pessoal do Facebook, não autoriza a representação contra candidato e respectiva coligação, mesmo que o candidato tenha vínculo societário com qualquer dos veículos de comunicação.

Por não se tratar de ato de propaganda, e de acordo com o art. 18 da Resolução nº 23.457/2015, os que se sentirem prejudicados com a veiculação da notícia, poderão demandar no juízo cível eventual abalo moral, sem prejuízo da ação penal privada.

Do ponto de vista eleitoral, repito, não há propaganda eleitoral direta ou indireta, não há pedido de voto a quem quer que seja e em momento algum houve referência às eleições.

O direito de crítica não pode ser tratado aqui como eleitoral, devendo a análise recair nos juízos cível e criminal.

Antônio Prado/RS, 19 de setembro de 2016.

A conclusão alcançada pela Procuradoria Regional Eleitoral, que também adoto como razões, é idêntica:

A controvérsia reside na divulgação de notícias pelos recorridos, entendendo a recorrente serem estas ofensivas ao candidato NILSON CAMATTI e à administração pública do Município de Antônio Prado, sendo que um dos artigos jornalísticos teria sido divulgado em data anterior ao período eleitoral. Em síntese, a irresignação dos recorrentes funda-se nos seguintes fatos:

1) Ocorrência de propaganda antecipada, pela divulgação, por parte da RÁDIO SOLARIS LTDA. e pelo JORNAL PANORAMA PRADENSE, de notícias ofensivas ao candidato da coligação antes de 15 de agosto, consistente em uma reportagem intitulada “MARCADAS PARA MORRER: Mais de 40 árvores devem ser derrubadas na Praça Garibaldi em Antônio Prado”;

2) Veiculação, pela RÁDIO SOLARIS LTDA. e pelo JORNAL PANORAMA PRADENSE, de reportagem sensacionalista, consistente em exagero dos possíveis riscos de uma obra de alargamento de ponte, caracterizando propaganda irregular, pela divulgação de propaganda eleitoral com alusão ou crítica a candidato, simulando matéria jornalística, incorrendo ambos nas sanções do art. 31, § 2º, e o JORNAL PANORAMA PRADENSE nas sanções do art. 30, § 2º, ambos da Resolução TSE nº 23.457/2015;

 

II.II.I – Da alegada propaganda extemporânea

Inicialmente, examino a alegada publicidade extemporânea, consistente em uma reportagem intitulada “MARCADAS PARA MORRER: Mais de 40 árvores devem ser derrubadas na Praça Garibaldi em Antônio Prado”.

Conforme o art. 36, caput, da Lei nº 9.504/97 e o art. 1º, caput, da Resolução TSE nº 23.457/2015, a propaganda eleitoral somente é permitida a partir do dia 15 de agosto do ano da eleição.

Examinando a publicação da RÁDIO SOLARIS (fls. 27-28), noto que não está datada, impossibilitando o exame da alegada extemporaneidade.

Em relação à matéria divulgada pelo JORNAL PANORAMA PRADENSE (fl. 35), verifica-se que a publicação ocorreu na data de 17/08/2016, ou seja, durante o período eleitoral, não podendo caracterizar propaganda antecipada. Entretanto, entende o TSE que os limites do pedido são estabelecidos pela narrativa fática, e não pela capitulação legal atribuída a eles, conforme sua Súmula nº 62: 'Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor.'

Portanto, deve-se analisar se o material impugnado caracteriza propaganda irregular, nos termos da lei.

Tratando-se de publicação na internet e imprensa escrita, não havendo provas de que houve divulgação por rádio, somente seriam aplicáveis a este feito os arts. 43, caput, 57-C, § 1º, inciso I, e 57- D, caput, todos da Lei das Eleições, e os arts. 23, § 1º, inciso I, 24, caput, e 30, caput, todos da respectiva Resolução, in verbis (grifados):

[…]

Analisando a publicação em questão, percebo que se inconforma a recorrente com a matéria em razão da notícia ter afirmado que a obra estaria “liberada pelo IPHAN”, quando este órgão apenas teria aprovado seu anteprojeto, sendo ainda necessária a análise e aprovação do projeto executivo.

 

O simples fato de jornalistas terem se equivocado sobre as tecnicalidades legais do projeto não torna a publicação propaganda eleitoral. Com efeito, trata-se de crítica a projeto da administração municipal, consistente na construção de um anfiteatro em praça pública, não havendo ofensa alguma proferida contra a pessoa do Prefeito, ou mesmo à Prefeitura. Inclusive, os recorridos trataram de publicar nota de esclarecimento oriunda do Superintendente Regional do IPHAN, corrigindo, portanto, o equívoco (fls. 30-31).

Em caso similar, este Tribunal reconheceu a inexistência de propaganda eleitoral:

'Recurso. Propaganda eleitoral. Rádio. Críticas jornalísticas a afirmativas lançadas pelo recorrente da tribuna da Câmara de Vereadores. Art. 45, incisos II e III, § § 2º, 4º e 5º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014. Suspensão, pelo Supremo Tribunal Federal, da eficácia de dispositivos legais invocados pelo representante. Informação jornalística que aplaude ou critica posição de candidato sobre temas de natureza institucional, sem ofensa à honra pessoal, insere-se no campo da crítica política, e não nos espaços tutelados pela lei eleitoral. A liberdade de imprensa é valor indissociável da democracia, e a emissora somente será responsabilizada se extrapolar os limites do direito de informar, com referências desabonadoras, sem relevância jornalística, com propósito de atingir a honra e desequilibrar a disputa eleitoral. Provimento negado. (Petição n. 129593, Acórdão de 17.9.2014, Relator DES. FEDERAL OTAVIO ROBERTO PAMPLONA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 17.9.2014)'

Logo, não prospera a irresignação neste ponto.

 

II.II.II – Da suposta propaganda em programa de rádio

[…]

Novamente, não há nos autos provas da divulgação da matéria por rádio, havendo somente cópia impressa de publicação na rede mundial de computadores.

Todavia, mesmo que houvesse efetiva comprovação da divulgação da matéria por este meio, a reportagem não configura ato ilícito eleitoral. Com efeito, trata-se de texto jornalístico, sem alusão ao candidato NILSON CAMATTI, incidindo na exceção prevista nos dispositivos supracitados, in fine. Também não há sensacionalismo ou tentativa de causar estado mental negativo.

O simples fato da reportagem limitar-se a entrevistar um único morador preocupado com as consequências da obra, incorrendo em certos erros técnicos ao descrever os limites previstos para a vasão do Rio Leão, não leva à conclusão de ser a matéria fabricada ou falsa, divulgada com o intuito de influir no pensamento dos eleitores.

Igualmente, não se pode falar em favorecimento a certo candidato em razão da divulgação de duas matérias críticas à administração pública, as quais sequer mencionam o candidato, sem provocar irregularidades no pleito.

Desta forma, inexiste ilícito eleitoral, conforme precedentes do TSE e TRE-RS (grifados):

'AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 45, II e III, DA LEI Nº 9.504/97. TRATAMENTO PRIVILEGIADO A CANDIDATO E VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA POLÍTICA. INEXISTÊNCIA.

1. Segundo o entendimento desta Corte Superior, permite-se, "na seara eleitoral, não apenas a crítica a determinada candidatura, mas também a adoção de posição favorável a certo candidato salvo evidentes excessos, que serão analisados em eventual direito de resposta ou na perspectiva do abuso no uso indevido dos meios de comunicação" (RO n° 1919-42, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 8.10.2014).

2. A respeito da liberdade de imprensa, no julgamento da Ação Cautelar na ADI nº 4.451, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, o STF manifestou-se no sentido de que "o exercício concreto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico ou irreverente, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado. Respondendo, penal e civilmente, pelos abusos que cometer, e sujeitando-se ao direito de resposta a que se refere a Constituição em seu art. 5º, inciso V".

3. Ao contrário do que entendeu a Corte Regional Eleitoral, dos textos reproduzidos no aresto recorrido, não se constata a existência de propaganda política ou de favorecimento nítido a determinado candidato, mas, sim, a veiculação de críticas ao então governador do estado, candidato à reeleição, e de notícia a respeito dos candidatos a governador e a senador, sem indicação de referências negativas.

4. O provimento do recurso especial não implicou reexame de fatos e provas, mas, sim, a revaloração jurídica das premissas fáticas devidamente delineadas no aresto recorrido, o que não encontra óbice nas Súmulas 279 do STF e 7 do STF. Nesse sentido, os seguintes julgados: AgR-REspe nº 4400-03, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 20.5.2015; AgR-REspe nº 1628- 44, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 13.5.2015; REspe nº 284-28, rel. Min. Laurita Vaz, rel. designado Min. Dias Toffoli, DJe de 25.2.2015. Agravo regimental ao qual se nega provimento

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 96937, Acórdão de 18.12.2015, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 03.3.2016, Página 107-108.)

 

Eleições 2014. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder econômico. Uso indevido dos meios de comunicação. Ilegitimidade passiva de pessoa jurídica. As penalidades do art. 22, XV, da Lei Complementar 64/90 são aplicáveis apenas a pessoas físicas. Veiculação de notícia pertinente a evento de arrecadação para campanha, por si só, não configura favorecimento de candidato. Para a configuração do ato abusivo é necessária demonstração inequívoca da violação à normalidade e legitimidade do pleito. Matéria paga, veiculada dentro dos limites da lei, não configura abuso de poder econômico. O ônus probatório quanto à ilicitude da conduta incumbe à parte autora. Acolheram a ilegitimidade passiva da grei partidária e da empresa jornalística. Julgaram improcedente a ação. (Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 183544, Acórdão de 20.3.2015, Relatora LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 52, Data 25.03.2015, Página 02.)

[…]

Logo, a reportagem não extrapolou os limites da liberdade de manifestação do pensamento, não configurando publicidade eleitoral, tampouco tratamento diferenciado a candidato.

Portanto, a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos.

 

ANTE O EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.