RC - 2679 - Sessão: 12/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal eleitoral (agravo em execução penal) interposto por ADEMIR DIAS BATISTA contra decisão monocrática prolatada em audiência pelo Juízo da 98ª Zona Eleitoral de Garibaldi, responsável pela execução penal, a qual reconverteu a pena de prestação de serviços à comunidade aplicada em substituição à pena privativa de liberdade e determinou o cumprimento dos 3.130 dias restantes da pena de reclusão imputada ao recorrente em regime aberto, por falta de argumentos plausíveis para justificar o descumprimento da pena substitutiva (fl. 92).

Inconformado, ADEMIR DIAS BATISTA interpôs, nos próprios autos, agravo em execução penal, alegando que se mudou de Garibaldi para Soledade e que, por total desconhecimento de como proceder, não informou o novo endereço ao juízo a fim de alterar o local da prestação de serviços à comunidade. Afirma que foi contratado para realizar serviços de pintura até 15.11.2016, não sendo razoável sua prisão no momento em que tenta se reinserir no mercado de trabalho e se ressocializar. Acrescenta que é mantenedor de sua família, tendo um filho com necessidades especiais. Diz que deixou de cumprir a prestação de serviços à comunidade em alguns meses porque estava recolhido ao Presídio Estadual de Bento Gonçalves (processo n. 051/2.16.0000276-0, fls. 88-89). Aduz que não foi realizada audiência de advertência, nos moldes do art. 118, I, § 2º, da LEP, estando a decisão eivada de nulidade por cerceamento de defesa (fls. 95-99).

Em contrarrazões, o Ministério Público Eleitoral suscitou preliminar de não conhecimento do recurso, ao argumento de que o apelo foi interposto nos próprios autos e não por instrumento conforme o art. 197 da LEP e jurisprudência sobre o tema. No mérito, postulou a manutenção da decisão (fls. 105-107).

Nesta instância, os autos foram encaminhados em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 110-2).

É o relatório.

 

VOTO

Preliminar de não conhecimento recursal

A preliminar de não conhecimento do recurso por inobservância da forma legal de interposição deve ser rejeitada em homenagem aos postulados da ampla defesa, do contraditório e da razoabilidade.

Inicialmente, saliento que o Código Eleitoral não prevê o recurso de agravo em execução. Ao contrário, somente prevê, em matéria eleitoral, o recurso do art. 362, segundo o qual “das decisões finais de condenação ou absolvição cabe recurso para o Tribunal Regional, a ser interposto no prazo de 10 dias”.

De sua redação extrai-se que o recurso criminal eleitoral limita-se à ação penal, sendo ausente, portanto, a previsão recursal específica para o processo de execução penal.

O art. 364 do diploma eleitoral, por sua vez, estabelece a aplicação do Código de Processo Penal como lei subsidiária nos processos dos crimes eleitorais, “assim como nos recursos e na execução”, evidenciando que, em matéria penal, as omissões devem ser supridas pela legislação penal específica acerca do processo e da execução penal, no caso a Lei n. 7.210/84, Lei de Execução Penal, cujo artigo 197 estabelece que “das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo”.

Dessa forma, adequada a aplicação, na execução de sentença criminal eleitoral, do artigo 197 da Lei de Execução Penal, no prazo de 05 dias reconhecido pela Súmula 700 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “é de cinco dias o prazo para interposição de agravo contra decisão do juiz da execução penal”.

A aplicação do aludido artigo 197 se dá, lembre-se, em detrimento do artigo 258 do Código Eleitoral, que estabelece a regra geral de 3 dias para os recursos eleitorais, porque, no caso, não se está diante de um recurso eleitoral, propriamente dito, contra decisão que aplique matéria eleitoral, mas de irresignação interposta contra decisão proferida em procedimento específico de execução penal, previsto em lei especial, o qual tramita perante a Justiça Eleitoral.

Embora haja jurisprudência sedimentada no âmbito da Corte Superior de Justiça entendendo que, devido à falta de expressa previsão legal, deve-se utilizar, no que couber, o rito processual estabelecido para o recurso em sentido estrito no agravo em execução – previsto no art. 197 da Lei de Execuções Penais (LEP), considero que a interposição nos próprios autos não impede o conhecimento das razões de reforma da decisão recorrida.

Nesse sentido, cito o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

[...] 1. As Turmas que compõem a Eg. Terceira Seção tem reiteradamente decidido, de maneira uniforme, no sentido de que se aplicam ao recurso de agravo em execução, previsto no art. 197 da Lei de Execução Penal, as disposições acerca do rito do recurso em sentido estrito, sendo, portanto, inviável a utilização analógica do art. 557 do Código de Processo Civil. 2. Ordem concedida para, cassando a decisão proferida monocraticamente pelo Relator, determinar que o agravo em execução seja apreciado pelo respectivo órgão colegiado do Tribunal a quo ( HC n. 207.751⁄RS , Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T., DJe 23⁄3⁄2012, destaquei). Agravo em execução. Rito do recurso em sentido estrito. Aplicabilidade. Pedido de sustentação oral. Indeferimento. Princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Inobservância. 1. " A teor da iterativa orientação jurisprudencial desta Corte, aplicam-se ao recurso de agravo em execução, previsto no art. 197 da Lei de Execução Penal, as disposições acerca do rito do recurso em sentido estrito, previstas nos arts. 581 e seguintes do Código de Processo Penal. (Precedentes)" (HC-21.056, Ministro Felix Fischer, DJ de 7.4.03). [...] 3. Habeas corpus concedido a fim de determinar se proceda a novo julgamento do agravo em execução, assegurando o direito à sustentação oral. Mantida a liminar

(HC n. 109.378⁄GO , Rel. Ministro Nilson Naves, 6ª T., DJe 14.2.2013, destaquei.)

Além disso, tratando-se de insurgência quanto à conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, tempestivamente interposta, o rigor formalístico deve ser flexibilizado a fim de oportunizar ampla defesa ao apenado.

Com essas considerações, rejeito a prefacial.

No mérito, o recorrente foi condenado à pena de 1 ano de reclusão e 05 dias-multa pela prática do crime previsto no art. 350 do CE, em decisão que transitou em julgado em 12.6.2015 (fl. 33). A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços comunitários à razão de 1 hora por dia de condenação, nos termos do art. 44 do Código Penal (fls. 29-30).

Verifica-se que o juízo da execução, por meio da decisão que consta no verso da fl. 37 dos autos, determinou fosse aprazada audiência de início da execução da pena, solenidade na qual compareceu o recorrente conforme termo da  fl. 42.

Consta do referido termo que o juízo passava a advertir o apenado da condenação à pena privativa de liberdade, substituída por prestação de serviços à comunidade pelo tempo total de 365 horas à razão de 7 (sete) horas semanais. Além disso, concedeu-se prazo de 10 meses para pagamento da pena de multa imposta na sentença condenatória.

No entanto, conforme relatórios de prestação de serviços, Ademir Dias Batista cumpriu 12 horas e 30 minutos no mês de setembro de 2015 e nos meses de outubro e novembro não prestou serviços em decorrência de problema interno da Secretaria de Obras (fls. 47-49). Em dezembro de 2015 cumpriu 13 horas e 30 minutos (fl. 57), tendo apresentado atestado médico de internação entre os dias 15 e 22.01.2016 para justificar a ausência de prestação de serviços no mês de janeiro de 2016 (fls. 59-60). Em fevereiro de 2016 cumpriu 16 horas (fl. 64), tendo sido intimado para retomar a prestação de serviços em março (fls. 65-67), cumprindo apenas 10 horas em abril (fl. 71), não comparecendo nem justificando a ausência em maio (fl. 77). Esteve preso preventivamente entre 24.6.2016 e 26.7.2016, nos autos do processo n. 051/2.16.0000276-0 (medida protetiva – violência doméstica), em trâmite em Bento Gonçalves, tendo comparecido em cartório no dia 3.8.2016 para informar o fato (fl. 88).

Com vista dos autos, o órgão ministerial requereu a designação de audiência de justificação, a fim de que o apenado esclarecesse os motivos do cumprimento irregular da pena imposta (fls. 73-74).

Realizada a audiência, Ademir Dias Batista alegou, em síntese, que trabalha como pintor autônomo em diversas localidades, afastando-se periodicamente de Garibaldi em razão do serviço, e manifestou interesse em continuar o cumprimento da pena alternativa, postulando a concessão de mais uma chance. Todavia, entendendo haver falta de comprometimento do executado com o cumprimento da pena, o magistrado acolheu a manifestação ministerial e reconverteu a prestação de serviços à comunidade em reclusão (fl. 92).

Transcrevo o seguinte excerto da decisão recorrida :

[...]

O apenado confirma que deixou de cumprir alguns períodos da PSC, justificando com a informação de que se afastou de Garibaldi, dirigindo-se para Soledade, inclusive tendo a intenção de transferir o cumprimento da pena para aquele local; não lembra quando foi para Soledade, mas ficou três meses por lá e retornou em junho do corrente ano, quando foi preso, sendo liberado em 26 de julho; instado a esclarecer o descumprimento da PSC nos períodos fora dos três meses que lhe antecederam a prisão, refere que trabalha como pintor autônomo, tendo serviços em outras localidades, obrigando-se a se afastar de Garibaldi. Tem interesse em retomar o cumprimento da PSC. O Ministério Público requer a substituição da PSC, convertendo-se em prisão, haja vista a falta de justificativa jurídica do apenado para o descumprimento da PSC, não havendo sequer congruência em sua explicação, pois se não estava em Garibaldi entre março e junho não poderia ter cumprido, como fez, algumas horas de serviço em abril; anota que o apenado revela descompromisso com o cumprimento da pena e não faz jus à manutenção da PSC. Pela defesa vem requerimento de nova oportunidade para o cumprimento da PSC, inclusive com disposição do apenado de obter dispensa do trabalho remunerado para dedicar-se ao cumprimento cumulativo da PSC, mantendo regular a partir de agora. Pelo juízo foi dito que acolhia o requerimento do MP, julgando não justificada o descumprimento da pena restritiva de direito, uma vez que a audiência de admoestação o apenado ocorreu em 09-09-2015 (fl. 42) e desde então ele deixou de cumprir a PSC nos meses de outubro, novembro; em dezembro cumpriu apenas treze horas de um total de 30; em janeiro não cumpriu PSC, em fevereiro cumpriu apenas dezesseis horas, em março não cumpriu nenhuma hora, assim como nos meses de maio e junho. Evidencia-se a falta de comprometimento do apenado para cumprimento da pena que substitui a pena privativa de liberdade. Em vista disso, considerando que os afastamentos alegados pelo apenado não são compatíveis com o tempo de descumprimento e, ainda que o fossem, não justificariam a omissão, vai convertida a pena de PSC em pena de prisão pelo tempo restante de 313 dias de prisão, mantendo-se regime inicial da sentença condenatória.

Embora o recorrente tenha sido recolhido à prisão durante o período em que deveria estar cumprindo a pena de prestação de serviços à comunidade, o próprio réu reconheceu, na audiência de justificação, que alterou residência sem informar o juízo, assumindo que deixou de cumprir a pena substitutiva por vários meses em que estava solto e que estava exercendo atividade remunerada sem, contudo, cumprir a pena substitutiva.

Analisando os autos, vê-se que ao recorrido não foi suprimida a oportunidade de justificar o descumprimento da pena, não havendo nulidade por cerceamento de defesa, uma vez que a expedição de mandado de prisão foi realizada com prévia audiência na qual o reeducando estava assistido por advogado.

O contraditório foi preservado, mas as razões invocadas pelo recorrido na audiência de justificação de fato não são suficientes para serem consideradas um justo motivo ao descumprimento da pena, não tendo o réu fornecido maiores elementos ao juízo a fim de demonstrar que envidou esforços para realizar a prestação de serviços à comunidade e que a inobservância ocorreu por circunstâncias alheias a sua vontade.

Destarte, a nulidade suscitada não deve ser acolhida, pois ausente a ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

A conversão das penas restritivas de direitos em privativa de liberdade é regulada pelo art. 181, da LEP:

Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do artigo 45 e seus incisos do Código Penal.

§ 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado:

a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital,

b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar serviço;

c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto;

d) praticar falta grave;

e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.

 

Também, o art. 44, § 4º, do Código Penal, assim regula a matéria:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998).

§ 4º. A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998).

A jurisprudência pátria é no sentido de que, de acordo com o art. 181 da Lei de Execução Penal, c/c o art. 44, § 4º, do Código Penal, a pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade quando houver o descumprimento injustificado da restrição imposta.

Diante disso, considerando que o recorrido foi advertido a iniciar o cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade, que após a constatação do seu descumprimento foi oportunizada a defesa a apresentação de justificativas e exercício do contraditório, os quais não foram suficientes para evitar a reconversão da pena, o recurso merece ser desprovido.

A propósito:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. DESCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO. CONVERSÃO EM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. IMPROCEDÊNCIA. AUDIÊNCIA ADMONITÓRIA. ATIVIDADE ADMINISTRATIVA.

1. A teor do art. 181 da Lei de Execução Penal, c.c. o art. 44, § 4.º, do Código Penal, a pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade quando houver o descumprimento injustificado da restrição imposta.

2. Em obediência ao princípio constitucional da ampla defesa, não pode o magistrado proceder à conversão automática da pena sem ouvir previamente o sentenciado, a fim de possa apresentar justificativas quanto à inobservância da decisão judicial. Precedentes.

3. Na hipótese, conforme ressaltou o Tribunal de origem, antes da conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, o ora Paciente foi intimado diversas vezes, tendo se manifestado em cinco oportunidades, até mesmo por intermédio da Defensoria Pública da União. Desse modo, não se evidencia constrangimento ilegal a ser sanado.

[...]

5. Recurso desprovido.

(STJ, RHC n. 24.842/SC, Relª. Ministra LAURITA VAZ, DJE 17.12.2010, sem grifo no original.)

 

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - PENA RESTRITIVA DE DIREITO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE - DECISÃO QUE NÃO RECEPCIONOU PERÍODO DE CUMPRIMENTO PENAL EM INSTITUIÇÃO DIVERSA DA DETERMINADA - ALTERAÇÃO DE FORMA DE CUMPRIMENTO DA PENA ALHEIA AO JUÍZO DE EXECUÇÃO PENAL - DESPROVIMENTO.

A prestação de serviços à comunidade não é pena alternativa cujo cumprimento se imponha aleatoriamente, senão com sensível atenção à sua função social de recuperação do apenado, ao final promovendo o resgate dos atributos de cidadania.

Com efeito, acolhe-se o apenado não em razão de utilidade financeira, nem para a instituição conveniada, tampouco para minimizar os gastos do Estado com o encarceramento; mas com propósito de ressocialização, que é o ânimo que move a imposição penal alternativa.

Disso, a eventual alteração das circunstâncias da execução penal há de ser objeto de valoração e determinação judiciais, substanciada por devida motivação, que não pode evadir ao fim reintegrador.

Procedida a alteração da entidade ao alvedrio judicial, com a opção por entidade inconciliável com o propósito punitivo e ressocializador da medida alternativa, não há como contabilizar o período de execução penal nela cumprido.

(TRE-SC, AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 2, Acórdão n. 23287 de 19.11.2008, Relator CLÁUDIO BARRETO DUTRA, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 223, Data 26.11.2008.)

 

Ante o exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.