RE - 36109 - Sessão: 01/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO SIMPLICIDADE E TRABALHO (PDT - PSC) contra a sentença (fls. 30 e verso) que julgou procedente a representação ajuizada contra a COLIGAÇÃO QUERO SER FELIZ DE NOVO (PP – PSDB) e JOÃO PAULO ZIULKOSKI, por entender pela irregularidade da propaganda em questão, ratificando a liminar e determinando apenas a retirada do referido material publicitário, sem a incidência de multa.

Em seu recurso (fls. 34-39), a recorrente alega a ausência, nos autos, de comprovação da efetiva retirada da propaganda irregular, bem como sustenta que não é apta a afastar a penalidade de multa a remoção do artefato publicitário, tendo em vista a veiculação ter sido feita em bem particular. Requer a reforma da sentença para aplicar a devida sanção prevista em lei.

Com contrarrazões (fls. 42-44), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo parcial provimento do recurso (fls. 47-50).

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois observou o prazo de 24 horas previsto no art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97.

No mérito, cuida-se de recurso em representação por propaganda irregular consistente em bandeira afixada em bem particular. O juiz eleitoral julgou procedente a demanda, mas não aplicou multa.

O art. 37, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.504/97, com a redação conferida pela Lei 13.165/15, estabelece que a propaganda eleitoral realizada em bens particulares deve ser feita em papel ou adesivo e respeitar a dimensão máxima de 0,5m², sob pena de multa de R$ 2.000,00 a R$ 8.000,00:

art. 37.

§ 1º A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais)

§ 2º Em bens particulares, independe de obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral, desde que seja feita em adesivo ou papel, não exceda a 0,5 m² (meio metro quadrado) e não contrarie a legislação eleitoral, sujeitando-se o infrator às penalidades previstas no § 1o.

Antes da Lei n. 13.165/15, a legislação disciplinava a propaganda em bens particulares pela forma ou meio de sua divulgação: “fixação de faixas, placas, cartazes, pinturas ou inscrições”. A redação atual do art. 37, § 2º, abandonou a antiga sistemática e, em vez de referir o meio da propaganda, passou a tratá-la pelo material: “papel ou adesivo”.

Para a definição do alcance da norma, deve-se interpretar o texto legal teleologicamente e em conformidade com os princípios constitucionais.

Atentando para a finalidade da norma, a reforma legislativa claramente buscou proibir pinturas em muros, meio de propaganda que causava significativa poluição visual, e provocava a multiplicação de demandas, em razão das constantes irregularidades das pinturas.

Assim, o legislador eliminou a enumeração dos meios de propaganda e passou a discipliná-la pelo material empregado, permitindo a publicidade em papel e adesivos, em contraposição à pintura, que passou a ser vedada.

Na doutrina, Rodrigos López Zilio tece crítica aos termos empregados pela legislação, destacando que a interpretação literal do texto normativo em nada contribui para o aprimoramento das campanhas:

A exigência de a propaganda em bens particulares ser realizada apenas em adesivo ou papel também não guarda qualquer razoabilidade. Além de não ter qualquer relação direta com os gastos de campanha, sequer é possível afirmar que a finalidade foi evitar dano no local em que fixada a propaganda (pois isso pode ocorrer, conforme a adesivagem empregada). Ademais, essa limitação de forma causará uma discussão estéril sobre a possibilidade da propaganda em bens particulares ocorrer através de faixas, placas ou cartazes. De qualquer sorte, parece certo assentir a possibilidade de todas essas formas de propaganda, desde que através de adesivos (nas faixas e placas) ou em papel (nos cartazes). (Direito Eleitoral, 5ª ed, 2016, p. 363.)

Quanto à interpretação conforme a Constituição, o texto legal estabelece que a propaganda deverá ser feita em papel ou adesivo, sem nada referir quanto ao meio pelo qual será divulgada. A lei não proíbe que o papel ou adesivo sejam fixados em estruturas de madeira, como se fossem placas, cartazes ou bandeiras, e proibir a utilização de tais meios mostra-se ofensivo ao princípio da legalidade.

Ademais, vedar a divulgação de propaganda, se fixada em estrutura de madeira ou assemelhado, somente conduziria a uma restrição ainda maior da divulgação das candidaturas, em prejuízo à necessária informação dos eleitores para que se alcance uma democracia plena.

Dessarte, tenho que a exigência de que a propaganda seja feita em “papel ou adesivo” deve ser interpretada no sentido de vedar apenas a pintura como forma de divulgação da candidatura, sendo permitida ainda a sua fixação em estruturas de madeiras ou outras semelhantes.

Na hipótese dos autos, a propaganda impugnada é uma bandeira fixada na propriedade do eleitor. Não há notícias de que tal artefato tenha ultrapassado as dimensões legais, sendo indevida a conclusão pela irregularidade da propaganda apenas porque foi fixada em uma vara de madeira e não seria em papel ou adesivo.

Nesse sentido, recente julgado desta Corte:

Recurso. Representação. Propaganda eleitoral. Bem particular. Bandeira. Art. 37, §§ 1º e 2º, da Lei n 9.504/97. Multa. Eleições 2016.

Propaganda eleitoral realizada em bens particulares deve ser feita em papel ou adesivo e respeitar a dimensão máxima definida por lei, sob pena de multa.

No caso, veiculação de propaganda por meio de bandeira em propriedade de eleitor. Não evidenciada a extrapolação às dimensões legais. Regularidade da propaganda impugnada. Reforma da sentença.

Provimento.

(RE 178-72, Rel. Dr. Jamil Bannura, julgado em 24.11.2016.)

Assim, como a pretensão é de aplicação de multa eleitoral, sendo a propaganda lícita, forçoso o desprovimento do apelo.

Não se alegue que o reconhecimento da licitude da propaganda representa reformatio in pejus porque o recurso é apenas da representante. É que o exame da legalidade da propaganda, aqui, constitui um caminho necessário para se chegar ao juízo de legalidade da aplicação da multa. Trata-se de uma questão prejudicial que é devolvida integralmente à Corte como pressuposto para enfrentamento da adequação da sanção aplicada. O desprovimento da pretensão à incidência da multa não representa que a sentença esteja sendo reformada no que não constitui objeto do recurso. O acórdão diz que apenas não incide a multa, mantendo intocada a r. sentença.

Em relação ao aqui referido, trago interessantes considerações doutrinárias acerca da amplitude do efeito devolutivo dos recursos, ainda sob a vigência do CPC de 1973, mas que não sofreu alteração em sua essência (CHACPE, Juliana Fernandes. O efeito devolutivo da apelação - apontamentos sobre a aplicação do art. 515 do CPC. Princípio do duplo grau de jurisdição e perspectivas frente à reforma do Código de Processo Civil. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10943. Acesso em 01.12.206):

A exata configuração do efeito devolutivo resulta na análise de dois aspectos: o primeiro concerne à extensão do efeito; o segundo, à sua profundidade. Delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que matéria há de trabalhar o órgão ad quem para julgar.

Ainda segundo Barbosa Moreira, a decisão apelada tem o seu objeto: pode haver julgado o mérito da causa (sentença definitiva), ou matéria preliminar ao exame do mérito (sentença terminativa). Deve-se analisar se a decisão do tribunal cobrirá ou não área igual á coberta pela do juiz a quo. A questão é analisada aqui do ponto de vista horizontal.

Por outro lado, a decisão apelada tem os seus fundamentos: o órgão de primeiro grau, para decidir, precisou enfrentar e resolver questões, isto é, pontos duvidosos de fato e de direito suscitados pelas partes ou apreciados de ofício. Cumpre averiguar se todas essas questões, ou nem todas, devem ser reexaminadas pelo tribunal, para proceder, por sua vez, ao julgamento; ou ainda se, porventura, hão de ser examinadas questões que o órgão a quo, embora pudesse ou devesse apreciar, de fato não apreciou. Aqui o problema é tratado em perspectiva vertical.

No primeiro aspecto, o parágrafo 1º do art. 515 do CPC tem aplicação quanto à extensão do recurso de apelação, ampliando em caráter excepcional o campo de atuação do órgão ad quem. Isso ocorre quando as questões a que se refere a aludida norma estão (ou deveriam estar) contidas no dispositivo da sentença, como, por exemplo, quando o órgão a quo, ao decidir a lide, julga prejudicado algum pedido do autor em virtude de haver acolhido o pedido anterior. Interposto recurso de apelação pelo réu, o órgão ad quem, ao reformar a decisão de mérito que tinha julgado procedente o pedido do autor pelo primeiro fundamento apresentado, deverá analisar o subsidiário, formulado para o caso de rejeição do primeiro. Isso significa que o tribunal estará analisando pela primeira vez fundamento nunca antes apreciado pelo juiz em primeiro grau de jurisdição.

Num segundo aspecto, o parágrafo primeiro do art. 515 do CPC diz respeito à profundidade do efeito devolutivo da apelação. Sua função aqui é possibilitar o conhecimento pelo órgão ad quem de todos os elementos que estavam à disposição do órgão a quo no momento em que este proferiu a sentença. Por essa razão é que Barbosa Moreira destaca que o efeito devolutivo da apelação, em relação à profundidade, é “amplíssimo”.

Não se exige que as questões tenham sido decididas na sentença para que se opere a devolução ao órgão ad quem. Apesar de haver imposição legal para que todas as questões suscitadas pelas partes sejam analisadas e decididas pelo órgão jurisdicional (art. 458, II e III, CPC), do ponto de vista prático as questões não resolvidas na sentença são devolvidas ao conhecimento do órgão ad quem, inexistindo prejuízo aos litigantes, salvo quando se referem a capítulos de mérito não julgados, caracterizando julgamento infra petita e, portanto, nulidade da decisão.

Portanto, como resulta dos parágrafos 1º e 2º do art. 515, a profundidade do efeito devolutivo não se cinge às questões efetivamente resolvidas na sentença apelada: abrange também as que nela poderiam tê-lo sido. Estão aí compreendidas:

a) as questões examináveis de ofício a cujo respeito o órgão a quo não se manifestou;

b) as questões que, não sendo examináveis de ofício, deixaram de ser apreciadas, a despeito de haverem sido suscitadas e discutidas pelas partes.

Se o autor invocara dois fundamentos para o pedido e o juiz o julgou procedente apenas por um deles, silenciando sobre o outro, ou repelindo-o expressamente, a apelação do réu, que pleiteia a declaração de improcedência, é suficiente para devolver ao tribunal o conhecimento de ambos os fundamentos. Caso entenda o tribunal que o pedido merece acolhida justamente pelo segundo fundamento, e não pelo primeiro, o tribunal deverá negar provimento ao recurso, confirmando a sentença na sua respectiva conclusão, mas fazendo a correção dos motivos. Também se o juiz julgou improcedente o pedido apenas à luz do fundamento a, omitindo-se quanto ao fundamento b, a apelação do autor permite ao tribunal julgar procedente o pedido, sendo o caso, quer pelo fundamento a, quer pelo fundamento b.

Daí a desnecessidade de a parte vencedora apelar, para ver examinado fundamento sobre o qual o juiz se omitiu. A profundidade do efeito devolutivo da apelação do vencido é suficiente para provocar ampla atividade cognitiva do tribunal sobre as questões debatidas em primeira instância.

Contudo, é importante relembrar que a devolutividade da apelação só abrange a causa de pedir deduzida na inicial, sendo inadmissível qualquer inovação. A profundidade desse efeito é ampla, mas, no que se refere à pretensão inicial, deve ser respeitado o limite objetivo da demanda.

(...)

A devolução do conhecimento da causa ao tribunal é ampla, não obstante a existência do duplo grau de jurisdição, ainda que não como uma garantia constitucional. Por essas razões, o tribunal deve julgar a causa com os mesmos elementos de que dispunha o juiz em primeira instância. Se o juiz não se valeu de todos os elementos, apesar de estarem ao seu alcance, não se poderá impedir ao tribunal deles se utilizar. É possível, inclusive, que o juiz singular não tenha dado à causa a solução mais justa precisamente em virtude de não haver se utilizado de um dos elementos de que dispunha – seja em razão de inexperiência ou de outras deficiências por ter-se omitido quanto a fundamento invocado por uma das partes e que constituía o verdadeiro esclarecimento para a solução do litígio.

Todavia, esclarece Joana Carolina Lins Pereira (2004) que a distinção entre os parágrafos 1º e 2º do art. 515 não reside propriamente no fato de o parágrafo 1º tratar de questões e o parágrafo 2º tratar de fundamentos, haja vista que a distinção entre fundamentos e questões é apenas de grau (aqueles, se impugnados, discutidos, transformam-se nestas). A principal diferença reside na atitude do julgador de primeira instância: omitir-se, não conhecendo, ou conhecer, porém, rejeitando. Em ambas as situações, há devolução das questões ou fundamentos ao órgão ad quem, independentemente de serem os mesmos renovados nas razões recursais, condicionando-se apenas à existência de recurso.

(grifei)

 

Nessa medida, a extensão do que se pode examinar no recurso é dada pelo recorrente quando deduz a matéria impugnada que, segundo Barbosa Moreira, é analisada do ponto de vista horizontal.

Já a profundidade, que será a matéria com a qual o Tribunal trabalhará, segundo o mesmo doutrinador, é tratada em perspectiva vertical.

Pelo efeito devolutivo, o tribunal poderá apreciar todas as questões que se relacionarem ao ponto que foi impugnado, ou seja, de início a extensão do recurso será determinada pelo recorrente, porém a sua profundidade não, podendo a sua análise ser feita no todo pelo Tribunal, que não ficará adstrito só ao que foi impugnado quando do julgamento do recurso.

Na espécie, ao postular a incidência da multa em face do reconhecimento da irregularidade da propaganda, ao Tribunal é dada a possibilidade de examinar todas as questões , inclusive a regularidade da propaganda como fundamento para o não do cabimento da sanção, mantendo-se a sentença por razões jurídicas diversas.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença em seus exatos termos.