RC - 6025 - Sessão: 30/03/2017 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso criminal contra a sentença do Juízo da 119ª Zona – Nova Palma/RS – que julgou improcedente a ação penal movida contra JUAREZ MAYER, absolvendo-o de ter vulnerado o expresso no art. 299 do Código Eleitoral (captação ilícita de sufrágio). A incoativa assim descreveu os fatos (fls. 02-03v.):

No dia 20 de setembro de 2012, por volta do meio dia, na Rua Ceci Leite Costa, 69, Bairro Santo Antônio, Faxinal do Soturno, o denunciado solicitou e prometeu, para si ou para outrem, vantagem para obter voto, ainda que a oferta não tenha sido aceita.

Na oportunidade, o denunciado, candidato a vereador pelo Município de Nova Palma, foi até a residência do Tenente Antonio Marcos Martins Santos, comandante da polícia militar de Faxinal do Soturno, solicitar-lhe apoio político na campanha eleitoral, no sentido de incentivar os policiais militares de Nova Palma a votarem nele.

O denunciado afirmando estar apoiado pelo Deputado Federal Paulo Pimenta e por um coronel de Santa Maria, Jaime Machado Garcia, prometeu ao Tenente Antonio Marcos Martins Santos proposta de vantagem dizendo que sendo vereador todos ganhariam... E que o Tenente Martins poderia continuar por mais tempo em Faxinal do Soturno comandando. Afirmou, ainda, que qualquer coisa que necessitassem poderiam contar com ele.

Diante da recusa da promessa pelo Tenente Antonio Marcos Martins Santos, o denunciado efetuou ameaça dizendo a ele que se não houvesse apoio na campanha, poderia ser transferido da cidade de Faxinal do Soturno.

A denúncia foi recebida em 02.10.2014 (fl. 193).

Regularmente citado, o réu foi interrogado, momento em que recusou a proposta de suspensão condicional do processo apresentada pelo Ministério Público (fl. 215 e verso).

Após regular instrução processual, sobreveio sentença de improcedência da ação penal eleitoral (fls. 392-394v.).

Da decisão, o Ministério Público Eleitoral interpôs o presente recurso, alegando, em síntese, que o conjunto probatório reunido nos autos é suficiente a demonstrar a materialidade e autoria do delito, motivo pelo qual postula a reforma da sentença, com a consequente condenação do acusado (fls. 397-403v.).

Em suas contrarrazões, o recorrido sustenta a não configuração do crime que lhe foi imputado, o que, em sua visão, restou amplamente esclarecido na sentença, motivo pelo qual requer o desprovimento do apelo, confirmando-se o decreto absolutório (fls. 416-424).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso criminal para que a sentença seja reformada, condenando o réu às iras do art. 299 do Código Eleitoral (fls. 430-438v.).

É o relatório.

 

VOTO

Senhora Presidente, eminentes colegas:

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de 10 dias (art. 362 do Código Eleitoral), razão pela qual dele conheço.

Preliminar

De ofício, verifico que o interrogatório do réu foi realizado na forma prevista no art. 359 do Código Eleitoral, vale dizer, realizou-se, em primeiro lugar, o “depoimento pessoal do acusado”, ato equivalente ao interrogatório no processo-crime comum. Após, o juízo de piso seguiu o rito dos arts. 359, parágrafo único, 360 e seguintes, todos do Código Eleitoral, culminando com a prolação da sentença absolutória de fls. 392-394v.

O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, em feitos que tramitam perante Justiças especializadas, como a Eleitoral e a Militar, têm vaticinado que a Constituição Federal adotou o sistema acusatório, o que veio a ser roborado com a edição da Lei n. 11.719/08, que alterou o rito nos processos penais comuns e impôs que o interrogatório do réu deve ser o último ato do processo (art. 400 do CPP) antes de eventual requerimento final de diligências imprescindíveis ao desate da causa e alegações finais. E este também tem sido o entendimento adotado por nosso Tribunal (HC 253-14.2011.6.21.0000 e RC 6775-67.2010.6.21.0008).

Porém, a defesa do acusado em nenhum momento se insurgiu contra essa circunstância, de modo que sobredita nulidade não pode ser declarada quando somente o Ministério Público Eleitoral interpôs recurso contra a sentença absolutória. Trata-se, aqui, de dar aplicação ao teor da Súmula n. 160 do STF, em toda a sua extensão, que se encontra assim vertida:

É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.

Ademais, à defesa incumbia, no tempo oportuno, alegar prova de eventual prejuízo (art. 563 do CPP), o que não ocorreu.

Nesse sentido, por ilustrativo, colaciono ementa de julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de relatoria do eminente Desembargador José Conrado Kurtz de Souza, que abordou com extrema propriedade o tema:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA.

ARGUIÇÃO DE NULIDADE POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO NÃO RECONHECIDA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 212 DO CPP. SISTEMA ACUSATÓRIO (MISTO).

O Código de Processo Penal brasileiro em vigor, (enquanto não se lhe declare, no todo ou em parte, desconforme com a Constituição), tem feição mista ou, poder-se-ia dizer “acusatória-inquisitória”. A tanto é bastante apontar a existência do inquérito policial, de natureza inquisitorial por excelência, e verificar, em juízo, as várias possibilidades de iniciativa probatória entregues ao juiz pelo legislador, nada obstante se verifique a cada alteração legislativa a introdução na legislação processual penal de instrumentos de caráter marcadamente acusatório.

Partindo-se da concepção até agora predominante no sistema continental europeu, onde está a raiz genética do sistema jurídico-penal brasileiro, de que a investigação da verdade no processo penal tem raiz no Estado Democrático de Direito (Rechtsstaatsprinzip), e de que somente com a sindicância da verdade (materielle Wahrheit) pode o princípio da culpabilidade (Schuldprinzip) ser realizado, é corolário lógico e jurídico de que compete ao legislador das normas processuais penais, atento às normas (e limites) constitucionais, dentro da tradição do sistema brasileiro, a tarefa de traçar o modelo de processo penal aplicável no território nacional, seja ele aproximado do denominado modelo acusatório puro do sistema anglo-americano, do acusatório moderado, nos moldes do italiano atual, ou na formatação do alemão (em que vige o denominado Amtsaufklärungsprinzip), ou mesmo outro a ser eventualmente formatado dentro da exclusiva experiência jurídica brasileira a ser revelado.

Sob tal enfoque, em atenção ao momento atual do processo penal no Brasil, embora a nova técnica não tenha sido estritamente aplicada, não deve ser declarada a nulidade do ato pelo fato de a iniciativa da inquirição em audiência ter partido do juiz se foi preservado o equilíbrio processual entre a acusação e a defesa, isto é, se foi assegurado concretamente o contraditório e a ampla defesa.

Nesta senda, toma vulto a regra do artigo 563 do CPP, que reza que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. Ou seja, não é recomendável a decretação de nulidade de ato processual pela mera inobservância da forma se ele produziu o resultado pretendido, isto é, dentro de padrões em correspondência com a lei em vigor. […]

(TJRS – Apelação n. 70067197889, CNJ n. 0405166-16.2015.8.21.7000, Relator Des. JOSÉ CONRADO KURTZ DE SOUZA, julgado em 17.12.2015.) (Grifei.)

Superada, pois,  a preliminar, passo ao exame do mérito.

 

Mérito

Quanto ao mérito, a questão cinge-se a verificar se há procedência na denúncia realizada pelo Ministério Público Eleitoral da 119ª Zona, dando conta de que Juarez Mayer, policial militar e candidato a vereador nas eleições de 2012, teria praticado o crime de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral, ao comparecer à residência do tenente da Brigada Militar Antônio Marcos Martins Santos, comandante da Polícia Militar de Faxinal do Soturno, no dia 20.9.2012, momento em que o réu teria solicitado que este “incentivasse” os policiais militares de Nova Palma a votarem nele.

O Magistrado da 119ª Zona Eleitoral, Dr. Miguel Carpi Nejar, entendeu por julgar improcedente a ação, absolvendo o acusado, ao concluir que o conjunto probatório reunido nos autos não demonstrou segurança acerca da prática delitiva pelo réu.

Nessa trilha, vale recordar que o preceito normativo disposto no art. 299 do Código Eleitoral tutela o livre exercício do sufrágio, tendo como objetivo reprimir o comércio de votos, o conhecido toma-lá-dá-cá, a troca de favores entre candidatos e eleitores, in verbis:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa. (Grifei.)

Trata-se de crime formal, visto que sua consumação independe da ocorrência do resultado pretendido pelo agente, e exige, dentre outros elementos, que a peça acusatória indique qual ou quais eleitores teriam sido beneficiados ou aliciados, sem o que o direito de defesa resta comprometido. Nesse sentido:

Na acusação da prática de corrupção eleitoral (Código Eleitoral, art. 299), a peça acusatória deve indicar qual ou quais eleitores teriam sido beneficiados ou aliciados, sem o que o direito de defesa fica comprometido (RHC n. 45224, Relatora Min. LAURITA VAZ, Relator designado Min. HENRIQUE NEVES, DJe de 25.4.2013.).

(TSE – RHC n. 13.316, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, DJE 18.02.2014.) (Grifei.)

Pois bem.

Em suas razões, o recorrente sustenta que o delito foi comprovado pela oitiva da vítima, Tenente Martins, e pelos ditos das testemunhas ouvidas na instrução processual.

Por sua vez, o recorrido, apenas para fins de argumentação, afirma que mesmo que se considerasse por ele praticada a conduta delituosa, estar-se-ia diante de crime impossível, pois tanto o Tenente Martins quanto os demais policiais militares lotados em Nova Palma não possuem domicílio eleitoral naquele município.

Ao analisar o depoimento da vítima, o magistrado sentenciante consignou que:

[…] a palavra de Antônio Marcos Martins Santos não encontra equidistância suficiente a ensejar um veredicto condenatório, posto que, a par de relacionamento conturbado entre acusado e vítima, como também reconhecido por este em seu depoimento judicial, fruto de denúncias promovidas por aquele de indisciplina do denunciado, seu relato é contraditório, a fragilizar a acusação.

Tal se deve pelo fato de que Antônio Marcos Martins Santos era o então superior hierárquico do réu, e é consabido de que a disciplina e a hierarquia são pilares que são estritamente observados no âmbito militar, não sendo crível de que, sendo o ofendido inclusive ameaçado diretamente pelo acusado como assinalado pelo próprio e como consta da denúncia, além do suposto crime de promessa de vantagem para obtenção de voto, a caracterizar delito militar próprio, não tenha dado voz de prisão ao réu naquele momento ou, mesmo logo após, acionado seus comandados para prender o denunciado em flagrante, acaso sua intenção fosse de preservar a integridade dos presentes.

Em relação às testemunhas Leonara Posser Martins, Adão Elimar de Brito e Luciana Martins Santos, o julgador registrou que:

Embora Leonara Posser Martins, que é esposa da vítima, Adão Elimar de Brito e Luciana Martins Santos tenham dito que presenciaram o réu ameaçando Antônio Marcos, o qual era o Comandante da Brigada Militar, em razão de política, as declarações trazidas pelas ditas testemunhas são frágeis para alicerçar a acusação, pois, a par de não justificarem a ausência de imposição hierárquica da vítima em relação ao réu, vão de encontro ao que fora dito pelo próprio ofendido, no sentido de que o fato ocorreu quando estavam sozinhos em uma sala.

Quanto à testemunha Adilson Gomes, assinalou o magistrado que esta “não esclareceu de que forma soube do ocorrido, em certo momento disse que tinha uma padaria no centro e soube apenas de comentários de conduta desabonatória do réu”.

No que concerne aos policiais militares Volnei Milani e Jaime Caetano Brum, o juiz referiu que estes “afirmaram que não votam no município em que o réu seria candidato, e que nunca pediram para eles transferirem seu domicílio eleitoral”. Assinalou, por fim, que o também policial militar Jordano Binotto “confirmou que a vítima é superior hierárquico do réu, e se fosse ameaçado geraria, no mínimo, processo por insubordinação”.

Em parecer (fls. 430-438v.), a Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pelo provimento do recurso, e pontua alguns aspectos que entende relevantes para o reconhecimento da sua compreensão:

[…]

O Tenente Antônio Marcos Martins foi ouvido como informante, devido ao fato de ter instaurado sindicância, por outros fatos, em face do Sd Mayer por infração disciplinar. Em juízo (mídia acostada a fls. 257) confirmou os fatos descritos na denúncia. Na oportunidade, declarou ter sido instado a influenciar o efetivo da Brigada Militar a votar na candidatura do Sd. Mayer para vereador, em troca de poder continuar, o depoente, por mais tempo no comando do Pelotão em Faxinal do Soturno.

[…]

Impende referir que não assiste razão ao magistrado de primeiro grau ao asseverar “que não existiria testemunha presencial” do episódio na residência do Tenente Antônio Marcos Martins, envolvendo o réu Juarez Mayer. É que o fato ocorreu dentro da casa do policial militar, na sala de sua residência. Ao lado desta fica a cozinha, uma peça contígua e aberta, sem porta ou divisória, segundo os esclarecimentos colhidos das testemunhas. Assim, na cozinha, estavam presentes Leonora e Luciana, esposa e irmã, respectivamente, do Tenente, no momento em que este conversava com Juarez Mayer. Ao lado da sala fica a garagem, local onde estava Adão Elimar, cunhado do militar, no momento do fato. Portanto, Leonora, Luciana e Elimar, presentes no local do fato, puderam escutar o diálogo mantido entre o réu e o Tenente da Brigada Militar.

[…]

Nesse contexto, o depoimento de Leonora é claro no sentido de que a intenção do acusado era a de obter o voto de policiais militares comandados pelo Tenente Antônio Marcos Martins, em favor da candidatura de Mayer. Em troca, este Oficial poderia continuar por mais tempo comandando em Faxinal do Soturno, ou, caso não aceitasse, poderia ser transferido para outra cidade […].

[…]

A testemunha Luciana Martins Santos, irmã do Tenente Antônio Marcos Martins Santos, sob o compromisso de dizer a verdade, confirmou em detalhes o fato que envolveu a abordagem do acusado ao Tenente Martins, com o fim de captar os votos dos policiais comandados por este […].

[…]

A testemunha compromissada Adão Elimar de Brito, ex-cunhado do Tenente Antônio Marcos Martins Santos, corrobora integralmente as declarações prestadas pelas demais testemunhas.

[…]

A testemunha compromissada Adilson Gomes, comerciante no município de Nova Palma, de fato não esclareceu de que forma tomou conhecimento do fato, como observou o juízo “a quo”. Todavia, é certo que a aludida testemunha revelou detalhes sobre o acontecido que não podem ser desprezados. Ademais, revela ter conhecimento de que o réu, em outras ocasiões, também havia se utilizado do cargo de policial militar para captar ilicitamente votos de eleitores.

[…]

Com efeito, assiste razão ao Parquet Eleitoral ao destacar que “todos os testemunhos são compatíveis e harmônicos entre si, não havendo qualquer demonstração nos autos desta lide que os contrariem”, de modo que o conjunto fático e probatório mostra-se apto a embasar um juízo de procedência da ação penal.

De outra parte, também não merece prosperar o argumento de que o relato do Tenente Martins não merece credibilidade, por não ter dado voz de prisão ao réu no momento em que este o ameaçou de ser transferido do comando de Faxinal do Soturno.

É que, não obstante a independência das esferas cível, administrativa e criminal, percebe-se que o fato em tela foi objeto de Sindicância efetuada pela Brigada Militar, acostada às fls. 6-171, cujo relatório encontra-se juntado às fls. 164-171 […].

[…]

Com efeito, a referida conclusão restou homologada pelo Comandante-Geral da Brigada Militar (fls. 173-174), confirmando-se os indícios de crime comum e de infração administrativa disciplinar por parte do Sd. JUAREZ MAYER, com o encaminhamento de cópia do expediente ao TJM e ao Comandante do CRPO-Central para expedir PAD ao Militar Estadual Sindicado. Assim, embora o Tenente Martins não tenha dado voz de prisão ao Sd Mayer, “por questão política e receio”, como revelou em seu depoimento, nem por isso o fato deixou de ser apurado, com a adoção das medidas cabíveis na esfera administrativa.

Com efeito, o elemento subjetivo do tipo, qual seja, a finalidade de obtenção do voto, ficou bem explicitada na conduta do acusado, conforme os depoimentos prestados pelas testemunhas. Além disso, ficou evidenciado que os votos almejados eram os do efetivo da polícia militar no município de Nova Palma, circunscrição do pleito em que o réu concorria à vereança.

Ademais, é cediço que o tipo penal em apreço perfectibiliza-se com a ação ilícita dirigida à captação de votos de um grupo determinado ou determinável de eleitores, como ocorre no caso dos autos, não podendo se confundir com as promessas de campanha, as quais possuem caráter geral e usualmente são postas como um benefício à coletividade.

[…]

A propósito, no curso da instrução processual, ao menos três dos policiais que integram o efetivo do município de Nova Palma foram ouvidos, tendo um deles, Jordano Binotto, confirmado que tem domicílio eleitoral naquele município, o que corrobora o substrato fático e probatório que embasa a tese acusatória.

[…]

Por fim, o fato de o Tenente Antônio Marcos Martins não ser eleitor em Nova Palma, por si só, não afasta a configuração do delito, na medida em que lhe foram solicitados os votos dos policiais militares sob o seu comando lotados no município de Nova Palma, circunscrição do pleito.

Adianto que comungo do mesmo raciocínio desenvolvido pelo juízo de primeiro grau, pois, em que pese às judiciosas razões recursais trazidas pelo Ministério Público Eleitoral junto à origem, corroboradas pela douta Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, não há elementos suficientes para a condenação do recorrido, devendo ser mantida a decisão de improcedência da ação penal eleitoral.

Da análise do conjunto probatório é possível concluir que há um histórico de desarmonia na relação entre o réu, o policial militar Juarez Mayer, e seu superior hierárquico, o tenente Antônio Marcos Martins, suposta vítima do delito.

Tal fato é incontroverso, pois reconhecido por ambos nos depoimentos colhidos em juízo. E isso, a meu ver, é o ponto central da questão sob análise. Tenho certa dificuldade em admitir que um indivíduo busque o apoio político de outro com o qual possui um relacionamento conturbado.

Nota-se que há um histórico de desavenças entre acusado e vítima, tendo esta promovido diversas denúncias de indisciplina em relação ao réu, o que leva à seguinte indagação: por que razão o acusado buscaria, de forma ilegítima, o apoio de seu desafeto?

Vejo que a prova dos autos esclareceu que dos três policiais militares lotados em Nova Palma, onde o réu era candidato a vereador, apenas um deles, Jordano Binotto, possui domicílio eleitoral naquele município. Ademais, a própria vítima, o Tenente Martins, não é eleitor daquela localidade.

Portanto, não se mostra crível que o acusado tenha cometido tal ilícito em busca de apenas um voto. Ou seja, que tenha ameaçado seu superior hierárquico com o objetivo de que este pressionasse o único soldado que realmente votava naquela região a sufragar em favor do acusado.

É importante ressaltar que não estou negando o teor da conversa travada entre os interlocutores, nem estabelecendo que qualquer deles tenha faltado com a verdade. Ocorre que, pelo histórico de desavenças formado entre ambos, é plausível que tal diálogo tenha sido pautado por falhas de comunicação.

Vejamos. A prova demonstrou que de fato o acusado compareceu à residência de seu superior hierárquico no dia 20.9.2012, por volta do meio-dia. Isto restou inequívoco. A dúvida paira sobre o teor do diálogo travado entre ambos, e se este tem aptidão para configurar a adequação ao tipo penal trazido no art. 299 do Código Penal.

O réu alegou que procurou o Tenente Martins para alertá-lo sobre o fato de que colegas de farda estariam falando mal dele (do acusado), tecendo comentários sobre questões ligadas à atuação política deste.

Por sua vez, as declarações do Tenente Martins referem que o acusado realmente o procurou para reclamar dos colegas, mas que também solicitou seu apoio. Vejamos o trecho do depoimento:

MP: Especialmente, Martins, em relação ao fato de ele ter pedido apoio político, né, ele chegou a pedir apoio político, ele pediu que incentivasse os policiais militares a votarem nele…

 

Depoente: Sim, exatamente... Porque ele disse que o pessoal tava falando mal dele lá, né... Lá em Nova Palma, os brigadianos de lá tavam falando mal dele, tavam fazendo campanha contra ele, e que era pra eu falar pro pessoal apoiar ele, que ele era um representante da Brigada, e que era pra apoiar ele, que se no mínimo não apoiasse, que não era pra falar mal dele…

Constata-se que o réu verdadeiramente procurou o seu superior hierárquico para “reclamar” dos colegas. Estes estariam falando mal de sua conduta no âmbito político, o que não era de seu agrado, embora tal fato em nada respeitasse à organização militar, até porque o acusado encontrava-se desincompatibilizado de suas funções como condição intrínseca à candidatura.

Vislumbra-se que o réu estava contrariado com os boatos, e queria que o superior tomasse uma atitude para cessá-los. Imagina-se que, na visão do réu, militar deveria apoiar militar, e não o contrário.

Contudo, a comunicação humana, por mais simples que pareça, tem suas armadilhas. Não existe comunicação eminentemente objetiva. Muitas vezes, ao ouvirmos a informação passada pelo interlocutor, acabamos a interpretando de forma diversa daquilo que aquele realmente queria transmitir. E isso está em grande parte atribuído a nossos preconceitos, prejulgamentos. Assim, se o interlocutor cometeu um erro no passado, a probabilidade de a informação por ele transmitida ser julgada negativamente é grande, assim como se alguém possui um histórico de condições positivas, a probabilidade de ser julgado para melhor também será influenciada, mas de forma benéfica. E, no caso sob análise, é incontroversa a desavença existente entre os interlocutores, o que conduz, inevitavelmente, a ruídos de comunicação.

Ao que tudo indica, o réu de fato procurou seu superior e reclamou de seus colegas. Queria o apoio destes, não a desaprovação. Não atingiu seu objetivo, pois o superior corretamente informou que não poderia proceder daquela maneira. A partir de então, imagino que o acusado tenha, como fazem aqueles que se sentem contrariados, sobressaltado-se. Talvez tenha dito que tinha o apoio do Deputado Pimenta, que era amigo do Coronel Jaime, ou seja, que tinha amigos, que tinha poder, que quem quisesse poderia estar ao seu lado, quem não quisesse sofreria as consequências. Enfim, a meu ver foi o que ocorreu. Bravatas de um contrariado.

E nesse momento, se tal fato representasse realmente uma ameaça, caberia ao superior ter dado voz de prisão ao subalterno por quebra de hierarquia. Não o fez, o que, somado ao relacionamento conturbado entre acusado e vítima, fragiliza a acusação.

Portanto, entendo que o conjunto probatório reunido aos autos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa não foi suficiente para comprovar a prática do delito de corrupção eleitoral, tendo a sentença andado bem ao concluir pelo juízo absolutório.

É cediço que a condenação na esfera criminal exige prova robusta da prática da conduta criminosa pelo réu, o que efetivamente não se verifica no caso concreto.

Ademais, a dúvida deve militar sempre em favor do réu, que é presumido inocente até que se prove o contrário.

E acerca da dúvida no processo penal, trago os ensinamentos de Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal - 11. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 294-298.):

[...] toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica.

De fato, embora utilizando critérios diferentes para a comprovação dos fatos alegados em juízo, a verdade (que interessa a qualquer processo, seja cível, seja penal) revelada na via judicial será sempre uma verdade reconstruída, dependente do maior ou menor grau de contribuição das partes e, por vezes do juiz, quanto à determinação de sua certeza.

Enquanto o processo civil aceita uma certeza obtida pela simples ausência de impugnação dos fatos articulados na inicial (art. 302, CPC), sem prejuízo da iniciativa probatória que se confere ao julgador, no processo penal não se admite tal modalidade de certeza (frequentemente chamada de verdade formal, porque decorrente de uma presunção legal), exigindo-se a materialização da prova. Então, ainda que não impugnados os fatos imputados ao réu, ou mesmo confessados, compete à acusação a produção de provas da existência do fato e da respectiva autoria, falando-se, por isso, em uma verdade material.

[…] o nosso processo penal, por qualquer ângulo que se lhe examine, deve estar atento à exigência constitucional da inocência do réu, como valor fundamental do sistema de provas.

Afirmar que ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória implica e deve implicar a transferência de todo o ônus probatório ao órgão da acusação. A este caberá provar a existência de um crime, bem como sua autoria.

[…]

Cabe, assim, à acusação, diante do princípio da inocência, a prova quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua autoria, não se impondo o ônus de demonstrar a inexistência de qualquer situação excludente da ilicitude ou mesma da culpabilidade. Por isso é perfeitamente aceitável a disposição do art. 156 do CPP, segundo a qual “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”.

[…]

E nesse campo nem sequer há divergências: o Estado, no processo penal, atua em posição de superioridade de forças, já que é ele responsável tanto pela fase de investigação quanto pela de persecução em juízo, quanto, finalmente, pela de decisão.

Por mais surpreendente que possa parecer, no processo civil pode-se perfeitamente aceitar uma posição mais atuante do juiz no campo probatório, tendo em vista que, ali, em tese, desenvolvem-se disputas entre partes em condições mais próximas da igualdade. […]

A dúvida somente instala-se no espírito a partir da confluência de proposições em sentido diverso sobre determinado objeto ou idéia. No campo probatório, ela ocorreria a partir de possíveis conclusões diversas acerca do material probatório então produzido, e não sobre o não produzido. Assim, é de se admitir a dúvida do juiz apenas sobre prova produzida, e não sobre a influência ou a ausência da atividade persecutória.

Nesses termos, entendo que não merece reparos a decisão do juízo a quo, pois examinou com extrema acuidade o conjunto probatório, concluindo acertadamente pela improcedência da ação.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo íntegra a sentença recorrida.

É como voto, Senhora Presidente.