RE - 1173 - Sessão: 30/11/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA - PP, PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT, PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO - PDT, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO - PMDB, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB e PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB, todos de Gramado dos Loureiros, contra decisão do Juízo da 99ª Zona Eleitoral – Nonoai – que julgou improcedente a impugnação da transferência de domicílio eleitoral de LAIS GABRIEL para o Município de Gramado dos Loureiros, tendo em vista ter comprovado vínculo com a cidade.

Em suas razões, os impugnantes alegam que a indígena Lais Gabriel não reside no município de Gramado dos Loureiros.

Em contrarrazões, a impugnada alegou, preliminarmente, ausência de capacidade postulatória dos presidentes dos partidos, porquanto não representados por advogado. No mérito, asseverou, em síntese, a correção da decisão, por preencher os requisitos legais para fundamentar a transferência de seu domicílio. Aduz que não houve a apresentação de qualquer prova capaz de ensejar o indeferimento da transferência de domicílio eleitoral. Assevera que a declaração da FUNAI juntada à fl. 08 foi firmada pelo Cacique da tribo indígena Nonoai, por servidor da FUNAI, além de duas testemunhas. Alega, outrossim, que efetivamente foi intimada em seu domicílio eleitoral, conforme consta da certidão da Oficial de Justiça.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, razão pela qual deve ser conhecido.

Passo à análise da preliminar de ausência de capacidade postulatória dos impugnantes, e adianto que não prospera.

Embora a impugnação tenha sido interposta pelos presidentes dos partidos PP, PT, PDT, PMDB, PSB e PTB, todas legendas do Município de Gramado dos Loureiros, sem que tenha a inicial sido firmada por procurador devidamente habilitado, em se tratando de matéria atinente à impugnação do alistamento eleitoral deferido pelo Juízo Eleitoral, admite-se a interposição de recurso pelos delegados dos partidos, que poderão acompanhar os processos de inscrição e promover a exclusão de qualquer eleitor inscrito ilegalmente.

Tal situação está abarcada pelo art. 66 do Código Eleitoral:

Art. 66. É licito aos partidos políticos, por seus delegados:

I - acompanhar os processos de inscrição;

II - promover a exclusão de qualquer eleitor inscrito ilegalmente e assumir a defesa do eleitor cuja exclusão esteja sendo promovida;

III - examinar, sem perturbação do serviço e em presença dos servidores designados, os documentos relativos ao alistamento eleitoral, podendo deles tirar cópias ou fotocópias.

§ 1º Perante o juízo eleitoral, cada partido poderá nomear 3 (três) delegados.

§ 2º Perante os preparadores, cada partido poderá nomear até 2 (dois) delegados, que assistam e fiscalizem os seus atos.

§ 3º Os delegados a que se refere êste artigo serão registrados perante os juizes eleitorais, a requerimento do presidente do Diretório Municipal.

§ 4º O delegado credenciado junto ao Tribunal Regional Eleitoral poderá representar o partido junto a qualquer juízo ou preparador do Estado, assim como o delegado credenciado perante o Tribunal Superior Eleitoral poderá representar o partido perante qualquer Tribunal Regional, juízo ou preparador.

De igual modo, a matéria também está albergada pela Resolução TSE n. 21.538/03:

Art. 27. Os partidos políticos, por seus delegados, poderão:

I – acompanhar os pedidos de alistamento, transferência, revisão, segunda via e quaisquer outros, até mesmo emissão e entrega de títulos eleitorais, previstos nesta resolução;

II – requerer a exclusão de qualquer eleitor inscrito ilegalmente e assumir a defesa do eleitor cuja exclusão esteja sendo promovida;

III – examinar, sem perturbação dos serviços e na presença dos servidores designados, os documentos relativos aos pedidos de alistamento, transferência, revisão, segunda via e revisão de eleitorado, deles podendo requerer, de forma fundamentada, cópia, sem ônus para a Justiça Eleitoral.

Parágrafo único. Qualquer irregularidade determinante de cancelamento de inscrição deverá ser comunicada por escrito ao juiz eleitoral, que observará o procedimento estabelecido nos arts. 77 a 80 do Código Eleitoral.

Na hipótese, aplicam-se os precedentes deste TRE trazidos à colação pela douta Procuradoria Regional Eleitoral:

RECURSO. DOMICÍLIO ELEITORAL. TRANSFERÊNCIA. DEFERIMENTO NA ORIGEM. RESOLUÇÃO TSE Nº 21.538/03. MATÉRIA ADMINISTRATIVA. DELEGADO DE PARTIDO POLÍTICO. CAPACIDADE POSTULATÓRIA. ADVOGADO HABILITADO. DESNECESSIDADE. ELEITORES. VÍNCULO COM A LOCALIDADE. NÃO DEMONSTRADA. PROVIMENTO DO RECURSO. INDEFERIMENTO DOS PEDIDOS DE TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO ELEITORAL. 1. Nos termos do art. 18, § 5º, da Resolução TSE nº 21.538/03, do despacho que deferir o requerimento de transferência, caberá recurso interposto pelo eleitor no prazo de cinco dias e, do que o deferir, poderá recorrer qualquer delegado de partido político no prazo de dez dias. 2. O alistamento eleitoral lato sensu constitui-se em procedimento eminentemente administrativo, e, sendo assim, dispensa a exigência de representação em juízo por advogado devidamente habilitado. 3. Mera declaração de vínculo econômico, histórico, cultural e familiar com a localidade para onde se pretende transferir o domicílio eleitoral não representa documento hábil para, por si só, autorizar o deferimento do pleito. 4. Recurso conhecido e provido em ordem de reformar a sentença do Juízo Eleitoral a quo e indeferir os pedidos de transferência de domicílio eleitoral formulados pelos recorridos. (RECURSO ELEITORAL n. 12893, Acórdão n. 39/2012 de 08.02.2012, Relator JUVENAL FRANCISCO DA ROCHA NETO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 28, Data 16.02.2012, Página 06.)

 

Recurso. Revisão do eleitorado. Domicílio eleitoral. Configurada a regularidade da inscrição, pois comprovado o domicílio eleitoral mediante a demonstração do vínculo social do eleitor com o município. Provimento. (Recurso Eleitoral nº 238, Acórdão de 10.7.2014, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 123, Data 16.7.2014, Página 2-3.)

 

Recurso. Decisão que determinou o cancelamento de filiações partidárias efetuadas em duplicidade. Matéria preliminar afastada. Prejudicada a aferição da tempestividade recursal diante da intimação, por meio do DEJERS, à parte sem representação por procurador habilitado. Flexibilização da obrigação de assistência por advogado aos eleitores em procedimentos de cunho administrativo, versados em matéria de ordem pública, na seara eleitoral. Inexistência de comprovação hábil da comunicação de desfiliação dirigida ao partido ou à Justiça Eleitoral. Descumprimento da exigência prevista no artigo 22, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95. Provimento negado. (TRE-RS - RE: 6071 RS, Relator: DESA. ELAINE HARZHEIM MACEDO, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 124, Data 12.7.2012, Página 2.) (Grifei.)

Portanto, afasto a matéria preliminar.

 

No entanto, no mérito, a insurgência não merece ser provida.

A transferência da eleitora está amparada por prova documental suficiente a evidenciar o seu vínculo com o Município de Gramado dos Loureiros, uma vez que a Fundação Nacional do Índio – FUNAI firmou declaração de que a indígena Lais Gabriel reside há 1 ano na Terra Indígena Nonoai – Aldeia Benjamin –, pertencente ao Município de Gramado dos Loureiros (fl. 08).

Acerca da matéria, o parágrafo único do art. 42 e o inc. III do §1º do art. 55 do Código Eleitoral prescrevem:

art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor.

Parágrafo único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

Art. 55. Em caso de mudança de domicílio, cabe ao eleitor requerer ao Juiz do novo domicílio sua transferência, juntando o título anterior.

§ 1° A transferência só será admitida satisfeitas as seguintes exigências:

(...)

III – residência mínima de 3 (três) meses no novo domicílio, atestada pela autoridade policial ou provada por outros meios convincentes.

Conforme bem apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral, o domicílio está até mesmo comprovado pelo fato de que Luiza Cardoso foi intimada pessoalmente para apresentar contrarrazões, tendo sido localizada na Aldeia Indígena Benjamin, no Município de Gramado dos Loureiros, conforme certidão da Oficial de Justiça (fl. 14).

Além disso, a declaração da FUNAI foi firmada por duas testemunhas residentes na Aldeia Benjamin, e a recorrida juntou aos autos prontuário de atendimentos médicos realizados em Gramado dos Loureiros.

A respeito do tema, doutrina e jurisprudência não discrepam: domicílio eleitoral não se confunde com o domicílio do direito comum, regido pelo Direito Civil, sendo aquele mais flexível e elástico, identificando-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos políticos, sociais, econômicos, patrimoniais e afetivos, e para o qual pretende ser transferido.

Nesse sentido, colaciono jurisprudência do TSE:

DOMICÍLIO ELEITORAL - TRANSFERÊNCIA - RESIDÊNCIA - ANTECEDÊNCIA (CE, ART. 55) - VÍNCULOS PATRIMONIAIS E EMPRESARIAIS.

- Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e afetivos. A residência é a materialização desses atributos. Em tal circunstância, constatada a antiguidade desses vínculos, quebra-se a rigidez da exigência contida no art. 55, III." (RESPE nº 23.721/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 18.3.2005).

DOMICÍLIO ELEITORAL - TRANSFERÊNCIA - RESIDÊNCIA - ANTECEDÊNCIA (CE, ART. 55) - VÍNCULOS PATRIMONIAIS E EMPRESARIAIS.

Para o Código Eleitoral, domicílio é o lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e econômicos. A residência é a materialização desses atributos. Em tal circunstância, constatada a antigüidade desses vínculos, quebra-se a rigidez da exigência contida no art. 55, III.

(AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 4769, Acórdão n. 4769 de 02.10.2004, Relator Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 17.12.2004, Página 316 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 15, Tomo 3, Página 263.)

 

RECURSO ESPECIAL. TRANSFERÊNCIA. DOMICÍLIO ELEITORAL. CARACTERIZADO. APELO PROVIDO.

Tendo o eleitor demonstrado seu vínculo com o município, defere-se o pedido de transferência. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 21829, Acórdão n. 21829 de 09.9.2004, Relator Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 01.10.2004, Página 150.)

No mesmo rumo, é a jurisprudência desta Corte, consoante ementado:

Recurso. Decisão que julgou improcedente impugnação de transferência de domicílio eleitoral. Alegada residência temporária no município em que o eleitor presta serviço. Flexibilidade do conceito de domicílio eleitoral, identificado como lugar onde o eleitor tem vínculos patrimoniais, profissionais ou sociais. Desprovimento. (RE 46-81, Acórdão da sessão do dia 14.6.2012, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.)

 

Recurso. Decisão que julgou improcedente pedido de cancelamento de transferência e alistamento dos 57 eleitores recorridos.

Aludidos eleitores integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tendo instruído seus requerimentos de transferência com certidões de atendimento por agentes de saúde municipais.

Distinção entre os conceitos de domicílio eleitoral e domicílio civil. Amplitude maior daquele em relação a este, uma vez que abrange situações em que há vínculo profissional, patrimonial ou comunitário com o município, nos termos do art. 64 da Resolução TSE n. 20.132/98.

Condição especial dos recorridos como membros de movimento social desprovido de registros oficiais, chancelando o atendimento de saúde como única forma de evidenciar suas presenças na cidade para a qual requerem transferência eleitoral. Fragilidade, contudo, da referida prova - ante o caráter universal do atendimento médico -, que pode ser afastada pela comprovação da inexistência de ligação com a localidade.

Provimento parcial, para cancelar o alistamento de 28 eleitores no tocante aos quais existem, nos autos, elementos que tornam duvidoso o vínculo por eles declarado com o município para o qual pretendem transferir-se. (RE 262008. Sessão do dia 29.7.2008, Relator Des. Federal Vilson Darós.)

No caso, a eleitora demonstrou o seu legítimo interesse em participar do destino político da municipalidade.

 

Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.