RE - 9138 - Sessão: 23/11/2016 às 17:00

(Voto-vista):

Peço vênia para trazer ao colegiado uma outra ótica referente à questão dos prazos processuais ora em exame, que a meu sentir bem se amolda ao princípio da segurança jurídica.

Com o mais acendrado respeito às posições aqui exaradas pelos ilustres colegas, o que me preocupa são as sérias consequências de adotarmos orientação em confronto com a posição do TSE, decorrente da Resolução Normativa n. 23.478/16, que determina a não aplicação do art. 219 do CPC aos feitos eleitorais.

É que decisão que colida com aquela orientação poderá vir a resultar em manifesto prejuízo das partes quando da apreciação da tempestividade dos recursos pela Superior Instância, caso o TSE, enquanto instânca ad quem, aplique a literalidade da norma contida no art. 7º, caput, da referida resolução. Aqui, acolheríamos como tempestivo, enquanto lá poderiam ser considerados como não tempestivos.

Corremos o risco de estar induzindo em erro os advogados, com reflexo direto no direito da parte, fazendo-os crer ser correta a aplicação do art. 219, cuja contagem é apenas nos dias úteis fora do período eleitoral, mas, ao mesmo tempo, acolhendo sua aplicabilidade, com contagem de prazo em dias corridos no período eleitoral, sem norma regulamentar dispondo essa situação.

O que me inquieta é que estamos dizendo que a orientação do TSE extrapolou o limite de seu poder regulamentar, ao passo que esta Corte está dando interpretação diversa a partir do cotejo das normas que envolvem o tema, por meio de acórdão que, em tese, não tem eficácia erga omnes nem efeito vinculante a quem não é parte neste processo.

Registro que, recentemente, este Tribunal vinha decidindo pela não inclusão dos dirigentes partidários nos processos de prestação de contas dos exercícios financeiros, não obstante as novas resoluções sobre finanças partidárias, expedidas pelo TSE, disporem sobre a necessidade de que ditos dirigentes fossem incluídos como partes, sujeitando-se à eventual condenação solidária com os partidos. Aliás, como pugnava o ilustre MP eleitoral. No entanto, reiteradas decisões monocráticas daquela Corte Superior, que julgaram recursos oriundos deste TRE, reformaram nossos acórdãos, com a determinação de observância da norma regulamentar para a inclusão dos dirigentes partidários. Isso nos levou, em melhor juízo de ponderação, a alterar o norte de nossas decisões para acatar a orientação traçada pelo TSE.

Daí, penso que seria oportuno, com atendimento à razoabilidade e à segurança jurídica que, em juízo de ponderação, antes de definirmos os rumos a serem adotados quanto à aplicação dos prazos, seja provocada por esta Corte a manifestação específica do TSE sobre a controvérsia, suspendendo-se o julgamento do presente recurso.

A questão é bastante delicada.

Veja-se, por exemplo, que o Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE) recentemente editou enunciado assentando que a contagem dos prazos em dias úteis é incompatível com a celeridade dos procedimentos afetos aos juizados especiais, e determinou a permanência da contagem em dias corridos, mesmo com a revogação do CPC de 1973.

E, ainda assim, a questão não está uniformizada, pois nem todos os Juizados Especiais do país têm adotado a conclusão do referido enunciado, situação que se reverte em inegável prejuízo às partes e advogados.

Além disso, importa salientar que a solução por mim apresentada não é inédita nem inusitada, trata-se de expediente comumente adotado pelos Tribunais Eleitorais quando se deparam com intercorrências que somente podem ser solvidas pelo TSE, devido ao seu poder regulamentar e à cogência de suas instruções.

Verifiquei que, se a provocação de Tribunal Regional parte ao TSE em período eleitoral, como ocorre no caso presente, é lá autuada como petição, na classe PA, e julgada pela Corte como processo administrativo.

Se é realizada fora do período eleitoral, é autuada como Consulta, na classe CTA, e igualmente decidida em sessão.

Por fim, anoto que pesquisei, nesta data, como a questão está sendo tratada no âmbito do TSE, e observei que além de uma decisão publicada em outubro, no dia de ontem, 22.11.2016, foram publicadas pela Corte Superior Eleitoral outras duas decisões monocráticas, todas assentando que o art. 219 do CPC e a contagem de prazos em dias úteis são inaplicáveis na Justiça Eleitoral:

A questão da não aplicação das disposições do NCPC ao presente processo foi objeto de específico e extenso exame no voto, em caráter preliminar ao mérito, e a irresignação quanto à conclusão adotada deve ser exercida por meio dos recursos cabíveis, pois a esse fim não se prestam os embargos de declaração.

Além disso, anoto que a distinção que o embargante procura estabelecer entre os processos de prestação de contas de partidos políticos e os processos vinculados diretamente ao processo eleitoral, pretendendo que somente os últimos sejam espécies do gênero "feitos eleitorais" a merecer a contagem dos prazos em dias corridos na forma da lei eleitoral, não encontra guarida na lei, na jurisprudência, ou na doutrina.

A expressão "feitos eleitorais" , empregada no voto, sempre foi utilizada nesta Corte para se referir a todos os tipos de processos judiciais em tramitação na Justiça Eleitoral, sem distinção, e não somente àqueles relacionados diretamente ao processo eleitoral. […]

Assim, não merece prosperar a distinção proposta pelo embargante para conferir tratamento diferenciado aos processos de prestação de contas dos partidos políticos.

Confirmando a correção do procedimento adotado nestes autos, a novel Res.-TSE n° 23.478, publicada no DJE de 15.6.2016, estabelece expressamente, em seu art. 70, que "o disposto no art. 219 do Novo Código de Processo Civil não se aplica aos feitos eIeitorais" , sem nenhuma distinção.

[...]

(RECURSO EXTRAORDINÁRIO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS N. 918-15, Decisão monocrática de 17.11.2016, Min. Gilmar Mendes. Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 22.11.2016 - n. 221 - Página 7-9.)

Em que pese o Ministério Público Eleitoral tenha concluído pela tempestividade do apelo, em razão da "contagem do prazo em dias úteis, conforme art. 219 do CPC/2015, tendo em vista que a interposição do recurso se deu antes da publicação da Resolução TSE nº 23.478/2016, que, em seu art. 7º, passou a afastar expressamente a aplicação da citada regra aos feitos eleitorais" (fl. 362), verifico que esta Corte já firmou entendimento diverso.

Ainda que a Resolução TSE n. 23.478 tenha sido aprovada em sessão de 10/05/2016 e publicada em 15/06/2016, a jurisprudência do Tribunal, antes mesmo da edição desse ato regulamentar, concluiu que não se aplica à Justiça Eleitoral a regra prevista no novo Código de Processo Civil que estabelece a contagem dos prazos somente em dias úteis.

Nesse sentido, cito o seguinte precedente, no qual fiquei vencido, em que o acórdão embargado foi publicado em 14.4.2016, quinta-feira, e os embargos somente foram opostos no dia 19.4.2016, terça-feira, motivo pelo qual não foi conhecido, afastando-se a aplicação do CPC/2015:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR AUTAIR GOMES PEREIRA, BRUNO MARTUCHELE DE SALES, JOÃO OSCAR DE SOUZA COSTA, JÚLIO CÉSAR GOMES DOS SANTOS e PRICILA AUGUSTA NORONHA CARDOSO. INTEMPESTIVIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DA REGRA PREVISTA NO ART. 219 DO NCPC NO PROCESSO ELEITORAL. INCOMPATIBILIDADE SISTÊMICA. PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. NÃO CONHECIMENTO.

1. A norma contida no art. 219 do NCPC, relativa à contagem de prazos processuais, não se aplica ao processo eleitoral, dada a flagrante incompatibilidade com os princípios informadores do Direito Processual Eleitoral, especialmente o da celeridade, do qual é corolário a garantia constitucional da razoável duração do processo.

[…]

(ED-AgR-REspe 533-80, rel. Min. Maria Thereza, DJE de 3.8.2016, grifo nosso.)

Como se vê, a aplicação do entendimento firmado por este Tribunal no sentido da inaplicabilidade da contagem do prazo em dias úteis, nos termos do art. 219 do Código de Processo Civil de 2015, deu-se independentemente da publicação da Res.-TSE 23.478.

[…].

(AI - Agravo de Instrumento n. 5959, Decisão monocrática de 22.10.2016, Relator: Min.Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 28.10.2016 - Página 40-43.)

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012. CONTAS DESAPROVADAS. RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO APÓS O TRÍDUO LEGAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 219 DO CPC/15 AO PROCESSO ELEITORAL. PRINCÍPIO DA CELERIDADE DO PROCESSO. 

ART. 7o., CAPUT DA RES.-TSE 23.478/16. PRECEDENTE: AGR-RESPE 44-61/SP. REL. MIN. LUIZ FUX, DJE 26.10.2016. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

[…].

(RESPE - Recurso Especial Eleitoral n. 8427, Decisão monocrática de 16.11.2016,Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 22.11.2016 - Página 34-35.)

Assim, por entender ser o procedimento mais seguro e razoável a ser observado, encaminho as presentes ponderações para a reflexão dos demais colegas.

 

(Após votar o relator reconhecendo a tempestividade do recurso, no que foi acompanhado pelo Des. Paulo Afonso, Dra. Maria de Lourdes, Dr. Luciano Losekann e Dr. Silvio Ronaldo, pediu vista o Des. Marchionatti. Julgamento suspenso.)