RE - 3789 - Sessão: 19/12/2016 às 14:00

RELATÓRIO

O PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT DE VENÂNCIO AIRES interpõe recurso contra a sentença de fls. 293-297, que desaprovou suas contas relativas ao exercício de 2015, nos termos do art. 45, IV, "a", da Resolução TSE n. 23.432/14; suspendeu o recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 2 (dois) meses, nos termos do art. 46, I, e 48, § 2º, da mesma resolução; e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 5.131,29, já descontados os R$ 32,20 antecipados pela agremiação.

Em suas razões, o recorrente defende que as contribuições foram efetuadas em conformidade com a Lei dos Partidos Políticos, as Resoluções TSE n. 23.432/14 e n. 23.464/15, e suas regras estatutárias e, ainda, de forma espontânea e devidamente identificadas, inviabilizando a sua caracterização como recursos de fonte vedada. Postula a reforma da sentença, com a consequente aprovação das contas (fls. 302-305).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 309-313v.).

É o relatório.

 

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, razão pela qual dele conheço.

No mérito, trata-se de prestação de contas do Partido dos Trabalhadores – PT de Venâncio Aires, desaprovada em virtude do recebimento de doações de fonte vedada, em afronta ao art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, pois provenientes de doações realizadas por filiados ocupantes de cargo em comissão de chefia ou direção.

O art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, assim prescreve:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38.

O Tribunal Superior Eleitoral, até a edição da Resolução TSE n. 22.585/07, havia firmado entendimento no sentido de ser possível a contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum, conforme se depreende da ementa do julgamento da Pet. n. 310 (Resolução TSE n. 20.844 de 14.08.2001), relator Min. Nelson Jobim:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT.

EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 1996.

Contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum.

Inexistência de violação ao art. 31, II, da Lei n° 9.096/95. Contas aprovadas.

(PETIÇÃO nº 310, Resolução nº 20844 de 14.8.2001, relator Min. NELSON AZEVEDO JOBIM, Publicação: DJ - Diário de Justiça, volume 1, data 09.11.2001, página 154 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, volume 13, tomo 1, página 302).

No entanto, desde o advento da mencionada resolução, o tema não comporta mais os argumentos trazidos pelo recorrente, no sentido de que as contribuições dos filiados foram espontâneas e eventuais, e não estariam vedadas pelas Resoluções TSE n. 23.432/14 e n. 23.464/15.

Por oportuno, reproduzo ementa da Consulta que deu origem à Resolução TSE n. 22.585/07:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA nº 1428, Res. nº 22585 de 06/09/2007, Relator(a) Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator (a) designado (a) Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16/10/2007, Página 172).

Os fundamentos exarados para a mudança de interpretação deram-se nos seguintes termos:

[...] Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

Para mim, autoridade em sentido amplo: todo aquele que possa, por exemplo, em mandado de segurança, comparecer nessa qualidade, para mim é autoridade […]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Colaciono jurisprudência deste Tribunal no mesmo sentido:

Recurso. Prestação de contas. Exercício 2010. Desaprovação no juízo originário.

Expressiva parte da receita partidária oriunda de doações de pessoas físicas, ocupantes de cargos em comissão, na condição de autoridade. Prática vedada pelo disposto no artigo 31, incisos II e III, da Lei n. 9.096/95.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 1997. Relator Eduardo Kothe Werlang, 30.7.2012).

 

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/2007 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 100000525, Relatora Desa. Elaine Harzheim Macedo, 25.4.2013).

Ressalto que o conceito de autoridade, segundo o atual entendimento, abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, V, da Constituição Federal), sendo excluídos os que desempenham exclusivamente a função de assessor.

Como se verifica, transmudou-se de uma compreensão que privilegiava a proteção do partido político contra a influência do Poder Público para uma interpretação que ressalta a relevância dos princípios democráticos da moralidade, dignidade do servidor e preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

O tema voltou a ser enfrentado por esta Casa quando do julgamento do Recurso n. 34-80, de relatoria do Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, sessão de 26.8.2014, no qual foram desaprovadas as contas de partido político em razão do recebimento de doações advindas de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas.

Reproduzo a ementa daquele julgado:

Prestação de contas partidária. Diretório municipal. Art. 5º, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro 2011.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum e na condição de autoridades. No caso, recebimento de quantia expressiva advinda de cargos de coordenador, diretor de departamento e chefe de setores e unidades administrativas.

Manutenção das sanções de recolhimento de quantia idêntica ao valor doado ao Fundo Partidário e suspensão do recebimento das quotas pelo período de um ano.

Provimento negado.

Seguindo a mesma orientação, menciono os seguintes processos: RE 94-19, de relatoria da Desa. Maria de Fátima Freitas Labarrère, sessão de 01.7.2014 e RE 36-50, de relatoria do Des. Luiz Felipe Brasil Santos, sessão de 23.9.2014.

E nessa mesma linha, transcrevo ementa de julgado do TSE:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DECISÕES. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO. DOAÇÕES. OCUPANTES CARGO DE DIREÇÃO OU CHEFIA. AUTORIDADE. VEDAÇÃO. ART. 31, II, DA LEI Nº 9.096/95.

1. Para fins da vedação prevista no art. 31, II, da Lei nº 9.096/95, o conceito de autoridade pública deve abranger aqueles que, filiados ou não a partidos políticos, exerçam cargo de direção ou chefia na Administração Pública direta ou indireta, não sendo admissível, por outro lado, que a contribuição seja cobrada mediante desconto automático na folha de pagamento. Precedentes.

2. Constatado o recebimento de valores provenientes de fonte vedada, a agremiação deve proceder à devolução da quantia recebida aos cofres públicos, consoante previsto no art. 28 da Res.-TSE nº 21.841/2004.

Recurso especial desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 4930 – Criciúma/SC, de relatoria do Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, sessão de 11.11.2014).

Induvidosamente, o regramento tem por finalidade evitar que servidores, cuja situação jurídica funcional seja de livre nomeação e exoneração, exercendo cargo de chefia, direção ou coordenação, venham fazer doações aos partidos aos quais se encontrem vinculados. Em outras palavras, busca-se evitar a transferência do dinheiro público – parcela do vencimento auferido pelo titular demissível ad nutum – para a agremiação partidária.

A vedação imposta pela resolução do Tribunal Superior Eleitoral não tem outra função que não obstar a partidarização da administração pública, ou, em palavras simples e diretas, o aparelhamento da máquina pública. Doações eleitorais advindas de servidores detentores de cargo em comissão estimulariam a nomeação de partidários para funções de confiança, facilitando o uso da máquina pública para fins eleitorais.

Pois bem.

Examinando os autos, não paira qualquer dúvida sobre o enquadramento dos doadores na condição de autoridade disposto no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95.

Conforme consta no parecer conclusivo exarado pela unidade técnica (fls. 273-279), a agremiação recorrente recebeu contribuições de servidores públicos com funções de chefia ou direção e de detentores de mandato eletivo. Vejamos:

A agremiação partidária recebeu R$ 5.163,49 proveniente de contribuições de servidores públicos com funções de chefia ou direção e de detentores de mandato eletivo, o que caracteriza fonte vedada pelo artigo 12, inc. XII e seu § 2º, da Resolução TSE nº 23.432/2014 (reproduzido na Resolução TSE nº 23.464/2015, no art. 12, inc. IV e seu §1º). Esse valor representa 41% do total de receitas do exercício financeiro.

As doações por eles realizadas somaram a quantia de R$ 5.163,49, e foram identificadas na prestação de contas do partido por meio dos documentos que a instruem.

Reconhecendo a irregularidade, o magistrado João Francisco Goulart Borges, modo correto, desaprovou as contas do partido, determinando a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, pelo período de 2 (dois) meses e o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 5.131,29, valor este menor do que o apontado pela unidade técnica, pois a agremiação já havia antecipado depósito ao Tesouro no montante de R$ 32,20.

Portanto, adoto os fundamentos da decisão exarada pelo magistrado, embasada em parecer contábil, e concluo que a decisão deve ser mantida em sua integralidade.

Desse modo, o valor doado à agremiação, no montante de R$ 5.131,29, deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do que prevê o art. 14, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, que manteve o disposto pela Resolução TSE n. 23.432/14. Este é o entendimento deste Tribunal, consolidado a partir do julgamento da PC n. 72-42.2013.6.21.0000, de relatoria da Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, na sessão do dia 04.5.2016.

Por fim, quanto à suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, determinada na sentença pelo período de 2 (dois) meses, de igual modo não merece reparo.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo íntegra a sentença de primeiro grau.

É como voto, Senhora Presidente.