RE - 3504 - Sessão: 24/01/2017 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA - PSDB de Uruguaiana contra sentença que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2013, em virtude do recebimento de valores oriundos de fontes vedadas.

Em sua irresignação (fls. 334-345), o recorrente sustenta que os recursos impugnados advêm de pessoas que doavam ao partido antes de assumirem os seus cargos públicos. Argumenta ter sido constatado o desaparecimento de computadores, fichas de filiação e livros-caixa do órgão municipal, prejudicando possíveis esclarecimentos à Justiça Eleitoral. Aduz que a irregularidade verificada representa pouco mais de 9% do total arrecadado e é incapaz de causar desequilíbrio ao pleito, sendo desproporcional a desaprovação e a pena imposta. Alega que não havia previsão de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional antes de 2015. Requer a aprovação das contas com ressalvas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 352-363).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura (relator):

Tempestividade:

O recurso é tempestivo. O recorrente foi intimado da decisão no dia 02 de agosto de 2016 (fl. 330) e o apelo foi interposto no dia 04 do mesmo mês (fl. 334), respeitando o prazo de 3 dias previsto pelo art. 258 do Código Eleitoral.

Citação dos responsáveis:

Suscita o Ministério Público a nulidade da sentença, em virtude da ausência de citação dos responsáveis partidários (presidente e tesoureiro) para integrarem a demanda, em confronto com a normativa prevista nas Resoluções TSE n. 23.432/14 e 23.464/15.

Tenho por acolher a preliminar suscitada.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral, em reiteradas decisões monocráticas, tem reformado as sentenças proferidas por esta Corte, determinando a inclusão dos responsáveis no feito, sob o fundamento de que as normas determinantes de sua citação possuem natureza processual e incidem imediatamente aos processos que ainda não tenham sido julgados, conforme estabelece o art. 65, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Reproduzo a seguinte passagem da decisão proferida pelo Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin sobre o tema:

Tal regra, ao contrário do que entendeu o TRE/RS, tem cunho eminentemente processual, porquanto aptidão de determinado sujeito para assumir o posto, seja de autor ou de réu, relaciona-se com normas instrumentais, não se subordinando ao mérito das contas. Assim, nos termos do art. 65, § 1º, do referido diploma normativo, aplica-se a processos de outros exercícios financeiros ainda não julgados (RESPE n. 670, Decisão monocrática, Relator: Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 06.10.2016.)

No mesmo sentido, foram proferidas outras decisões: Agravo de Instrumento n. 11508 (Decisão monocrática, Relator: Min. Luiz Fux, DJE: 24.10.2016); Recurso Especial Eleitoral n. 6008 (Decisão monocrática, Relator: Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 26.9.2016);  e RESPE n. 11253 (Decisão monocrática, Relator: Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 15.9.2016).

Dessa forma, entendo adequado o realinhamento das nossas decisões com o entendimento que vem se formando no egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a finalidade de evitar maiores tumultos processuais e morosidade na resolução de mérito das contas partidárias.

Ademais, a determinação de citação dos responsáveis pelas contas partidárias, sendo norma de cunho processual, como definiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, estabelece a formação de litisconsórcio necessário no processo de prestação de contas de forma imperativa, como condição de validade da sentença.

A formação desse litisconsórcio necessário já na prestação de contas partidária se dá pela unificação de dois procedimentos previstos na revogada Resolução TSE n. 21.841/04: 1.o julgamento das contas e 2. tomada de contas especial contra os responsáveis.

Inicialmente, havia o julgamento das contas da agremiação e, caso não fossem prestadas ou não houvesse a regularização de valores do Fundo Partidário, seria iniciado um procedimento de tomada de contas especial “visando a apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano” (art. 35 da Resolução TSE n. 21.841/04), no qual se verificava o nexo de causa entre o comportamento do responsável e o prejuízo ou o dano (art. 36, § 1º, da Resolução TSE n. 21.841/04).

Com a revogação da Resolução TSE n. 21.841/04 e a determinação da citação dos responsáveis partidários pela Resolução TSE n. 23.464/15, vislumbram-se duas consequências.

Primeiro, não há mais procedimento específico previsto no ordenamento jurídico para apurar a responsabilidade dos dirigentes partidários em caso de irregularidades praticadas com recursos do Fundo Partidário. Daí a importância, sob o viés do interesse público, da citação dos responsáveis na prestação de contas do partido.

Em segundo lugar, a participação do responsável pelas contas partidárias antes da decisão que as julga lhe permite trazer elementos, documentos e esclarecimentos capazes de levar à aprovação ou reduzir o montante irregular inicialmente apurado. Na antiga tomada de contas especial, buscava-se apurar a responsabilidade do dirigente pelas irregularidades já declaradas judicialmente. No atual procedimento, ao responsável partidário é permitido trazer esclarecimentos antes mesmo do julgamento das contas, o que pode, inclusive, impedir a formação do título executivo. Daí a importância, também sob o viés individual, da participação do responsável na prestação de contas.

Dessa forma, não se pode entender que a citação dos responsáveis lhes cause prejuízo, pois terão a possibilidade de trazer esclarecimentos capazes, inclusive, de levar à aprovação das contas.

Ademais, não se pode projetar as possibilidades abstratas de defesa dos responsáveis para concluir que a ausência de citação não lhes causaria prejuízo. O direito de defesa é pressuposto constitucional de legitimidade da própria atividade jurisdicional, como leciona Guilherme Marinoni:

A jurisdição, para responder ao direito de ação, deve necessariamente atender ao direito de defesa. Isso pela simples razão de que o poder, para ser exercido de forma legítima, depende da participação dos sujeitos que podem ser atingidos pelos efeitos da decisão. E a participação das partes interessadas na formação da decisão e a fidelidade da jurisdição ao Direito que conferem legitimidade ao exercício da jurisdição. (Curso de Direito Civil, vol 1., 2015, p. 347.)

Sendo a defesa requisito imprescindível para a formação da decisão, e determinada a citação dos responsáveis pelo ordenamento, a nulidade não se convalida por eventual preclusão ou ausência de prejuízo.

A falta de citação dos responsáveis gera nulidade absoluta, cujo prejuízo é ínsito à irregularidade e presumido pelo ordenamento, pois a integração da ação pelos responsáveis é pressuposto de legitimidade da própria atuação judicial.

 

DIANTE DO EXPOSTO, acolho a preliminar suscitada pelo douto Procurador Regional Eleitoral, a fim de anular o feito desde a citação do partido para apresentação de defesa sobre o parecer conclusivo, determinando o retorno dos autos a origem para que sejam citados os responsáveis.